15.11.12

A cura e o incurável


 

Há em nós, nessa cultura fálica, um certo temor de admitir que algumas coisas não tem cura e pronto. É como se tivéssemos que curar tudo , um "furor curandis" que tem nos dificultado e muito. Talvez se, num ato sincero, reconhecessemos o que não tem cura , poderíamos ver melhor o que tem, e com isso redefiniríamos nossos limites.

 A idéia de cura é complexa , pois, por muitas vezes, o que temos por cura num nível pode não ser no outro, como no caso de uma enfermidade, que por muitas vezes precisa ser mais rápida em sua manifestação , com o risco de que uma outra poderia ser fatal .

É o modo como a vida defende seu patrimônio ,e é possível pensar, que não sucumbimos por ela estar ao nosso lado . Tantas loucuras , tantas ignorâncias ,que perguntamos porque não foi pior? Porque a vida nos defendeu , já que seu princípio é manter todos vivos e espertos .

Pra que ? O que se passa aí?
Freud categoricamente afirmava que o que queremos é morrer , o descanso nirvânico da tensão nenhuma ,mas a vida é que não deixa . Não deixa esta tensão zerar , de formas que economicamente estaríamos no máximo do gozo . Mas viver dá trabalho psíquico e físico também, pois temos que agir no mundo , aceitando suas regras e buscando o como fazer melhor com menos trabalho .

Submetidos à pressão da vida social , o esforço é enorme e muitos não conseguem e se alheiam  ou desistem e saem da estrada .Até pra ser masoquista diz Lacan, "dá muito trabalho". E de fato, perpassados por diversas forças que sobre nós atuam , desde a natureza até nossas pulsões , aprendemos que sem malabarismos , nada feito .

Viver e com-viver, é um ato contínuo de malabarismo , onde aguçamos a atenção e não podemos deixar cair tanto , pois sabemos o quanto é difícil levantar .

Lutamos então para flexibilizar , pois o vento bate e nos curva e com isso nos movimenta pra lá e pra cá , e com isso aprendemos a sacudir , " levanta , sacode a poeira e dá volta por cima " diz a letra que marcou época , indicando uma série de movimentos e de gingados que o malandro , essa figura incrível, precisa ter.

Mas também parece verdade, e Freud observou isto também, que muitas coisas , ou modos de configuração da matéria mental , parece obedecer a outro tipo de apêlo , pois insistem em ficar no mesmo lugar , apesar de toda evidência em contrário , mostrando que chegou a hora de mudar .

Tem-se inclusive a impressão que quando se busca mudar , há algum tipo de leitor que ao denunciar o desejo , conclama todas as forças da mesmice para protestar , gerando boicotes às vezes tão grosseiros, que chegam a parecer um tanto ridículos .

O desculpismo tem seu próprio vocabulário e sua retórica impenetrável , que nos dá a impressão clara, que se luta para ficar e não para sair.

O sintoma assim posto é paradoxal , pois quer e não quer ao mesmo tempo, ou seja, a economia vista pela relação custo-benefício , aponta o custo e o consumo energético, que se tem para manter o sintoma enquanto um modo agudo de condensação psíquica .

Por outro lado a liberação energética , implica em mudança de posicionamento para que novas circulações sejam possíveis , e aí começa um fenômeno que impressiona os analistas .

Quando a energia afroxa e consequentemente o campo distende , é o momento onde a diminuição da tensão psíquica abre opções ao campo mental, que antes sequer era possível cogitar e o que era da ordem de fantasias distantes se aproxima .

Isto resulta em que o desejo ganha força e novas impressões surgem, e por princípio revigoram o cenário mental , de formas que algo se expande fazendo com que o que está estabelecido entre em vibração e comece a balançar , a "vertigem da liberdade" que Kiekgard apontava.

Novas avaliações se fazem e re-ordenações passam a acontecer , até aonde a pessoa não se sinta ameaçada pelas rupturas que percebe se delinear na sequência , pois justo aí, é que começa o perigo.

O perigo, de mediante algo novo e diferente por falta de identificação psíquica , fazer recuar em nome da segurança do já conhecido , toda energia liberada e desta forma cair na tentação econômica do" deixa como está".

Ruim com ele , pior sem ele , me dizia uma mulher num casamento já inexistente e destroçado , mas regulador de fantasias de destruição para alguém, que desde cedo , não pôde se experimentar sózinha. O gozo narsícico da singularidade , o ímpar da diferença , o brilho do valor único , que nenhuma relação não oferece por si , mas pode se tornar um bom lugar para prática do dois , enquanto um terceiro que brota no amor de dois.

A questão é que quando o campo abre oferecendo possibilidades , temos grande chance de exaltar a pobreza do lugar comum , como contrapartida ao maior , um tipo de fobia à espaços maiores que supomos exigir o que não temos.

Assim temos as razões para desistir , as velhas desistências que nos empurraram para o sofrimento que queremos nos livrar. É como , depois de todo preparativo para o salto do trampolim , desistíssemos e optássemos por ficar como sempre , uma armadilha ardilosa com gosto de fracasso , verdadeiro laço que nos une à uma mesmice muda e vai selando o fracasso como destino .

É lamentável, que mesmo nossas psicologias não ajudem muito , e que a Psiquiatria acabe compactuando com sintomas , um modo onde as questões verdadeiras da criatura , fiquem presas nas penumbras de seu recuo.

Tem-se então a impressão que se vai ficando , abandonos silenciosos de sonhos mais ousados , entregas à fronteiras estreitas que sacrificam o dinamismo mental, insatisfações que cada vez mais tornam os nervos frenéticos , gerando impaciências , irritabilidades , intolerâncias e por fim um forte sentimento de impotência , que hoje , respondem pelas bi-polaridades psíquicas.

A cada recuo , é difícil se dar conta que o futuro esteja em jogo , pois o elo recusado tem em uma de suas interfaces , não só o passado , mas o devir , o que poderia ser , caso fosse .

Melancolias do futuro, que nos deixam com sentimentos de atrasos que não sabemos do que , é como se corressemos atrás cada vez mais , com a sensação que a maçã pendurada em nossa frente se afasta na medida que buscamos mordê-la . Com isso, nossa confusão só faz aumentar,pois nosso esforço começa parecer inútil , e nossa vida a ser tomada pela alma das obrigações e deveres  que aos poucos vão parecendo castigos , a tal ponto que , muitos autores, ainda vêm nisso a "queda do Éden" se repetindo em nossos infernos brandos e repetitivos.

O incurável é o que é assim e pronto , não vai mudar , não só por que não se quer , mas também como uma mostragem que nossa capacidade de reversão tem limite . Não podemos ser o que queremos , e nos resta reconhecer que temos que viver no que nos é possível, eis a nossa castração de todo dia.

Aceitar isto nos torna modestos , enquanto hérois de uma vida simples , mas pode ser também uma libertação das fantasias fálicas que sempre nos obrigam a debater com a vida o seu porque e sua ordenação , e admitir que falhamos . Falhamos em ser como o pai , como o avô , como machos comedores , como a mãe , avó , como super-mulher ou super-homem , e descobrimos que se não formos como somos e tomarmos nossa chance única, que só nossa singularidade nos oferece , nosso jeito , nosso estilo , seremos um tipo de doublê de nós mesmos , a estranha retórica que não nascemos para ser felizes.

Talvez o que queiramos curar, é justo, o que não tem cura , e o que passamos a vida recusando, seria então , o que poderia mudar o jogo a nosso favor.

Mas.............

 

 

 

 

 

 

 

Há ou não inveja do pênis?