4.6.13

ESCOLHAS

“Difícil não é fazer escolhas , difícil é conviver com elas “
Escolher não é exatamente saber , pois não é possível sabermos antes de tudo que vem depois, a incógnita é o frisson maior , algo que nos coloca em risco e que , se por um lado parece prometer um ganho , por outro, é certo que também vamos perder .
Mas sabemos desde Freud que perder é recusa do inconsciente , e que uma perda tem o estranho poder de convocar outras , como se no lugar que se perde , todas as perdas se encontram , uma re-animação de velhas dores latentes.
Mas não escolher é morrer , é o sair do jogo por medo de perder , coisa cujo preço pode ser fatal , pois sem o ânimo , este sopro do viver , vira-se carne , uma anatomia ambulante onde a seiva da vida não pode circular pelo sangue . Uma anemia dos propósitos , uma anorexia do gosto de viver .
Mas há um momento onde a vida nos induz a apostar , um tipo vai ou racha , como se o passado se rompesse como a corda do barco no cais e o presente se afunda como areia movediça, nos convidando a pular antes que seja tarde demais .
É como chegar ao limiar orgânico de toda escolha que possibilitou sequências ou consequências , tudo que torna qualquer movimento um recheio de pavores e rasgos de uma verdade , onde nossa vida jamais será a mesma.
Um limiar onde a verdade nos impõe o não-retorno e o pavor nos manda lutar para não perder, uma batalha onde vida e morte retiram toda piedade e ficamos crús , apelando para o lamento de ter nascido .
É como se o fato de vivermos até aqui , justo nesse ponto ,esta situação mortífera resumisse nossa vida a uma decisão , onde nos sentimos joguetes de um destino impessoal , que não levasse em conta nenhum mérito , lugar onde a dó de si parece a única companhia.
Ir adiante mais do que perder , significa nunca mais poder ser o mesmo , uma ruptura onde o Eu e a escolha divergem como estranhos , abrindo um fosso que percorre desde o pequeno dedinho esquecido do pé até o fronte de nossa cabeça , eis aí nossa sentença .
A ausência só nos serve de refúgio por pouco tempo , já que o que lamentamos é não poder se ausentar de vez , ou pelo sumiço ou pela morte , o insuportável de pôr a presença no âmago do crime e aguentar todas acusações , sem que a consciência possa jurar inocência .
É confessar contra si e se oferecer para o banquete do mundo , onde a justiça e a crueldade se acompanham , se alternando e alimentando o que toda segunda intenção parece querer , algum tipo de vingança , onde a lesão de hoje foi a dor de ontem .
Uma provação para raros , o banquete totêmico feito pela própria tribo onde a legislação uma vez aplicada , só faz destituir , ou seja, a criatura perde sua identidade tribal , é um mal-vindo , um desvio irrecuperável que compromete toda moral da comunidade , que por sua vez precisa se preservar , nem que seja produzindo cadáveres inúteis , que só poderão vagar sem endereço.
É também para os raros um momento de entrega profunda , onde a carne é oferecida para degustação, enquanto a alma se desprende de vez de sua minoridade , elo importante para qualquer vínculo coletivo , pois já não interessa mais , e também já não há como ficar.
Entregas tão profundas que chegam a doer em quem se encarrega de julgar , entregas tão silenciosas que as vozes se calam a intuir que algo muito maior está ali , muito além do que as sentenças possam dizer . É a sinceridade radical , que contém todo poder das palavras e todo poder do silêncio , é a entrega ao que não se pode viver coletivamente.
Um Mestre como Jesus, apresenta então seu silêncio onde as bocas queriam conversa , mas como conversar?
Não há o que dizer onde o tempo força sincronizar o que pertence a níveis diferentes , ou seja, tem palavras que por pertencerem ao futuro iriam se tornar inócuas, a surdez onde a ignorância e arrogância , só escutam o que lhe convém.
Vivemos em tempos diferentes , logo escolhas também servem como reparações , sulcos do passado e onde o presente encarna o que foi renegado nesse passado , o futuro põe a mesa para dores e alegrias porvir.
Eis a Lei silenciosa e precisa, que o mundo tenta a todo custo burlar , um arsenal de farsas e imposturas que nos condena à uma margem do rio , uma mutilação que aos poucos faz com que viver seja uma castigo comum.
Nossos sonhos procuram desesperadamente à outra margem , talvez para em algum momento, começarmos a enxergar a terceira , como diria Graciliano Ramos , como se estivéssemos procurando não só nosso paradeiro , bem como nossa integridade .
Escolher é uma matemática que não se efetiva nos limites do corpo , mesmo que superficialidades estejam em foco , pois o supérfluo enquanto apetite é insaciável , deslocamentos de borda , que evitam o coração , já que este, não escolhe tanto .
Quando uma significação se impõe e algo ou alguém se torna muito importante , é possível pensar o quanto ao escolhermos estamos sendo escolhidos , um truque espetacular onde descobrimos depois , que tudo que veio em nossa direção parecia saber o que não sabíamos sobre nós mesmos.
Daí a inevitabilidade , já que só podemos recusar o que não é tão importante , já que em relação ao que importa , só temos uma escolha, a saber : escolher.
E escolher é suportar à traição , já que colocamos em questão toda nossa crença de segurança, arriscamos nossos paraísos , e somos movidos pelo ímpeto de ser feliz , mesmo que por vezes em nossa avaliação, a desgraça pareça muito mais próxima.
Nossos arrependimentos simbolizam às apostas que acreditamos um dia , convictos de que estávamos fazendo o melhor , mesmo que pelo pior , já que mesmo que houvesse mapas , o gosto da vida não prescinde de vivermos , de sentir a experiência , essa magia que nos possue e que nos torna intensos , uma excitação forte contra o próprio embotamento .
Parece que preferimos o inferno se esse nos der mais vida à bonança do Céu, se a vida for sacrificada pelo enquadre , equívoco de muitos bonzinhos , cuja moderação repressiva esconde o medo da vida , principalmente do erro .
Se há um eterno retorno , provavelmente faremos às mesmas escolhas e caíremos nos mesmos buracos dos quais teremos dificuldades para sair , é como se testássemos nossa força pessoal em sua independência , mas ao mesmo tempo, é o aprofundamento que necessitamos para se libertar , principalmente quando descobrimos que escolher é um gesto solitário e que ninguém pode nos poupar dele.

Há ou não inveja do pênis?