21.12.12

O tempo como pano de fundo


 

“ Se lembra quando a gente
Chegou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que pra sempre
Sempre acaba “

 

Em tudo ele lá está : O tempo

Uma figura incrível , que perpassa os saberes e os dizeres , que obriga a ciência ao que não sabe , que oferece ausência aos poetas , que mostra o início e o fim , que nos dá a musicalidade dos acontecimentos e as recordações do bom e do mau em tudo que vivemos .

Deus temido na mitologia , Cronos tem a chave do profundo , que associado `a escuridão sempre fez tremer os homens , uma suspeita irrecusável de que esse profundo é o portal do Mistério que nos sonda.

A flexibilidade das mãos orquestra o tempo , pois tanto fecha para conter , como se abre para largar , linguagem única do tempo que nos dá o apego e nos obriga a deixar , exercício perene que ao ser renegado , só nos faz sofrer .

Saudades e memórias se unem e sucumbem , nos trás as lágrimas dos lençóis subterrâneos , a impotência do desejo de fazer permanecer quando Cronos decide o término , pois, afinal , tudo envelhece , ou seja , a tudo foi concedido o tempo para ser  e para des-ser , um neologismo que na carne pode nos tornar melancólicos .

Temos saudades incríveis do que não sabemos , uma antítese vinculativa aos objetos palpáveis, como se pertencêssemos  a um mundo não tão concreto , um mundo onde a linguagem corrente é banal demais , um mundo de um sentir , de um pertencer desmaterializado , tão sutil que nos refugia na solidão do indiscernível.

O tempo mata e nos faz viver , pois relativiza o concreto e dá ao eterno um semblante vazio e ao mesmo tempo  pleno , uma plenitude que nos permite colocar nossos sonhos e desejos de reencontros com tudo que amamos , nos faz acreditar que um dia tudo que perdemos poderá nos reencontrar .

É como se fosse um grande exercício cósmico , onde nossas experiências se tornam registros de um belo patrimônio espiritual , onde não se faz necessário levar a carcaça , mas apenas as notas que ao executarem suas melodias nos remete, e lá estamos novamente.

Quando conhecemos uma pessoa, por exemplo , esse estranho processo assim se faz, pois a levamos conosco num pra dentro só nosso , onde podemos vestí-la ou despí-la  variando as cores e escolhendo a música que nos convém .

Essa magia que desfaz o automatismo é a beleza e a dor da vida , o modo como subvertemos o tempo e reconhecemos seu poder , o modo como nos apropriamos de tudo pelo sabor do desejo, e da mesma forma, como temos que soltar o que só possuímos transitoriamente.

Eis uma emblemática questão que tocou Freud em seu artigo sobre transitoriedade , o valor do efêmero , sem o qual nada teria graça imediata , já que sem transcendência não há esperança , pois vivemos da alegria dos sentidos , ou seja, “o que me move é que me comove” dizia M.D.Magno em seus seminários no Colégio Freudiano .

Essa invisibilidade do tempo é sábia , pois é como se fossemos “ aos poucos” , um giro meio sem roda , uma alteração sem tanto sobressalto , o que nos faz correr atrás das maquiagens  ,  esse ingênuo esconderijo que nos dá a sensação de adiamento , que minimiza o espanto , mas que não nos dá imunidade , ou seja , a sentença é para todos .

Nascer e morrer, juram os ocultistas, são facetas do mesmo processo , o ômega e o alfa , que só nos faz achar tudo mais difícil ainda , pois dizem que não há fim , pois sequer início houve.

Pra nós do vulgo , que não fazemos outra coisa senão sofrer do que termina e nem vemos o que é está começando , talvez estejamos mais próximos dos poetas , os que conseguem tirar da ausência um gosto especial , vamos poetando a lá Manoel de Barros , ou fazendo dessa saudade do nada o gosto do tudo.

A música, por exemplo , dizia Adriana Calcanhoto , compassa o sentido do tempo , referindo-se ao seu encarne cotidiano , essa consecução de tarefas sequenciais  que molda a vida e nos faz acreditar que assim é , ou assim é que é , onde entre solilóquios onipresentes , essa maneira pela qual sonorizamos nossos pensamentos sem que ninguém nos ouça, sofremos nossas afetações , nosso Pathos , como dizia Spinoza.

É justo nesse espaço onde o outro não penetra que sofremos do tempo de forma inconfessa , nossas mazelas que resguardamos do tribunal social , nossas angústias de estar indo sem saber pra onde , o gosto do que se foi e ao mesmo tempo permanece , uma busca dos modos compartilhados e a solidão do próprio destino , uma estar sozinho sem queixas ou acusações.

Essa servidão involuntária , não nos deixa alternativa , ou é ou é , um tipo de imperativo que não se faz menos categórico pelo fato de ser menos autoritário, é como se pudéssemos nadar como peixes com a sensação de liberdade , embora estando dentro de um lago , da qual não podemos sair .

Curioso, é que ao se dar conta disso, Camus afirma que a única questão válida na filosofia é o suicídio , ou seja,  a vida faz sentido?

Se o tempo é Senhor, e Cronos era muito parecido com a Morte , o que nos resta ?

Viver , logo se diz . Mas viver pra que ?  argumenta Camus , que de certa forma encontra em Cioran certa parceria , já pra esse filósofo búlgaro , a vida encontra sentido em suas próprias amarguras.

E nós ? não tão cultos , não tão profundos , talvez mais sorridentes e chorões , vivemos nossa vida como um culto cotidiano cheio de conteúdos que vamos triando para ampliar nosso gozo , razão da vida para alguns , esse hedonismo, que hoje de tão metonímico , ficou histérico fazendo recrudescer em nós um vazio, que pós-modernidade tratou de elevar aos novos modos de ser , a nossa liberdade escolher o que for , um direito ao mau –gosto , pura e simplesmente assim.

Mas a vida não para e nem o tempo , diz Cazuza . Tudo gira e vai girando e segundo um iniciado mor “ não tem dó dessa matéria , diz Mestre Irineu .

As saudades gritam seus clamores e apegos , as lágrimas os lamentos do que se foi , um grito espremido entre o passado e o viver do presente , essa imanência que uma vez nós , sempre nós , tal como o ditado espanhol “ Porque justo a mim me coube ser eu?

Às vezes, temos pena da gente mesmo , um direito justo se não for exagerado , “O que Deus quer de nós dizia Jung , em suas reflexões angustiantes perante o Mistério e a onipresença da dor psíquica ,a dor que não dispensa o sentido do viver ou do morrer.

Então o que nos resta , mais uma vez perguntando ?

Ir , redefinindo a descrição de nós como peregrinos , os que vivem dentro do tempo , buscando sua intimidade , para que ele o tempo, nos ensine o que de fora não temos como aprender , o que nossas fronteiras maculadas e doutrinárias cegam o alcance , e talvez assim tenhamos com o futuro uma relação de amor onde nossos objetos não sejam tão substantivos.

Esse parece ser o espírito da gratidão , que já habita o futuro , pois embora tudo passando materialmente, nem por isso deixa de reconhecer o valor do que recebeu , a intenção e a qualidade do que foi oferecido , a inscrição do gesto nas alturas , lá onde os homens colocaram o Céu .

O Céu enquanto metáfora das alturas do cotidiano , que tão cheio de vícios e conteúdos nos asfixia , nos torna duros e exigentes , nos faz engolir o choro abençoado de nossas lágrimas tão conexas e íntegras e também da alegria tão verdadeira de nossas celebrações .

A vida como celebração da alegria do existir e da reverência profunda à dor que nos ensina e nos irmana , apesar do nosso narcisismo falido insistir que só o Eu é a plataforma , o atraso em relação aos que já não precisam tanto defender , pois menos compulsivos na redução mental de fazer da vida uma onipotente contenção entre as quatro paredes de si mesmo.

VALEU

 

 

 

 

Há ou não inveja do pênis?