VAREJOS DA ALEGRIA
Em tempos que a felicidade anda confusa de se ver, e mais ainda de se
definir , optei por olhar a vida , para ver o que me diz.
Pós -modernidade , abolição dos sistemas, de doutrinas etc e espírito de
liberdade , o tudo pode ser, mas nada é , enfim, um momento único , onde a
idéia de "fundamentos" ou mesmo "vontade de potência"
parece não passar de um bom yogoberry a escolher o sabor e decidir firmemente
sobre qual a calda mais adequada à ocasião.
É melhor não insistir , acho que vai trazer tanta amargura , que comecei
a pensar no varejo como alternativa, esse ato que se consome , esse minuto de
sabor com apetite , mas um agudo diferencial , esse truque supérfluo , mas de
grande valia para auto-estima.
Assim vejo, por exemplo, o valor de um bom churrasco com amigos , mesmo
que na esquina, um bom papo regado à chopp , uma boa peça de teatro, um bom
filme, uma boa soneca , em geral, depois do rango, um bom jogo de futebol para
quem gosta , uma festa animada , uma conversa cheia de graça , um bom degustar
de vinho ,quantos pontos que animam a vida e que festejam o brilho e o prazer
de se viver.
Uma resistência férrea ao desencanto , ao pessimismo das amarguras alá
Cioran , uma constante excessão às perpectivas sociológicas desanimadoras , um
borbulhar constante contra o marasmo sombrio da rotina escrava , um ato
guerrilheiro contra o imposição injusta das desigualdades sociais.
Se por um lado a felicidade parece englobar o muita coisa de uma vez ,
esses varejos não , porque não têm essa pretensão toda , não parecem querer
erradicar nada e nem subverter algo, apenas garantir o direito à uma boa
risada, à uma animação imprescindível para repaginação do cotidiano, um animo necessário à alma da vida .
Obviamente, que esse homem que se alegra assim ,não frequenta nenhum
compêndio filosófico, e esses momentos parecem tão inúteis para qualquer
pretensão , que passam por conta de coisa nenhuma , apenas um des-sufoco vulgar
, não-letrado e totalmente despretensioso .
Mas isso não me parece exatamente assim.
Digo porque embora , possamos não tirar daí nenhum substrato maior ,
esses momentos situados são tão prazerosos e agradáveis , que ficam como pano
de fundo, a espera de oportunidade . Lacan dizia que o neurótico vive em função
do fim de semana , algo que me parece já vem sendo subvertido há muito tempo.
A boa piada bem colocada , um humor que muda o rumo da prosa , uma
tirada sutil que desconcerta, o almoço bem digerido e saboreado calmamente , o
sorriso espontâneo ,o chopp ao cair da tarde , a celebração da vida sem
pretensões maiores , como aquele bom café bem pedido, ou depois do almoço como
arremate antes da volta ao trabalho, ou degustado com memórias deliciosas,
trazida pelo cheiro inconfundível de família, que o lanche da tarde
mediunicamente sempre faz lembrar.
Fico pensando que a memória reserva um lugar especial para essas
inscrições , pois são de fácil evocações , voltam trazendo sentimentos do que
valeu a pena , das delícias pré-conceituais , pois figuram mais como viagem dos
sentidos , o que se sente , unidades de prazeres íntimos e compartilhados , um
gozo por estar ali , uma sempre comunhão que naquele instante , nos satisfaz,
pois absolvemos a vida e ela não nos deve nada.
Talvez por isso gostamos tanto do recreio , que bela hora de liberdade ,
uma defesa legal contra seriedade chata de sala de aula, um encontro de
movimentos alegres e fugazes , uma gritaria como resposta ao silêncio imposto ,
um gosto especial de ter amigos .
Depois o recreio vira arranjo aonde for possível , no bar , na rua , no
banheiro , em casa , enfim , uma soltura sem habeas-corpus , uma meninice
imperdível que nos indica o quanto ser adultos doutrinados é uma violência tida
como necessária .
"O mundo está assim porque foi feito por homens sérios e todo homem
sério é um perigo" diz Osho , do alto de sua bela sabedoria espiritual ,
um mestre que propõe " viver é sorrir",e tem a dança como terapêutica
, um êxtase contra repressões desnecessárias que só servem para nos manter infelizes
, afirma.
"A felicidade derruba governos " afirmo eu , na linha rebelde
de Osho , para quem governos e governantes não se interessam pelo povo feliz ,
porque se tornariam desnecessários ou obsoletos . De certa forma há um ranço
predominante onde um pouco mais de alegria , já pode se tornar uma ameaça ,
pois a ordem vigente foi feita para regular valores e condutas que não
atrapalhem muito e evitem o novo , esse sim o desejo prometido, e renegado aos
confins de uma utopia impensável.
Estratégia perversa de quem não quer sair do lugar , unicamente porque
não convém , reprime-se o novo como perigo , nunca se sabe aonde vai dar ,
obriga-se o de sempre , que embora cansado e monótono não incomoda enquanto
subversão , apenas como insatisfação , que pode deslocar-se como sintoma.
Talvez a situação árabe na África do norte , estejam mostrando que se
suporta durante um tempo, que até pode ser longo , principalmente quando do
outro lado alguém tem um exército a disposição, mas a vida sem alegria e sem
mudança sugere a pergunta , pra que então?
Se tudo fica sério, engendra razões intocáveis e autoritárias , que
buscam se impor como ato de força e violência , uma insanidade muito diferente
da que se vê nos hospitais psiquiátricos, e porque têm poder, recusam o diagnóstico
e as medicações.
Nossa querida rua da alfândega ,
lembra um amigo, é o locus da revolução mundial , onde árabes e israelenses
comem quibes e esfihas juntos , dividem o mesmo espaço e não soltam bombas ,há
anos.
É incrível também, como a alegria descontrai a vida , evita o visgo
pegajoso das conversas cheias de venenos , cujos tentáculos buscam
cumplicidades nas mediocridades implícitas ou explícitas das mentes opacas ,
desfaz o tom severo das profecias sombrias , aproveita o cenário para uma
conexão inusitada , enfim , um perigo para os pessimistas doutrinários e para
estagnação sugestiva e hipnótica dos que querem pregar verdades.
Esse garimpo no cotidiano é tão ou mais interessante , quando vemos que
embora determinadas ligações se façam por interesses ou obrigações , as que são
mais procuradas são aquelas onde se pode rir . Passada a reunião de trabalho ou
outra qualquer , forma-se o cenário onde abre-se conversas que buscam o bom
humor , um prazer de conexões sinápticas que não viam a hora da reunião acabar
.
Quando algum tempo atrás votou-se no macaco Tião para governador ,
achou-se isso uma alienação política e rapidamente analistas chatos entraram em
ação , não viram aí , que o surreal é a resposta do humor ao que perdeu a graça
, o que só aborrece e não faz mais rir, a não ser de deboche.
De certa forma tudo tende a chatice, depois dos 5 minutos usuais, se não
houver riso .Sem riso o relógio é um compasso monótono , as cartilhas que
ensinam a vida se tornam obsoletas, a vida perde o tônus e sua coloração se
embota , os dentes ficam cariados por falta de serotonina, e o amor sem o riso
é um gesto brusco .
Sorrisão pra todos