Tomo esse tema interessante como reflexão , pois é um desses temas que
vige no dia- a- dia com grande importância , mas de pouca visibilidade
estudiosa como tantos outros , que afetam diretamente o cotidiano , mas passam
como óbvios , sem serem.
Devolução- ato ou efeito de devolver , nos diz o pai dos burros ( todos
nós).
Embora não tendo um dicionário filológico que me permitisse ver o
radical da palavra , intuo que devolver , me sugere tanto envolver , quanto
evolução , pois implica " algo que se devolve ao primeiro possuidor".
A vida gramatical é sempre um convite para o a mais , pois as regras e o
significado das palavras , acabam por estruturar o cotidiano como um campo de
significações onde a fluência percorre os caminhos estabelecidos pelos signos ,
o que se oficializou.
Muitas palavras que usamos de forma corriqueira , em geral, de forma
literal , por vezes apontam para opções que sequer nos damos conta.
Podemos por exemplo, questionar se essa devolução , esse ato de devolver
, é um gesto mecânico ou implica algo mais?
Tomando outro ponto de partida , sugiro pensar que essa devolução não é
um ato mecânico, nem literal, e que a beleza da vida e do convívio generoso ,
passa por aí , lugar privilegiado para se observar a qualidade do amor
praticado em uma sociedade.
A cada dia a vida se oferece com tudo , cheia de luminosidades e
imprevistos que nos provocam e se por muitas vezes nos fazem sofrer , nem por
isso deixamos de constatar , que se não fosse assim , como iríamos exercitar
nossas capacitações?
Como esculpir-se como obra de arte , se não há estímulos ? perguntaria
Nietzche .
Logo, viver é devolver , ou devolver-se, a maneira única como a vida ao
passar pelo nosso processador íntimo , qualifica ou deprecia o que recebe ,
exprime ou contém o afeto , visto aqui como "afetare" , ou seja , o
modo como somos afetados pela vida.
Observemos aqui a chamada Lei da compensação de Bert Hellinger , que diz
: Oque recebemos temos que devolver de forma qualificada , recebe-se,
qualifica-se e devolve-se, eis o grande exercício do amor . Não fazer isso
afeta a compensação , lugar aonde alguém se sentirá lesado ".
O que isso me sugere então é que devolver é uma forma de implicação,
isto é, o modo como me implico no que recebo , sendo que essa implicação pode
ir desde do extremo onde me finjo de morto até a confissão verdadeira da
gratidão reconhecida pela alma, as nuances do meu próprio envolvimento.
Em cada situação essas nuances se fazem observar , desde aquelas onde me
escondo mesmo, até ficar invisível torcendo pra que ninguém me descubra, até
aquelas onde me apresento para testemunhar , o testemunho dos corajosos que
pagam o preço da verdade como causa , algo completamente fora de modo em nosso
tempo de covardias.
Esse é um exercício de expressão de si como sujeito testemunhal que nos
obriga à con-sideração , o modo como se considera , da verdade no campo dos
afetos , tendo em conta que as relações amorosas e sociais , encontram aí seus
destinos , suas opções e efeitos , e cuja vivacidade que mantém o
"espírito do Vivo" , pode ter aí seu lugar de sequestro.
Seja o homem que se cala perante sua mulher , por não conseguir dizer o
quanto a ama por tudo que dela tem recebido como companheira lado-a-lado ,
patrimônio que aos poucos vamos aprendendo seu valor pelas dores que sua falta
provoca , seja o pai que reprime a fala de elogios a seus filhos num tipo de
exigência insaciável , seja a mulher que por não se sentir amada dentro de seu
impossível , se fecha em humores azedos e cara de perversa.
Enfim , tudo que não falamos no tempo oportuno e que só acrescentaria às
devoluções qualificadas , e que nos permitiria espantar e ser menos
mal-tratados por uma série de fantasmas do desamor , e que ficam guardados na
caixa-preta, na esperança de um dia ser descobertas pelos arqueólogos de um
futuro , onde nosso cadáver já nada poderá dizer a seu favor.
Nossa ética nesse caso é a ética da "Presença ", a expressão
que submete os orgulhos do "eu" ao possível da "Verdade",
que mesmo que não possa ser toda como
diz Lacan, também não nos autoriza às omissões , onde argumentamos que não
faria diferença testemunhar e dizer , pois ou não temos tanta importância
assim, ou que o outro também não nos faz tanta questão.
Cantilena de uma criatura "fraca e ressentida" como diz
Nietzshe , lá vamos nós esperando da vida favores que sejam cúmplices de nossas
omissões arcaicas , velhas exigências subterrâneas que tem o orgulho como
guardião .
No sentido de Hellinger somos sempre geradores do próximo passo , pois
este depende de nossa devolução, ou melhor da qualidade devolvida, pois se o
prendemos , fazemos uma contenção , ou uma restrição onde a boca ao invés de
dizer sussurra ou cala , o outro não pode ter seu prestígio de volta e nem nos
dará o nosso.
Dessa forma , as mágoas, ódios , rancores , sabotagens e manipulações
irão fazer o papel inverso, ou seja , destituirão a qualidade e instalará as
depreciações , recurso sinistro aonde nenhum de nós terá o que sente merecer ,
uma circularidade depreciativa onde o valor nosso de cada dia poderá descambar
para a arrogância ou para depressão.
Uma sociedade cheia de histeria coletiva , limiar baixo do faz -de-conta
, onde se propõem simulações na conta de que a vida se deixa enganar , pois não
temos com ela compromissos maiores como protagonistas , tem simplesmente nos
levado a um vazio de propósitos que chega causar arrepios , quando sabemos que
gerações esperam sua vez de entrar no barco.
Devoluções começam em casa , lugar do aprendizado dos modos e das
expressões , do respeito amigável , da indulgência que estimula mais do que
condena , da alegria como chama que dá brilho a vida , do elogio que enobrece e
reconhece o valor , do perdão que aponta o erro mas incentiva o esforço por
novos acertos e correções , enfim, em todos os lugares aonde estivermos esta é
nossa "deontologia" , o como deve ser do ser para sua realização.
Não devolver e guardar , ou não qualificar por vinganças e boicotes é um
equívoco que nos custa caro , pois torna a vida amorosa um campo minado cheio
de desconfianças mútuas aonde cada um de nós vai se tornando caçadores do
defeito alheio , retórica mínima para se justificar a falta de entrega .
Mas o que é viver sem entrega?
Nada é nosso , temos que entregar de volta se entregando , um
"eis-me aqui ", cheio de gratidão e reconhecimento por tudo que
recebemos , para que nosso vazio seja apenas uma amplificação da nossa
capacidade de receber melhor , uma apuração de nossa admiração ao que é belo ,
nobre e elegante no gesto amoroso.
Devolver é um exercício de lapidação , um polir as lentes como fazia
Spinoza , pois a qualidade nos ajuda a ver melhor e ao devolver, sentimos que
fazemos justiça no amor , dando ao outro o que lhe pertence e reconhecendo o
que é nosso , o que nos ajuda a não reter o que não convém.
Elogiar é um ato de coragem e honestidade que mesmo não sendo fácil , em
função de nossos vícios críticos , temos que praticar, pois só o maior pode
curar o menor, tipo assim , na medida em que nos tomamos como opção a mais pra
que ficar com menos?
Ao devolver com amor, me amo também e me faço amar de mais perto , pois
forneço a senha da aproximação e libero o caminho para o contato mais íntimo ,
lugar onde a descontração é capaz de falar a verdade sem precisar ofender.
VALEU AMIGOS , LEMBRANDO QUE COMENTÁRIOS AJUDAM MUITO
AGRADEÇO , AGRADEÇO E AGRADEÇO.