4.12.11

A ALMA DO MUNDO






O mundo tem alma?

Tudo tem alma , pois a alma é o que faz viver , vivemos num "mundo almado" diz James Hillman, o grande junguiano , embora, se o termo alma pareça ter uma conotação sutil , não é fácil em tempos espertos como o nosso, situá-la.

No mundo cabe tudo e momentos históricos existem em que a visada de seu compromisso é turvo e aparentemente inexistente . É como se não houvesse o aonde chegar , pois não há indicação de sentido que não possa ser alterado , não há razão moral, espiritual , ou qualquer outra, que resista a uma boa sofística , uma boa retórica que não consiga desfazer alguma pretensão mais permanente.

O vigor imediatista cria seus lugares próprios de manifestação , seu lócus 'voyer ', suas figurações de mercado onde os objetos imediatos ou perenes , podem ser cotados como mercadorias de transações , ou seja , a vida é ali e pronto .

Estanca-se o fluxo por meros interesses e subtrai-se a idéia de que muito do que aparentemente some, pode permanecer em outros lugares que discordam do modo como se negocia.

Podemos negociar valores capitais para uma civilidade , como podemos regar violências que supostamente queremos combater , podemos fingir não ver para não perder, mas não temos como destituir às assombrações que aparecem mesmo de olhos fechados.

Há uma estranha suposição de que o mundo é exterior , um lugar de ações e reações onde podemos nos isentar , ou se descomprometer , a figuração de que o eu é um lacre , um lugar próprio e impenetrável , que participa do mundo por adesão de interesse .

Esse modo de pensar totalmente extemporâneo a culturas mais espiritualizadas , é o que  nos possibilita , por conta do poder , a mentir e se inocentar com a mesma facilidade , ser bandido e mocinho , ser assassino e herói , num tipo de mistura que busca confundir o olhar, por falta de um critério que reconheça que o alto e o baixo , além de serem diferentes , pertencem à ordens diferentes.

Nossa timidez liberal , se por um lado propõe um tipo de soltura que rompe com o tradicional , por outro, deixa vago uma série de espaços que vão sendo costurados com oportunismos de ocasião .

Chega a ser impressionante a cara de pau de determinados políticos, por exemplo, que mesmo incriminados , se julgam além do bem e do mal, como se o patrimônio lapidado fosse uma questão particular .

Esses personagens anômalos são criações que resultam de nossa relação com o mundo , quando este se torna depositário de nossas indiferenças ou de nossas perversões particulares em âmbito restrito , uma retórica cúmplice , um espelho de consentimentos que cada vez mais, mostra o que tem de traiçoeiro .

É incrível , como nos julgamos no direito de ocupar a cadeira dos que foram lesados, sem nos incluirmos na dos que lesam , talvez porque sem estes critérios , julgamos os crimes pelos seus efeitos espetaculares ou pela gravidade de sua extensão , como se pequenos crimes pudessem passar impunes pela falta de tamanho.

A alma do mundo somos nós , pois na rede invisível das conexões, tudo está em tudo , nada está fora , a não ser pelo desejo de excluir , o que também nos faz pagar um preço alto , apesar da ignorância que rege o imediatismo de nossa contabilidade social.

Ao vibrar em nós, tem a pretensão de nos dizer o que ninguém quer escutar , ou seja , nosso pertencimento à uma alteridade, que quanto mais se adia mais sofrimento provoca , pois o se há o Um , ele não está na subjetividade repetitiva com ares monótonos de cada um , e sim no entre , nos entremeios , no ter que se dizer e pedir para ser escutado.

Este entrelaçamento é a teia cujos fios nos unem, e nos tornam sensíveis uns aos outros , que recorta o humano enquanto um campo diferenciado e com características próprias , uma dimensão a ser frequentada de forma consciente , pois aí , cada um, além de reconhecer seu pertencimento , se torna também um outro, enquanto um espectro amplo das opções humanas.

Cada um que se consagra é um outro a consagrar , uma via de sedução e de chamada , ou seja , uma chama que queima , que destrói , que mata o que não deixa viver , o verdadeiro reino dos vivos , tão almejado e temido ao mesmo tempo.

"Deixemos os mortos"dizia Jesus , esses já tem endereço , pois pensam que chegaram , vamos nós os vivos que ainda não sabemos pra onde ir , e que temos então que viver a cada dia , como se fosse o último , sem promessas e nem dívidas , no afã das suposições que antecipam o que não conseguem pegar .

O mundo ao renegar sua alma , perde sua interpretação maior, seu horizonte para ver mais longe , mas ao mesmo tempo não enxerga o perto , a proximidade para poder ver o que nos falta no outro , um interjogo de ofertas e recepções que ao serem lapidados tornam a linguagem um dialeto universal , uma língua cheia de vocabulários intraduzíveis sem apreço , uma língua que exige o coração como aquele que ouve e se surprende com o que fala .

Uma escuta toda , cheia de ruídos de insetos e amores prometidos , cheia de alegrias e dores  recheadas de penetrações , o mundo vive em mim, se refugia em mim , eu sou o mundo , no seu baixo , no seu ventre que me reproduz , no seu alto que me reluz .

Sujo o mundo da mesma forma como corro para limpá-lo , é minha casa e meu exílio , minha pátria cheia de nação e minha mente sem noção , o lugar onde me amparo no corrimão e choro de doer, o que trago no coração . Ah ! Viva o mundo , que mesmo não me chamando Raimundo é aonde estou e me apresento , ou para ser jumento , ou um assento onde me sento , para ver quais palavras precisam de acento , um doce cordel desrrimado pelo vento.

Minhas homenagens a Manoel de Barros , meu mestre da simplicidade nativa, para quem as palavras foram feitas para coisar.
























Há ou não inveja do pênis?