2.5.11

sacrilégio do amor . Ah! que pena

Tempos líquidos, amores líquidos , modernidade líquida , Bauman quase nos
mata afogados , o que quer dizer o grande sociólogo afinal?
Que optamos pela inconsistência em nosso modo de viver , como se a força do consumo em sua voracidade tivesse autorizado que o conceito de mercadoria pudesse perpassar inclusive, os requintes de nossa alma.
Aos poucos ou aos muitos, fomos sendo tomados por transações no convívio que regidas pela idéia de consumo , ou seja , pelo modo como tudo é consumido chegou ao campo da alma , fazendo um tipo de subversão tão espetacular quanto perniciosa .
É como se críassemos um tipo de percepção onde as raízes de tudo, pudessem ser ignoradas, às custas ou com a promessa de uma soltura , em que nada é tão merecedor de dedicações que não seja por um curto período de tempo .
Subverte-se assim dois deuses perigosos , Éros e Cronos , tanto o amor enquanto ligação perene , quanto inventa-se um conceito de tempo fugídio demais , um ataque frontal a idéia de compromisso.
A inconsistência passa ser um território onde muitos estratagemas definem suas potências enquanto compensações , não exatamente para o que se ganha ,mas para o que se deixa de perder. É a face temida do amor , seu lado sombrio , onde o medo da entrega é tanto, que impõe o se contentar com resultados pífios , com a falsa promessa de que assim se sofre menos.
Parece que as dores do amor não são para serem vivídas , como se houvesse um meio de se livrar delas , e ficar sómente com aquele lado saboroso do bolo , numa recusa da dialética espiritual , onde a dor e seus efeitos também nos capacitam a desmistificar a vida e nos enseja a beleza , mesmo que sofrida de recomeçar.
Parece que nos tornamos débeis , criaturas que nos medicamos antes da dor , na vã esperança, que assim ela não venha. Entregamos o que temos de mais valoroso , que é justo, a nossa capacidade de enfrentar e de se afirmar , o valor do guerreiro que ao lutar por algo , sabe que luta por si.
Explodimos o mundo em novidades , fizemos avançar muitas idéias que por muito esperavam suas chances , e criamos um sentido de liberdade tão incrível , que acabamos nos confundindo , pois o mundo de ligações , a liga que o amor requer para funcionar e alcançar seu modo alado, foi atingido . E foi atingido ao gerar simulações que , longe de permitir vôos para lugares desconhecidos e empolgantes para o currículum do espírito viajante, pelo contrário, enverniza a mesmice na conta de liberdades medrosas que não podem prescindir das fantasias para suas animações.
O outro deixa de ser alguém em se tenta o exercício da adição , modo mais afim com a reprodução e alegria da vida e passa ser um estrangeiro em que se deseja intimidade , pelo amor de Deus, e ao mesmo tempo , alguém sob eterna suspeita de não ser merecedor do mundo íntimo , pois nunca se está certo de suas credenciais .
A demanda de amor , essa que a Psicanálise conhece tão bem , sofre do imperativo de querer, da forma mais barata possível . É assim uma questão econômica , aonde o Real obriga a separações das simbioses maternas , pois o pequeno "enfant" , precisa chegar e se afirmar , enquanto um alguém que ocupa um lugar , a princípio concedido pela ordem familiar , depois a ser conquistado na ordem social.
Essa construção imperiosa e inarredável é de um esplendor irretocável quando se pensa o que virá depois.Pode -se sofrer para alcançar esse patamar , pois exige-se o luto da completude triunfal do bebê , e se nos coloca de frente para luta.
A construção mental, é sem dúvida , trabalhosa , mas essa entrada no socius, é a base da vida de pertencimento, além das paredes familiares. Não fazer isso , trás implicações sérias no campo da psicopatologia, e para muitos é aí ,o próprio núcleo da psicose.
Mas convém observar que esse trabalho de construção é a condição para uma exogamia , o além que é induzido pelo tabú do incesto , ou seja , tem que se ir mais longe para encontrar, nada de desfalecimentos que geram acomodação ,e o despertar da alma do amor enquanto um caminho a percorrer , na esperança de um encontrar sem garantia . Arrisca-se ,e arriscar é o modo como Éros parece gostar de ser cultuado , pois é a liga entre dois seres que não se conhecem. Logo , nada mais perigoso , afinal, quem é este outro que me atrae e ao mesmo tempo assanha o que tenho de mais íntimo e sigiloso?
Os rituais de preservação e também de minimização das suspeitas, de certa forma perderam a força , pois numa sociedade que prima pela liberdade determinados rituais acabaram por parecer prisões temidas e passaram a ser evitados.
Noivados , por exemplo, que era o espaço gradual de aproximação onde o vínculo era referendado pela família , principalmente da noiva e uma certa ambientação dos modos, antes do casamento propriamente dito, hoje é tido na conta de quase uma invasão da privacidade e como ofensa do lema vigente de que " a vida é nossa e ninguém tem nada a ver com isso".
Os espaços se afastaram e geraram mais "independência"e insegurança , pois o que vale agora é no campo estritamente pessoal , ou seja , cada um que saiba de si. O curioso nisso é que os consultórios passaram a ocupar então , o lugar das confissões aonde cada um pode regredir e chorar sem ser visto ou julgado , por não estar tão certo, e não saber o que quer.
Emancipações sociais que não se fizeram acompanhar no plano psíquico , mais exigente e menos tapeado do que o social . Discute-se inclusive o que mudou mesmo e se tudo não é o mesmo às custas de novas expressões . Um dilema interessante , pois a criança em sua demanda de amor e segurança , pode inscrever seus modos em novas expressões , mas não pode subtrair as exigências feitas ao humano para se estruturar como humano , já que o humano pertence a ordem humana e não basta nascer para sê-lo.
Em outras palavras somos criaturas do amor , falamos porque vivemos a falta diz Lacan , uma falta estruturante , que nos leva a ter que pedir . Mas esse pedido , encontra-se mais circunscrito ao solilóquio , aquela fala consigo mesmo , do que um arremesso ao outro , já que é o que temos de mais sensível e vulnerável .Precisamos de amor para tudo , " uma vida sem amor é morta" diz Osho , a ofensa nos agride , o carinho nos comove, somos sensíveis ao modo como somos tratados , enfim , temos um pertencimento à ação do outro sobre nós .
E no entanto, parece que temos uma estranha necessidade de mentir , como se não quizessemos mostrar , o que nos faz humanos , afetações comuns que comove a todos.
A máscara , se por um lado é o próprio jogo , por outro , é des-dizer , o que não se diz ou que se diz sem dizer.Mas convém lembrar, que por mais que possamos re-interpretar o nível estrutural da linguagem , dependemos dos códigos de comunicação .
Ora , isso quer dizer que para o que não se diz ou se mal-diz , o outro , essa criatura tão comum quanto nós fica encarregado de traduzir textos que mais se escondem do que se revelam. Na prática dos jovens , se tenta resolver as aflições da aproximação inicial , pedindo à um amigo(a) para fazer a sondagem primeira , qual a chance , qual a garantia , para com isso se evitar recusas que podem envergonhar.
Descontos a parte , o medo de ser recusado fica como pano de fundo , pois se tudo é rápido e só serve ao imediato , porque se oferecer ouros e tesouros se nada vai ficar?
Ah ! Que pena . Pois o amor na alma é também uma grande capacidade , uma capacidade que nos dá o gosto do viver , a afirmação de que a experiência é a moeda irrecusável desse viver e aprender , a matéria que os psicanalistas conhecem como sendo o móbile da elaboração , o trabalho da singularidade , a individuação Junguiana , o longo caminho alquímico da salvação coletiva .
Subtrair o pagar pra ver tem um preço , pois aos poucos vamos nos acorvardando , em nome de uma dor imaginária que se torna onipresente e que nos subtrai justamente as aquisições que só as conquistas podem fazer.
Por outro lado o brilho de Afrodite ,a grande deusa do Amor , ao se retrair leva junto o vigor da expressão, o que justamente é a força do encantamento , pois a expressão é única , o portal da singularidade misteriosa , o que nos leva a admirar profundamente , quando nos damos conta que cada um é impar , uma estrela única , um brilho no todo mas um momento íntimo da Criação.
Daí que a intimidade seja também nossa força cósmica , nosso êxtase , nosso gozo sideral , que os modelos insistem em desacreditar , tentando nos fazer crer que para Afrodite as figurações banais se ajustam à sua natureza , sem nada tão grave.
Encerrados num tipo de hipnose geral , em que o mundo é visto como conjunção de movimentos variados , sem nenhum compromisso a mais, a não ser animar a vida , principalmente , a vida de consumo, não nos damos conta que a melancolia do futuro avança , pois retiramos do cenário mental a idéia de que a vida seja pra nós uma prospecção.
Apenas regredimos , uma entrega ao passado que já não pode ser , mas que parece abrigar os acertos que ainda queremos , ou as devoluções que ainda achamos que a vida nos deve,e que com isso permitimos que as exigências que daí resultam , se tornem verdadeiros arsenais no registro dos afetos , que sedentos de futuro só fazem apresentar contas impagáveis do que o passado já não pode realizar.
O amor em nenhuma hipótese pode prescindir do desafio , é Éros que nos desafia e nos movimenta , uma pulsão irredutível que nos faz desejar sempre , e querer mais , pois temos ânsia de ir além , de horizontes , de explorações que se inscrevem na memória da vida como momentos diferenciais aonde costumamos nos agradecer pela ousadia, como se sentíssemos que ficar no mesmo, nada oferece para contar.
A Presença , essa composição de brilho e intensidade, se para muitos é gozo do Ser , é também o do Estar , é bom estar e estar com tudo , uma entrega desejante, cujo maior gozo é a própria Presença , a intensidade do Vivo , o despertar das dormências hipnóticas e das concordâncias ralas e acomodadas . O Vivo é polêmico , é rebelde , é que não interessa ao hipnólogos, pois , diminue a possibilidade das sugestões e dá a cada um o trabalho de descobrir , mesmo que seja um pouco a cada dia.
A virtualidade é um campo de possibilidades onde as distâncias além de minimizarem, também aclimatam melhor as aproximações , embora haja aí, o perigo dos ensimesmamentos que buscam subverter às regras da alteridade , ou seja, simulações que buscam substituir o exercício ao vivo , o contracenar dos olhos nos olhos , única forma em que a alteridade , mesmo que depois de seduzida pode oferecer o coração na vibração do olhar e da carne. O outro corporificado , momento do reconhecimento e da identificação , o exame do que tem ou não haver , o cheiro que aquece os sentidos e o tesão , a liga que se excita no modo de falar, a voz como atrator , já que voz chata e ansiosa não convida à escuta acolhedora.
Vemos então que o amor é uma ciência e uma poesia , é uma cons-ciência , um estar-com, que rege o aprimoramento da raça , que depois de passar por tantos períodos no tempo antropológico , chega agora as disposições mais sutis , os orgãos mais sutis , o refinamento de uma anatomia por conhecer ,o tempo lógico da regência da alma , onde os inimigos que tanta importância tiveram no desenvolvimento de nossas habilidades físico e mentais, agora mudam de identidade e enderêço para serem reconhecidos , enquanto o que nos estreita e retratam o modo como funcionamos enquanto adeptos de coragem ou de medo no campo do amor.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Há ou não inveja do pênis?