Há em nós, nessa cultura fálica, um certo temor de admitir que algumas
coisas não tem cura e pronto. É como se tivéssemos que curar tudo , um
"furor curandis" que tem nos dificultado e muito. Talvez se, num ato
sincero, reconhecessemos o que não tem cura , poderíamos ver melhor o que tem,
e com isso redefiniríamos nossos limites.
A idéia de cura é complexa , pois,
por muitas vezes, o que temos por cura num nível pode não ser no outro, como no
caso de uma enfermidade, que por muitas vezes precisa ser mais rápida em sua
manifestação , com o risco de que uma outra poderia ser fatal .
É o modo como a vida defende seu patrimônio ,e é possível pensar, que
não sucumbimos por ela estar ao nosso lado . Tantas loucuras , tantas
ignorâncias ,que perguntamos porque não foi pior? Porque a vida nos defendeu ,
já que seu princípio é manter todos vivos e espertos .
Pra que ? O que se passa aí?
Freud categoricamente afirmava que o que queremos é morrer , o descanso
nirvânico da tensão nenhuma ,mas a vida é que não deixa . Não deixa esta tensão
zerar , de formas que economicamente estaríamos no máximo do gozo . Mas viver
dá trabalho psíquico e físico também, pois temos que agir no mundo , aceitando
suas regras e buscando o como fazer melhor com menos trabalho .
Submetidos à pressão da vida social , o esforço é enorme e muitos não
conseguem e se alheiam ou desistem e
saem da estrada .Até pra ser masoquista diz Lacan, "dá muito
trabalho". E de fato, perpassados por diversas forças que sobre nós atuam
, desde a natureza até nossas pulsões , aprendemos que sem malabarismos , nada
feito .
Viver e com-viver, é um ato contínuo de malabarismo , onde aguçamos a
atenção e não podemos deixar cair tanto , pois sabemos o quanto é difícil
levantar .
Lutamos então para flexibilizar , pois o vento bate e nos curva e com
isso nos movimenta pra lá e pra cá , e com isso aprendemos a sacudir , "
levanta , sacode a poeira e dá volta por cima " diz a letra que marcou
época , indicando uma série de movimentos e de gingados que o malandro , essa
figura incrível, precisa ter.
Mas também parece verdade, e Freud observou isto também, que muitas
coisas , ou modos de configuração da matéria mental , parece obedecer a outro
tipo de apêlo , pois insistem em ficar no mesmo lugar , apesar de toda
evidência em contrário , mostrando que chegou a hora de mudar .
Tem-se inclusive a impressão que quando se busca mudar , há algum tipo
de leitor que ao denunciar o desejo , conclama todas as forças da mesmice para
protestar , gerando boicotes às vezes tão grosseiros, que chegam a parecer um
tanto ridículos .
O desculpismo tem seu próprio vocabulário e sua retórica impenetrável ,
que nos dá a impressão clara, que se luta para ficar e não para sair.
O sintoma assim posto é paradoxal , pois quer e não quer ao mesmo tempo,
ou seja, a economia vista pela relação custo-benefício , aponta o custo e o
consumo energético, que se tem para manter o sintoma enquanto um modo agudo de
condensação psíquica .
Por outro lado a liberação energética , implica em mudança de
posicionamento para que novas circulações sejam possíveis , e aí começa um
fenômeno que impressiona os analistas .
Quando a energia afroxa e consequentemente o campo distende , é o
momento onde a diminuição da tensão psíquica abre opções ao campo mental, que
antes sequer era possível cogitar e o que era da ordem de fantasias distantes
se aproxima .
Isto resulta em que o desejo ganha força e novas impressões surgem, e
por princípio revigoram o cenário mental , de formas que algo se expande
fazendo com que o que está estabelecido entre em vibração e comece a balançar ,
a "vertigem da liberdade" que Kiekgard apontava.
Novas avaliações se fazem e re-ordenações passam a acontecer , até aonde
a pessoa não se sinta ameaçada pelas rupturas que percebe se delinear na
sequência , pois justo aí, é que começa o perigo.
O perigo, de mediante algo novo e diferente por falta de identificação
psíquica , fazer recuar em nome da segurança do já conhecido , toda energia
liberada e desta forma cair na tentação econômica do" deixa como
está".
Ruim com ele , pior sem ele , me dizia uma mulher num casamento já
inexistente e destroçado , mas regulador de fantasias de destruição para
alguém, que desde cedo , não pôde se experimentar sózinha. O gozo narsícico da
singularidade , o ímpar da diferença , o brilho do valor único , que nenhuma
relação não oferece por si , mas pode se tornar um bom lugar para prática do
dois , enquanto um terceiro que brota no amor de dois.
A questão é que quando o campo abre oferecendo possibilidades , temos
grande chance de exaltar a pobreza do lugar comum , como contrapartida ao maior
, um tipo de fobia à espaços maiores que supomos exigir o que não temos.
Assim temos as razões para desistir , as velhas desistências que nos
empurraram para o sofrimento que queremos nos livrar. É como , depois de todo
preparativo para o salto do trampolim , desistíssemos e optássemos por ficar
como sempre , uma armadilha ardilosa com gosto de fracasso , verdadeiro laço
que nos une à uma mesmice muda e vai selando o fracasso como destino .
É lamentável, que mesmo nossas psicologias não ajudem muito , e que a
Psiquiatria acabe compactuando com sintomas , um modo onde as questões
verdadeiras da criatura , fiquem presas nas penumbras de seu recuo.
Tem-se então a impressão que se vai ficando , abandonos silenciosos de
sonhos mais ousados , entregas à fronteiras estreitas que sacrificam o
dinamismo mental, insatisfações que cada vez mais tornam os nervos frenéticos ,
gerando impaciências , irritabilidades , intolerâncias e por fim um forte
sentimento de impotência , que hoje , respondem pelas bi-polaridades psíquicas.
A cada recuo , é difícil se dar conta que o futuro esteja em jogo , pois
o elo recusado tem em uma de suas interfaces , não só o passado , mas o devir ,
o que poderia ser , caso fosse .
Melancolias do futuro, que nos deixam com sentimentos de atrasos que não
sabemos do que , é como se corressemos atrás cada vez mais , com a sensação que
a maçã pendurada em nossa frente se afasta na medida que buscamos mordê-la .
Com isso, nossa confusão só faz aumentar,pois nosso esforço começa parecer
inútil , e nossa vida a ser tomada pela alma das obrigações e deveres que aos poucos vão parecendo castigos , a tal
ponto que , muitos autores, ainda vêm nisso a "queda do Éden" se
repetindo em nossos infernos brandos e repetitivos.
O incurável é o que é assim e pronto , não vai mudar , não só por que
não se quer , mas também como uma mostragem que nossa capacidade de reversão
tem limite . Não podemos ser o que queremos , e nos resta reconhecer que temos
que viver no que nos é possível, eis a nossa castração de todo dia.
Aceitar isto nos torna modestos , enquanto hérois de uma vida simples ,
mas pode ser também uma libertação das fantasias fálicas que sempre nos obrigam
a debater com a vida o seu porque e sua ordenação , e admitir que falhamos .
Falhamos em ser como o pai , como o avô , como machos comedores , como a mãe ,
avó , como super-mulher ou super-homem , e descobrimos que se não formos como
somos e tomarmos nossa chance única, que só nossa singularidade nos oferece ,
nosso jeito , nosso estilo , seremos um tipo de doublê de nós mesmos , a
estranha retórica que não nascemos para ser felizes.
Talvez o que queiramos curar, é justo, o que não tem cura , e o que
passamos a vida recusando, seria então , o que poderia mudar o jogo a nosso
favor.
Mas.............