5.12.12

Ai ! que tudo vai passando ...


 
A vida anímica é pra nós a vida por excelência , a vida em que nos encontramos , em que nos praticamos , onde aprendemos o mundo , e a nós mesmos.
Desde sempre, é essa vida pela qual lutamos , cenário único de nossos embates e onde vamos adiante na busca de ser feliz . Esse mundo é a nossa crença favorita , guarda –roupa de nossas vestimentas , desde as usuais , corriqueiras , até as mais luxuosas de raras ocasiões.
Obviamente, é onde o mundo se compõe com seus arranjos e desarranjos , com o grotesco e o sublime de suas concepções e onde todos nós nos encontramos , como num grande palheiro que nos faz buscar conexões invisíveis ou inexistentes , para dar algum sentido a essa imanência de estarmos juntos sem saber exatamente para que.
Quem nasce ratifica e testifica o que existe , e promete não só cumprir como animar as construções ancestrais , alcances e limites dessas concepções que nos norteiam , que nos oferecem à estrutura e os modos de segurança , bíblia importantíssima par nos poupar esforços desnecessários.
Somos atores com script definidos, e que temos por questões singulares indefinir, já que o mundo muda quando nascemos ,uma vez que somos representantes de um processo único e complexo , um enorme trabalho de energia e desejo, que nos torna dependentes da significação.
Habitamos a todo tempo à significação e a buscamos em tudo , nosso lema é ser reconhecido e se possível amados .Essa estranha filiação ao sentido , nos faz a princípio querer estar em tudo, como se nossa ausência assinalasse uma dispensa , ou seja, minha presença , diga-se material, é a senha da minha inclusão, preciso estar em tudo.
A idéia de ser esquecido é um tormento que nos força a um tipo de grupalidade um tanto tribal , onde a solidão é vista como um negativo , uma falta do outro , um sentimento terrível que nos apunhala frontalmente , uma pergunta sofrida e ácida de quem sou eu quando fico só?
Então , vamos nessa , tudo junto , o junto aqui como uma forma de ocupação , um sentido visível do outro , a diluição do medo de escuro quando a mãe está perto.
Isso anima a vida em todos seus rituais anímicos e seus jogos de animação , assinamos essa forma de prestígio a cada dia , e protagonizamos suas sequências , dia-após-dia.
A princípio, tudo nos faz acreditar que é assim mesmo ,e qualquer modo de insubordinação é mal-visto , pois existem sanções nos estilos também , já que o coletivo precede o individual , e a forma precede o estilo.
As ordenações, que merecem estudos a parte, regulam a vida e sua forma de preenchimento, nos inculcando noções  e nos direcionando para valores que , em resumo, nos dizem o que é certo ou errado.
Vamos ser homem ou mulher , e se for gay já complica, de acordo com os cânones estabelecidos , forçações ( não existe essa palavra, inventei) ideológicas que reasseguram à ordem , a moral e os bons costumes , chavões de uma sociedade parasitária que não quer mexer com seus enganos.
Mas, se do ponto de vista coletivo , vemos o mundo com sua maquinária apelativa e cheio de ameaças aos descontentes , por outro lado , do lado da terceira margem do rio , onde a subjetividade não tem a marca de um mero reflexo dessa mumificação social , nossos apelos singulares , nos cobra a razão pela qual nascemos e se não fizermos diferença , embotamos o valor do próprio nascimento.
O risco aqui é permanecer não-nascido no singular e com o protótipo de personagens de animação , cuja liberdade está no limite mesmo do seu desempenho , ou seja, o mundo me diz ao que vim , me prometendo suas glórias e infortúnios , me oferecendo a possibilidade de não ter que me dar ao trabalho de descobrir .
Nascer é forçar , é coragem , é encorajar-se para mais , é um descontentamento perene com todas as promessas do mais fácil , é uma ruptura profunda onde o que era primordial se faz supérfluo, e o que não tinha importância parece então fundamental.
A viagem não se faz sem revolta , sem insubmissão , pois é preciso questionar para saber , é preciso lançar-se , mas não para respostas definitivas e cheias de certezas , não , o mote aqui é outro , por querer nascer não sei quem sou ... e por favor não me digam , vivo de forma plena no que não me satisfaz.
Penso o quanto a arte quer vida , o quanto o singular no esteio do coletivo faz à diferença , e o quanto precisamos nos sentir únicos para poder amar , já que o amor não pode ser o sufocar das diferenças , mas o berço onde se nasce como celebração desse único.
Pois há um momento mítico em que essa operação profunda cobra sua realização , já que na medida em que tudo vai passando , mesmo ao que nos agarramos para prender , esses jogos anímicos de sustentação da vida vão imperceptivelmente se esvaziando.
É como se os nexos afrouxassem, e os fossos se abrissem um pouco a cada dia ,e como se de nós para nós, algum silêncio se fizesse , alguns hiatos nos intervalasse e o mundo , esse tão familiar e estranho mundo , ficasse um tanto fora de foco , fazendo com que certa estrangeirice nos apossasse , nos trazendo certa memória sem conteúdo.
Memória essa que nos remete ao que há de mais vago para uns , ou ao lugar de ausências , o âmago da poesia , dizem os poetas , já que por princípio o que fica é o que já passou , o inexistente com feições de saudades , dores silenciosas de se saber, que no jogo maior tudo se vai e nada fica .
Quebra-se as identificações , essas molduras que nos garantem feições socialmente ratificadas, e aos poucos começamos um longo caminho a sós , onde as sonoridades diminuem , os frenesis já não interessam , e as conversas sem humor parecem enfadonhas .
Todo pequeno aparece como tentação , como apego , uma sedução de não ir , como se fosse possível ficar , apenas um truque de se permanecer acompanhado quando o funil aparece , ou companhias presentes para uma alma ausente .
Tudo uma grande e bela recordação , um poema diria, um ir não se sabe pra onde , mas com o registro de que todos vamos ,talvez para descoberta do que nossa forma de viver encobriu , talvez para o mesmo âmago do mistério que um dia nos trouxe.

Há ou não inveja do pênis?