19.9.11

DEVOLUÇÕES




Tomo esse tema interessante como reflexão , pois é um desses temas que vige no dia- a- dia com grande importância , mas de pouca visibilidade estudiosa como tantos outros , que afetam diretamente o cotidiano , mas passam como óbvios , sem serem.

Devolução- ato ou efeito de devolver , nos diz o pai dos burros ( todos nós).

Embora não tendo um dicionário filológico que me permitisse ver o radical da palavra , intuo que devolver , me sugere tanto envolver , quanto evolução , pois implica " algo que se devolve ao primeiro possuidor".

A vida gramatical é sempre um convite para o a mais , pois as regras e o significado das palavras , acabam por estruturar o cotidiano como um campo de significações onde a fluência percorre os caminhos estabelecidos pelos signos , o que se oficializou.

Muitas palavras que usamos de forma corriqueira , em geral, de forma literal , por vezes apontam para opções que sequer nos damos conta.

Podemos por exemplo, questionar se essa devolução , esse ato de devolver , é um gesto mecânico ou implica algo mais?

Tomando outro ponto de partida , sugiro pensar que essa devolução não é um ato mecânico, nem literal, e que a beleza da vida e do convívio generoso , passa por aí , lugar privilegiado para se observar a qualidade do amor praticado em uma sociedade.

A cada dia a vida se oferece com tudo , cheia de luminosidades e imprevistos que nos provocam e se por muitas vezes nos fazem sofrer , nem por isso deixamos de constatar , que se não fosse assim , como iríamos exercitar nossas capacitações?

Como esculpir-se como obra de arte , se não há estímulos ? perguntaria Nietzche .

Logo, viver é devolver , ou devolver-se, a maneira única como a vida ao passar pelo nosso processador íntimo , qualifica ou deprecia o que recebe , exprime ou contém o afeto , visto aqui como "afetare" , ou seja , o modo como somos afetados pela vida.

Observemos aqui a chamada Lei da compensação de Bert Hellinger , que diz : Oque recebemos temos que devolver de forma qualificada , recebe-se, qualifica-se e devolve-se, eis o grande exercício do amor . Não fazer isso afeta a compensação , lugar aonde alguém se sentirá lesado ".

O que isso me sugere então é que devolver é uma forma de implicação, isto é, o modo como me implico no que recebo , sendo que essa implicação pode ir desde do extremo onde me finjo de morto até a confissão verdadeira da gratidão reconhecida pela alma, as nuances do meu próprio envolvimento.

Em cada situação essas nuances se fazem observar , desde aquelas onde me escondo mesmo, até ficar invisível torcendo pra que ninguém me descubra, até aquelas onde me apresento para testemunhar , o testemunho dos corajosos que pagam o preço da verdade como causa , algo completamente fora de modo em nosso tempo de covardias.

Esse é um exercício de expressão de si como sujeito testemunhal que nos obriga à con-sideração , o modo como se considera , da verdade no campo dos afetos , tendo em conta que as relações amorosas e sociais , encontram aí seus destinos , suas opções e efeitos , e cuja vivacidade que mantém o "espírito do Vivo" , pode ter aí seu lugar de sequestro.

Seja o homem que se cala perante sua mulher , por não conseguir dizer o quanto a ama por tudo que dela tem recebido como companheira lado-a-lado , patrimônio que aos poucos vamos aprendendo seu valor pelas dores que sua falta provoca , seja o pai que reprime a fala de elogios a seus filhos num tipo de exigência insaciável , seja a mulher que por não se sentir amada dentro de seu impossível , se fecha em humores azedos e cara de perversa.

Enfim , tudo que não falamos no tempo oportuno e que só acrescentaria às devoluções qualificadas , e que nos permitiria espantar e ser menos mal-tratados por uma série de fantasmas do desamor , e que ficam guardados na caixa-preta, na esperança de um dia ser descobertas pelos arqueólogos de um futuro , onde nosso cadáver já nada poderá dizer a seu favor.

Nossa ética nesse caso é a ética da "Presença ", a expressão que submete os orgulhos do "eu" ao possível da "Verdade", que mesmo que não possa ser  toda como diz Lacan, também não nos autoriza às omissões , onde argumentamos que não faria diferença testemunhar e dizer , pois ou não temos tanta importância assim, ou que o outro também não nos faz tanta questão.

Cantilena de uma criatura "fraca e ressentida" como diz Nietzshe , lá vamos nós esperando da vida favores que sejam cúmplices de nossas omissões arcaicas , velhas exigências subterrâneas que tem o orgulho como guardião .

No sentido de Hellinger somos sempre geradores do próximo passo , pois este depende de nossa devolução, ou melhor da qualidade devolvida, pois se o prendemos , fazemos uma contenção , ou uma restrição onde a boca ao invés de dizer sussurra ou cala , o outro não pode ter seu prestígio de volta e nem nos dará o nosso.

Dessa forma , as mágoas, ódios , rancores , sabotagens e manipulações irão fazer o papel inverso, ou seja , destituirão a qualidade e instalará as depreciações , recurso sinistro aonde nenhum de nós terá o que sente merecer , uma circularidade depreciativa onde o valor nosso de cada dia poderá descambar para a arrogância ou para depressão.

Uma sociedade cheia de histeria coletiva , limiar baixo do faz -de-conta , onde se propõem simulações na conta de que a vida se deixa enganar , pois não temos com ela compromissos maiores como protagonistas , tem simplesmente nos levado a um vazio de propósitos que chega causar arrepios , quando sabemos que gerações esperam sua vez de entrar no barco.

Devoluções começam em casa , lugar do aprendizado dos modos e das expressões , do respeito amigável , da indulgência que estimula mais do que condena , da alegria como chama que dá brilho a vida , do elogio que enobrece e reconhece o valor , do perdão que aponta o erro mas incentiva o esforço por novos acertos e correções , enfim, em todos os lugares aonde estivermos esta é nossa "deontologia" , o como deve ser do ser para sua realização.

Não devolver e guardar , ou não qualificar por vinganças e boicotes é um equívoco que nos custa caro , pois torna a vida amorosa um campo minado cheio de desconfianças mútuas aonde cada um de nós vai se tornando caçadores do defeito alheio , retórica mínima para se justificar a falta de entrega .

Mas o que é viver sem entrega?

Nada é nosso , temos que entregar de volta se entregando , um "eis-me aqui ", cheio de gratidão e reconhecimento por tudo que recebemos , para que nosso vazio seja apenas uma amplificação da nossa capacidade de receber melhor , uma apuração de nossa admiração ao que é belo , nobre e elegante no gesto amoroso.

Devolver é um exercício de lapidação , um polir as lentes como fazia Spinoza , pois a qualidade nos ajuda a ver melhor e ao devolver, sentimos que fazemos justiça no amor , dando ao outro o que lhe pertence e reconhecendo o que é nosso , o que nos ajuda a não reter o que não convém.

Elogiar é um ato de coragem e honestidade que mesmo não sendo fácil , em função de nossos vícios críticos , temos que praticar, pois só o maior pode curar o menor, tipo assim , na medida em que nos tomamos como opção a mais pra que ficar com menos?

Ao devolver com amor, me amo também e me faço amar de mais perto , pois forneço a senha da aproximação e libero o caminho para o contato mais íntimo , lugar onde a descontração é capaz de falar a verdade sem precisar ofender.

VALEU AMIGOS , LEMBRANDO QUE COMENTÁRIOS AJUDAM MUITO

AGRADEÇO , AGRADEÇO E AGRADEÇO.










Há ou não inveja do pênis?