5.6.11

O REINO DAS ÁGUAS

Grande mistério da vida e elemento constitutivo de tudo na matéria, ou quase tudo, a água é impressionante , pois seu valor é tanto, que ao leve indício de que vai faltar, a vida muda.
No nível literal é um acasalamento entre 2 moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio , um H2O, cuja força é tão intimidadora por dentro como por fora.
Por dentro, sustenta a umidade necessária ao movimento e se compõe com o sangue como catalizador de trocas e penetração, representando uma parcela ampla de constituição do corpo em formas variadas .
Por fora, é o encanto da vida , desde a calma do lago até as ondas gigantes que arrasam o que encontram pelo caminho . Sustenta primariamente a higiene da vida e tem a representação do modo como o sujo se transforma em limpo , sendo um tipo de parceira muda mas efetiva em grande parte das ações cotidianas.
Símbolo primordial do que há de flexível , pois é aquela que sabe se moldar , diz Lao tsé , o sábio anônimo do Tao te King , a água não impõe a forma , é o servo que acata o que é oferecido , e sabe como preencher .
Tem a força alquímica da transformação do sujo no limpo e, por isso, é tida como a que tem o poder de purificar , a passagem de nível, onde a clareza se consagra como esforço e merecimento .
Compõe de forma substancial tanto o corpo humano , como o do planeta , e faz repousar as fábulas de seu descanso de forma suspeita , ou seja, sua calma contém também o seu perigo .
Há sempre um monstro , um ser abissal , um estranho qualquer a habitá-la , como se suspeitássemos , que em sua imensidão há mistérios e seres inomináveis , a desafiar o imaginário de nosso destino e também de nossa origem.
É tanto um elemento íntimo e indispensável do cotidiano , como um lugar de pavor quando suas medidas e movimentos crescem demais , fazendo com que qualquer construção humana sólida , pareça um brinquedo descartável .
Na forma de onda,serve para beleza das dobras , um compasso preciso , onde a cadência exuberante do movimento, fascina o olhar , tanto pela grandeza, como pela estética irretocável, do como num jogo de segundos, o despejar , faz com que o seu ápice se transforme em espumas , um branco associado ao que o sorriso tem de melhor e refrescante.
Um surfista tem na onda seu templo , sua religiosidade precisa , sua reverência profunda e atenta , a força toda de um alerta total , uma interação por dentro , uma diferença no limiar, pois, enquanto uma conjunção, é como um coito uterino , uma inter-penetração que reverencia os limites, e extrapola qualquer contorno .
Nos dá o sentido do boiar , a entrega ao Todo , um modo de relaxamento de ossos e músculos , de matéria e espiríto , um gozo pleno e momentâneo do Ser , puro e simplesmente . Um gozo ,da sensação plena de que tudo está aqui , nada lá e nada a ser procurado , um encontro que dispensa a falta , eterna lembrança do que não se tem.
Momento mágico, que nos dispensa da obrigação do eu , do tu , ou de todos , e nos lança no lugar vazio de uma mente sem pretensões e sem ter aonde chegar , pois não se trata de nenhum endereço prévio.
A água nos convida a não prender , sua natureza é de chegar , ocupar e de ir , num fluxo constante de permutas e configurações caleidoscópicas , que desafia nosso modo estabelecido de estancar, para ver melhor.
Nos convoca também a um outro exercício de sensitivizar , de permitir sincronicidades sem causalidades , onde o eu se recolhe e se admira , como testemunha especial de uma obra, cuja arte , somos nós mesmos.
Bachelard , faz seu estudo sobre o fogo da vela , momento íntimo de recolhimento , uma luz tendo a penumbra como fundo, já a água parece não pertencer ao particular exatamente , sua figuração nos leva ao que só se contém provisoriamente , ao que é livre de dogmas , modelos, nos convidando ao fluxo .
E pensar a vida em fluxo é extraordinário . Dispensa-se, como condição do conhecer, o prender para ver ,e aprende-se a ver estando junto , a penetração na alma do que existe , sem invadir , o âmago que o sutil só revela aos que respeitam esta condição.
A limpeza , esse capítulo especial , é uma ato místico de reverência , um reconhecimento do que é sujo e precisa mudar , por ferir a higiene comum. Quem suja , vai limpar, diz o provérbio .É também o modo referido de uma ascese , o que dá o brilho , o brilho da compleição , estampada no rosto e reflexo direto do coração .
Numa cultura onde a mentira é lugar comum , o sujo ao prevalecer , torna a limpeza um trabalho de sempre e uma paranóia mental e jurídica , pois se teme, o que o limpo pode mostrar . Viver limpo, não tem a conotação de se viver de acordo com a lei , mas de acordo com a Verdade , mesmo que não- Toda, como diz Lacan.
Por outro lado , a Água da Vida é maravilhosa e muitos Mestres ensinam isto , principalmente Jesus , o chamado Mestre dos Vivos , nos evangelhos gnósticos , abolidos pela Igreja de Roma, é a ressurreição , a segunda vez passada a limpo .
É a água que rega a vida espiritual , que faz brotar o bem no coração dos homens , o desejo de suas virtudes , o amolecer da animalidade , do grotesco , do que se mostra duro e precisa amolecer . A água , em sua paciência não teme a pedra dura, pois aprende a dar sua importância e agradece a possibilidade de exercitar seus poderes discretos ,sem alardes .
A soberania é dos que têm flexibilidade , são os que podem esperar , mesmo sem fazer concessões , como observava Freud.
Lubrificações favorecem às articulações , e saber articular é sabedoria , é o elo fora da cadeia , pois não repete, e arremete à novas sucessões de uma ordem que ainda não vige no senso comum.
Quando o homem chega e conceitua, percebe que a água já esteve lá , uma vanguarda serviçal de quem ajuda abrir caminhos e indica possibilidades.
Mas nem sempre é assim e não convém desafiá-la , pois pode enfurecer-se, e aí nada pior.
Humilde como serva, pode se tornar assassina impiedosa e cruel , é seu outro lado , nós é que decidimos com qual deles queremos conviver. Provocada , é imbatível .
Os mitos falam de destruições pela água desde a Lemúria , populações inteiras dizimadas , é seu furor incontido , que já vimos em ação nas Tsunamis . O quanto isso tem haver com as ações do homem é o que se estuda .Embora, as visões mais atuais tendem a nos pensar, enquanto campo de níveis escalonados de complexidades, mas de forma interpenetrável.
Isso quer dizer que nesta teia da vida tudo tem haver com tudo , uma forma bela de nos inserir no Todo e nos convidar à participar de tudo , um pleno exercício de abertura para novas inclusões , já que a àgua reconhece o terreno correndo e interagindo com ele.
Há um ponto curioso, pois mesmo com toda globalidade , com tudo sendo mostrado , a vida cotidiana ainda se prende aos mesmos referenciais , uma vida um tanto umbilical que nos torna dormente ou desesperados . É como nos faltasse o gosto pelas questões maiores , o gosto que faz a diferença de figuração da água operacional na torneira da pia , e o oceano vivo, casa de muitos seres e de deslizamento do olhar pela imensidão , o gozo do desafio do desconhecido , pontuado pela linha do horizonte.
A água está aqui , está ali, está lá e acolá , uma onipresença líquida de um líquido que representa a seiva da vida , a divindade dócil e mortal submetida aos sentidos do corpo,e ao mesmo tempo, a expansão desafiadora de qualquer conceito , de qualquer representação,pois em sua essência, afirma a liberdade , o que se move , o que adoece quando estagna , o Real que nos lembra o pertencimento à força superior da vida.
A água vem do Céu e corre na Terra , penetra e retorna como vida e sobe novamente , tendo em si, o espírito da conexão interdimensional , o passado que registra em suas memórias , o presente em tudo que brota e o futuro enquanto potência pura do "devir deleuziano", enquanto doação do Maior ao menor , para que viva o gozo do triunfo da vida em sua expansão.
Lugar de origem , encarna o dom do início , mas é o alfa e o ômega , o princípio e o fim , o Orubórus das serpentes que se entrelaçam , se olham e não se tocam , nem nas caudas e nem nas cabeças , o extâse do que há para se viver e descobrir.
Que a água possa ser a cada dia nossa prece de amor e flexiblidade , nossa reverência ao fluxo , nossa inserção consciente e móvel , nosso estreitamento consentido quando for o caso , e nossa expansão corajosa , enquanto filhos da liberdade e do eterno, com o coração bem limpinho e cheio de virgindades não -vinculadas.
Valeu amigos.
 
 
 
 
 
 
 
 

Há ou não inveja do pênis?