Acho o alemão um dos idiomas mais sábios pela riqueza
metafórica que contém , embora confesse que não sei nada do mesmo . Alguns
estudos em Psicanálise e com ajuda de amigos me deram “an passant” a idéia
dessa riqueza, já que muitos conceitos Freudianos ao serem traduzidos , se
deformavam como acontece com traduções apressadas .
Mas essas duas palavras são incríveis e não há
correspondente em português , ou melhor não que eu saiba , já que Anschauungsgabe
significa –“ o dom de olhar mais além “ e Einbildungskraft- “o poder de
construir sobre” .
Pensar nisso me levou a relação do ver com a linguagem ,e eu
na falta do que fazer resolvi deixar a imaginação me conduzir , tendo em conta
que de pronto logo me ocorreu , os níveis da linguagem , a saber ; o literal, o
metonímico e o metafórico , três tempos lógicos parodiando Lacan .
A literalidade, diria, que é o modo concreto de apreensão ,
um tipo quase sensorial de ser , onde o toque é decisivo como inferência da
constatação , ou seja , tudo só é se for tocado pelos sentidos , que diga-se ,
são enganadores .Do ponto de vista do conhecimento é um nível menos abstrato e
muito passível de acomodações , pois mesmo usando os sentidos , perde em
reflexão crítica .
É um tipo duro , algo como pom... pom , queijo... queijo ,
nada portanto de, é pau é pedra , a literalidade recusa isso , é mesa é mesa e
pronto , fica o inconcebível do avesso , a maravilha de Lewis Carol com Alice ,
sem variações de forma ou de tamanho, menos ainda pensar pelo avesso .
Nesse nível, a loucura não é de maneira alguma uma dimensão
do viver que permite o ultraje do convencionalismo chapado dos registros
conceituais , é doença mental e pronto , sem distinção , pondo no mesmo saco
gênios e doentes neurologicamente comprometidos , como se faltasse um
refinamento ou mesmo cartografia distintiva .
O simbólico aqui é um adereço a serviço das certezas , pois
raciocina-se o mundo pela busca ávida de conclusões , campo de disputas e
violências a toda prova, já que não se suporta duas verdades simultâneas ,
tipo, ou é ou não é , sem outros espaços combinatórios e alternativos.
A militância aqui ou é fruto da ignorância ou da arrogância
, já que os modos dialógicos supõem não só alternâncias entre as polaridades ,
bem como , a flexibilidade que isso requer , condição primordial para que haja
brechas ou pausas de onde o inusitado possa comparecer, e viabilizar algo não
previamente pensado .
Nesse caso, é possível pensar que a literalidade é
extremamente sonora e adora o barulho das assertivas , o que em alguns casos é
oportuno , mas não como palavra de ordem , onde quem fala é sempre Senhor e o
outro Escravo da obediência .
Vê-se aqui que o
Anschauungsgabe , “o dom de olhar mais adiante” fica comprometido , pois a
tendência é de se olhar sempre para o mesmo , conservadorismo , em geral,
autoritário e pouco afeito à mudanças , pois olhar adiante impõe certo
desprendimento necessário à levitação da mente .
A mente no que flutua um pouco que seja , ganha altura ,
passo imprescindível para ampliação dos horizontes e consequentemente da
ressignificação da mesmice estabelecida como lugar comum . Isso quer dizer que
ao alçar um pouco de vôo , tem-se a
chance de romper ou de reformulações importantes , principalmente , onde o
viver já vinha sendo sacrificado pelo recalque.
Algo como “ não se pode ser outro se o mesmo não deixa “, o
que implica em se refazer o nível de controle que se quer ter , pois a entrega
resultante desse processo , já é fruto do reconhecimento de que a altura pode
mais por oferecer mais.
Sócrates dizia que no campo do Amor só se larga quando se
visualiza algo melhor , veja em “ O Banquete “, e podemos aplicar aqui o valor
desse ensinamento , pois o vôo engendra à brisa que refresca à capacidade de
sonhar .
E o sonho é um antídoto poderoso em relação a literalidade ,
já que refunda o simbólico de forma mais geométrica , menos aritmética e linear
como propõe a literalidade .Trata-se de recuperar uma dimensão fundamental para
o despertar humano , o exercício de ver além , matéria prima da esperança e de
prospecção para o futuro , lugar onde nossas utopias nos esperam ansiosamente .
Já o Einbildunlskraft , “ o poder de construir sobre “ nesse
nível sofre muito da falta de desprendimento , já que a ênfase é na segurança ,
modo como a vida é primariamente credenciada , já que não pode haver
descontinuidade em relação ao próximo passo , ratificação da própria concepção
da vida como sequência única.
A contrapartida disso é o medo, já que a relação com o incognoscível
é de rechaço , ou seja , não se quer saber do que não se controla ou não se
submete . A relação do sujeito aqui é de Escravo já que o controle é o Senhor ,
uma subjugação de difícil reversão na neurose obsessiva, o esvaziamento
constante do que não se deixa pegar , sofrimento que gera superstições e
rituais pegajosos , fetiche contra desgraça do imprevisível.
Mas também é verdade que a vida sempre se constrói, e aqui não seria diferente , embora a
construção literal seja sempre de aderência , o que torna os scripts rígidos
com pouca mobilidade , paredes muito grossas com pretensões definitivas .Os
moldes uma vez estabelecidos querem se impor com exclusividade , o que a partir
de certo ponto o que era bom fica sufocante.
Sempre é importante considerar que a mente , embora um lugar
muito privilegiado da alma , também se submete ao conjunto de forças que regem
a vida e cujo fechamento é tolerado de forma provisória , já que a neurose é
justo aonde o relativismo toma o caráter do absoluto .
O que se constrói precisa levar isso em conta , ou seja, o
modo como tudo muda ou pode mudar , já que o tempo posterior , o que vem depois
precisa ter seu lugar , nem que seja como um lugar vazio , pois é esta fenda
que permite o elo com o devir , o que ainda vai chegar .
Negar isso ou fazer de conta que tudo já está, é forçar uma
completude impostora , em geral, mantida como norma ou regra inquestionável ,
configuração que aos poucos vai envelhecendo por falta de renovação .
O “poder construir sobre” e o olhar adiante” mantém uma
relação íntima e de interdependência , pois dependendo do como seja a concepção
da obra , seu terreno e sua arquitetura , pode-se ter mais ou menos facilidade
de articulação com o horizonte , mas principalmente o fluir do devir , o eterno
vigor de qualquer construção humana .
Sem isso ficamos presos e estanques , nossa ousadia passa a
ser nossa própria paranóia , isto é, passamos a ter medo de qualquer idéia de
vanguarda que nos obrigue a ir pra linha de frente , passamos a ser o segundo
ou terceiro por recusa de ser o primeiro
, na vã esperança de que alguém o faça por nós.
Olhar adiante é ir pra frente , um olhar que permite o
depois sem medo , uma intimidade não íntima com o desconhecido , uma reverência
ao espaço aberto , a tudo que nos traz o gosto do amanhã sem sacrifícios ao dia
de hoje .
CONTINUAREMOS COM O 2º NÍVEL
- O METONÍMICO NO PRÓXIMO ARTIGO .
Metonímia ou transnominação é uma figura
de linguagem que consiste
no emprego de um termo por outro, dada a relação de semelhança ou a
possibilidade de associação entre eles. Por exemplo, "Palácio
do Planalto" é usado
como um metônimo (uma instância de metonímia) para representar a presidência do
Brasil, por ser localizado lá o gabinete presidencial.