Há um quadro de Gustave Courbet chamado “ A descoberta do
mundo “ de 1865 ,em que há uma mulher de perna aberta com a genitália toda
exposta e que andou recentemente sendo notícias , pois descobriram quem era a
mulher que serviu de modelo .
Descoberta do mundo?
É , é assim o início , vêm-se ao mundo quando alguém abre as
pernas e curiosamente tudo começa quando alguém também faz o mesmo , num coito
carnal e simbólico de recepção.
O médico gritou : é um menino , é um menino , tapinha no
bumbum , choro e vida ... eis uma sequencia de pura emoção e festa para os que
encomendaram , enfim, chegou a tão esperada encomenda .
Comigo não foi assim , e tudo já começou complicado , pois
nasci com o tal cordão enroscado no pescoço , mais pra lá do que pra cá ,e com
prognóstico ruim , possivelmente não vai sobreviver , diziam estas línguas de
mau agouro que gozam no pessimismo assassino.
Mas resolvi viver , Vim , vi e nasci , parodiando Júlio
Cesar , descrevendo uma vitória e procurando intimidar o Senado Romano , só que
eu não tinha a quem intimidar , decidi viver e foda-se , parodiando agora uma
piada sobre Niemeyer , que havia decidido “ não morrer e foda-se , vou me
decompor um público” . Mas morreu , apesar da morte.
Mas nasci menino , uma direção cósmica única ,construção de
um gesto singular e sobre aquele ranço ancestral do guerreiro , aquele
arquétipo do que vai a luta , conquistar primeiro o alimento , à caça , depois
o mundo .
Espera-se de antemão que um homem seja homem , como se isso
fosse previamente possível, aliás , meus amigos gays reclamam de não fazerem
parte de nenhum imaginário doméstico-familiar , ou seja, nascer menino é ser
macho, seja lá o que isto queira dizer .
Ao avaliar alguns protocolos a respeito dessa doutrinação ,
não poderia dizer que tenha sido um bom exemplo para esse militarismo sexual ,
pois senão vejamos :
1-Homem não chora – Um horror lamentável , pois me dou conta
que o quanto ter chorado , teria me poupado de tantas manobras mentirosas ,
estava ferido , atingido e .... sem
lágrimas , uma contenção idiota , apenas para manutenção da imagem que não
suporta dúvidas.
2- É o homem que toma iniciativas – Essas tais iniciativas
sempre sublinhadas por esta pedagogia do macho , você compreende a cantilena
repetitiva , justo quando ? ... Quando você está com medo , um afeto , um modo
de afetação condenável , como ficar com medo , que absurdo !
Mas você procura a tal descontração e o que vem , em geral,
é uma inibição cujo tamanho varia pra cada um
, inibição inconfessável , pois símbolo do fracasso do macho e cheia de
repreensões culturais , obriga o pecador de pênis a emudecer.
A coisa fica difícil , justo quando na adolescência você tem
que atravessar a rua e ir na direção do sexo oposto , tanto anatomicamente
quanto ao lado , é do outro lado, e você é que tem que atravessar . O pavor de
ver tal esforço ser resumido a uma negativa , não consta dos livros didáticos .
Não , não quero você . Sentença fatal , cuja cura é inestimável no tempo .
Isso sem contar que o chamado sexo oposto , é o sexo
indesejado para muitos , crime grave para uma cultura onde os heróis nunca são
gays , e só agora, um confessou tal preferência (depois de 72 anos Lanterna Verde se confessa
gay , um tipo bicha tardia... Gosto mais do meu amigo Juão , lúcido ,assumido
,inteligente e generoso , leiam seu livro” As mutações do Arco Íris” ),e
provoca polêmica.
As operações emocionais que são colocadas em jogo por tal
determinismo , só não são piores porque a biologia ao amadurecer os hormônios
gera um tesão danado e estimula o psiquismo a fantasiar o estranho objeto do
prazer perigoso , mas tesudo.
Precisamos de heróis nesse momento , que pode ser qualquer
um mais ousado ( Brecht não levou em conta esse lugar sexual quando disse “
Infeliz do país que precisa de heróis”), um atrevido que nos convença que ir ao
outro lado não é tão perigoso assim.
Aliás, tentaram por todas maneiras me dizer que tudo era uma
questão de jeito , o que confesso até hoje tal proposição não me convenceu. Não
há nada íntimo entre um homem e uma mulher a princípio , antes pelo contrário,
duas criaturas diferentes procurando um meio comum de falar do desejo.
Se o imaginário do homem é de superioridade , antigo
registro da tal caça que o fazia sentir viril , o da mulher é outro , nada de
caça , nada de troféu , mas ser amada , o que quer uma mulher? perguntava Freud do alto de sua sabedoria
máscula .
A cultura é ainda dos machos, e graças ao avanço das
mulheres pudemos questionar este imaginário antigo e mascarador do que
realmente se passa, pois nossa insegurança aprendemos a escondê-la como
fraqueza menor .
3- O macho é o provedor , lorota danada, difícil de se
livrar . Em sendo o cabeça do casal , termo asqueroso que muitos adoram como
lugar de prestígio , é ele o macho que está determinado à linha de frente . É o
lugar da morte emudecida , onde se morre de preocupações sem se falar delas ,
afinal , o medo do fracasso é inerente à esta construção .
Preocupações num mundo altamente competitivo , onde todo
mundo passa o outro pra trás sem escrúpulos , é uma tensão onipresente dia e
noite ativa , e o homem toma pra si tal desafio , achando que é assim mesmo ,
um reedição da Lei de Talião , “olho por olho, dente por dente”, onde se
aprende que não devemos levar desaforo pra casa.
Esta pedagogia em mim não vibrava convictamente , o que me
trouxe muitas dificuldades pois embora , querendo ser aceito como todos ,
sentia que minha performance não era convincente ...lembro por exemplo de meu
irmão querendo me ensinar a namorar , o que me amassava mais ainda , custei a
descobrir que mesmo o contato é uma questão de estilo .
“O homem é o estilo”, dizia Lacan , frase redentora que
descobri tarde demais , um alto preço
pago por aqueles que tangenciam , ou são infiéis as molduras doutrinárias , e
até conseguir reconhecer que os fracos também amam , demorei .
Com Freud aprendi que “ anatomia não é destino” , ou seja ,
pode-se ser homem sem se ser macho , lembro por exemplo , de Akenaton , o faraó
que era tido como afeminado ,e que propôs anistia para os povos dominados , uma
nova cidade com novas propostas menos militaristas e foi assassinado com sua
mulher Nefertiti , pois sua propostas mexiam com a mentalidade máscula da
época.
Reich pergunta em seu livro “ O assassinato de Cristo” quem
matou o Cristo ? apontando que uma couraça uma vez estabelecida estabelece os
modos rígidos de sua expressão e recepção , ou seja , onde se é duro o mole é
depreciado ou posto pra fora como menor , não como diferente .
Hoje me pergunto se o vacilo do vem –não-vem no nascimento já
apontava este desconforto, o preço de nascer menino e ter que rezar em
cartilhas do que é ser homem , recalque profundo de tudo que num homem não cabe
no homem , roubo cruel de uma instigação diária do que nos faz aprendiz do
desconhecido , do inusitado , recusa que os infartos atestam a cada dia.
Somos filhos do Logos , do saber , e analfabetos dos
sentimentos , o mundo onde Íris , a deusa do arco-íris que nos ensina aprender
a arte de ser flexíveis , pois sentimentos mudam , vem e vão , convém aprender a
balançar para diminuir a exigência de importância , lugar onde o autoritarismo
se confunde com o próprio ressentimento .
Nasci menino dependente da mãe , como todos da espécie ,
tive que fazer malabarismo de cortar o cordão para voltar o erótico para outra
mulher , exogamia complexa, ao preço de ficar incestuoso , coisa tão comum
quanto as reedições das virilidades simuladas que se recusam a reconhecer que
fracassaram .
Novos fetiches , novos voiyers , o mundo pela fechadura , e
a procura de se manter viril , o medo horroroso de que um dia o pênis não seja
mais a anatomia da gangorra que compassa o tempo , pois simplesmente a gangorra
não pode subir mais.
Viva os homens