Se parece
haver um compromisso inadiável da vida consigo mesma , é a renovação .
É
impressionante como tudo obedece a uma Lei inexorável de se renovar , de ser
outro, um movimento incessante de mudança que causa profunda admiração aos
olhos de ver .
No que tange
ao reino natural , a força mesma da natureza numa dinâmica invisível e precisa
, faz com que a cada tempo , a cada estação , quando um ciclo se completa ,
haja um desencadear extraordinário de renovação que começa pela expansão ou
pelo recolhimento e um laboratório se abre trazendo combinatórias vivas,
reproduzindo a vida sobre novos prismas.
Dependendo
de onde seja , do terreno geográfico , um show começa e novos seres nascem com
cores exuberantes , enquanto outros morrem, como se o princípio da vida fosse
também seu próprio fim , uma petição de mistério que nos ofusca à compreensão ,
mas deixando seu fascínio exposto como uma interrogação eterna .
Observar um
pássaro na muda onde a plumagem inicial se esvai , fazendo surgir um ogro
depenado e feio , para depois devolvê-la ainda mais bela e com cores incríveis,
é um espetáculo privilegiado e comovente , como se o preço do viver e mudar
mostrasse seu domínio em todos escaninhos da vida .
Esta petição
misteriosa que já foi cultuada com grande reverência e que hoje é mais referida
como objeto de estudo das ciências , nos seres conscientes em escala mais
complexa , parece se revestir de feições enigmáticas e seu reconhecimento depende do modo como
conceitualmente é identificada.
Falar em
renovação nos homens, por exemplo, é uma tarefa que levanta de pronto objeções
, já que depende de entendermos o que é neste nível da escala esta renovação ,
e se não estamos tão sujeitos aos modos biologicamente determinantes , como nos
renovamos ?
É preciso
que haja algo mais do que as determinações que a natureza nos impõe ?
E neste caso
, o que será ?
Na nossa
espécie assistimos à mudança inexorável da matéria , suas mutações desde que
nascemos e acompanhamos de forma testemunhal como nosso metabolismo e nosso
corpo mudam , mas não relacionamos isto com nossa renovação propriamente dita .
Antes pelo contrário , parecemos não relacionar mudanças esperadas e determinadas
com algum vigor ou fôlego renovador .
O que muda
sem nossa participação direta parece nos deixar como observadores passivos e
não há aí correlações entre mudanças e evolução , correlacionando então que a
renovação possa ser um meio da própria evolução .
Diríamos
então que a renovação é o modo como a evolução se atualiza , fazendo com que
soframos de tudo que ao não se renovar, nos obrigue ao custo de sustentação de
formações que não atualizam à vida, tornando-a mais lenta e pesada , já que
seus processos carecem do vigor que só a atualização proporciona.
Mas é
difícil sustentar tal idéia sem ter em conta algum tipo de compromisso
não-natural, que nos permita ou nos convença, de que mudar é uma condição de
evolução , já que partimos da premissa de que por sermos não –naturais , não
temos nenhuma programática que nos obrigue a tal esforço.
Estamos aqui
enquanto um fenômeno biológico reconhecido , argumentam , mas não encontramos
em nossos determinismos , nada que se refira à renovação não-biológica em
nossas inscrições biológicas , de formas que nada nos impele à tal compromisso
de forma definida , a não ser como opção particular .
A cultura
neste caso , é que oferece de acordo com as visões de mundo reinante , os
apelos para darmos à vida algum sentido renovador , que pode ser pela ciência
ou pela religião , mas nunca como um compromisso que nos garanta o aforisma “
viver é renovar “ .
Garante-se
assim o princípio de não-ingerência no campo das significações maiores , e ao
mesmo tempo , subentende-se que a grande liberdade é que cada um faça e viva
como lhe convém , uma garantia de direitos jurídicos, que apenas delimita
fronteiras de proteção , mas não oferece a questão da renovação como pauta para
o viver .
Cada um viva
como queira , já que não entendemos outro compromisso com a vida que não seja
da ordem de nosso livre-arbítrio , inclusive se matar se assim for o desejo. Somos livres e sem destino definido ,e cada um
veja como faz , mesmo que nossa condição comum , seja um mal-estar
compartilhado, como diria Freud .
A moral como
mecanismo de regulação da vida, ou como regras para o como deve ser, parece ter
perdido a força de coesão e tem promovido tanta imoralidade em seu rastro, que nunca
estivemos tão perdidos , já que nossa direção é ditada pela lógica da sobrevivência
ou do gozo, nada que nos dê garantia de avanços .
O que parece
é que no reino do humano a renovação como meio da evolução é algo que realmente
depende de um esforço particular , ou seja , é preciso querer , um ato de
concordância e de reconhecimento de que é preciso conquistá-la e isto só é
possível com o aval da consciência .
Jung dizia
que o mito moderno é o da “evolução da consciência”, lugar privilegiado onde a
vida reúne esforços para seu aprimoramento , ou seja , a vida também se aperfeiçoa
buscando nos aperfeiçoar , como se nossa potência humana almejasse novos modos
de realização , pretensão que nos informa o quanto ainda somos esboços de
propostas maiores .
Em sendo
assim , o laboratório então seria de combinatórias entre forças retrógradas ,
aquelas que obedecem ao determinismo do já estabelecido e das que buscam
avançar para novas explorações , sempre insatisfeitas com qualquer tampo em
suas pretensões .
A beleza de
tal proposta é que seríamos então objetos e sujeitos da evolução ,sendo que a
renovação expressaria o valor da consciência na aquisição de novos alcances e
enquanto elo de um devir de maior de sua inclusão no mistério da vida .
Penso que
Freud ao conceituar a pulsão de morte tratava deste tema , embora tenha se
desvinculado de qualquer ordem de sentido , desembocando então na questão do
mal-estar comum , um tipo de lugar sem ida , um limiar do que foi possível ,
mas sem nenhuma transcendência para nenhum novo , ou de qualquer aprimoramento
, já que o tema da evolução não é um tema caro a Psicanálise.
Não se
renovar é a morte declarada ou indeclarada , um acuamento que nos embota em
insignificâncias e que aos poucos vai nos insensibilizando para qualquer coisa
maior , um tipo de estreitamento consentido que mata mas não permite morrer .
A pessoa
sonha com sua morte como fim de um pesadelo , mas não tem força para morrer e
com isso vive cheia de caricaturas que simulam a vida sem trazer nenhum
entusiasmo sincero, uma ausência pela indiferença , um tipo “não conte comigo
pois já não estou aqui”.
A tristeza é
que a falta de renovação responde pelas caducações , o que ficou rígido demais
, uma insolvência do que já não serve e por isto não pode invocar à vida como
inclusão e participação , o defunto que pela lógica da morte ataca qualquer
proposta , pois a vida se tornou uma denúncia do que já não consegue viver.
Nos
guardemos de tal moléstia , pois não é uma manifestação súbita, mas uma
construção laboriosa de muito tempo , talvez onde as contrariedades e desafios
resultaram em revoltas inconfessáveis , que aos poucos foram minando o desejo
de estar a favor ,e os antagonismos foram justificados pelo orgulho do que não
se pode ou não se quis aprender .