7.8.11

OS CINCO , DEZ, QUINZE PRIMEIROS MINUTOS DE MIM MESMO


(REFLEXÕES SOBRE A CONTRARIEDADE)

Coisa incrível é se observar . Não aquela observação defunta , obssessiva , que nos incrimina pelos pecados que fez de Adão, homem e Eva, mulher . Digo aquela observação mais afim de surpresa do que de certeza, a desconfiança positiva de que há em nós , muitos.

Descobri, por exemplo, que somos constituídos de níveis e que em cada nível a vida se decide de uma forma diferente, de tal forma , que se esperarmos um pouco que seja , algo muda . Essa idéia já é antiga , como " conte até dez" antes de agir , lembrando que algo muda enquanto contamos , algo se faz ou desfaz .

Em cada situação somo testados nessas variações de níveis ,e um mesmo assunto que num nível é aterrador ,em outro pode ser engraçado, como depois de um susto , segue-se as gargalhadas .

No primeiro nível temos uma camada reflexa , uma ordem simétrica e pouco flexível , a ordem do toma lá , dá cá ou bateu levou ,ou olho por olho, dente por dente, que deu origem a famosa Lei de Talião .

Nesse nível a auto-referência é exacerbada , um substrato rígido e cheio de emocionalidade reativa , um modo de figuração catártica que é justificada como " se eu não colocar pra fora,  morro ". Aqui tudo é perigoso e pode explodir a qualquer momento , basta tocar num limiar em que se toma algo como ofensivo e pronto .......os dados estão lançados.

Aí, muitas palavras se arvoram e magoam , muitos relações se contraem e por vezes se destroem, muitos ditos se registram e chegam aos nervos da memória , lugar onde esquecer, só com perdão .

O que acontece aí é digno de se estudar , não consta nos livros , mas é uma batalha ferrenha , esse momento inicial onde a contrariedade nos mordeu , é uma condensação tão espetacular do primitivo , do animalesco , das absurdidades , dos pequenos assassinatos na fantasia , dos pescocinhos que a gente aperta , dos cabelos que se arrancam, enfim , um arsenal tão próprio e tão atávico , que em poucos minutos estamos exaustos de tanto atacar.

O curioso é que não passa de pronto , apesar de toda ação bélica , o treco volta e já de novo estamos pensando , amaldiçoando , dizendo todas as formas de impropérios ( pra não falar outra coisa), tudo no plano mental, que a esta altura já virou um ringue, em que só nós batemos .

A impressão que temos destes 5 minutos iniciais é que não passam e tiram até o sono , pois é o lugar onde nos sentimos lesados de forma não merecida , embora não tenhamos examinado nada das razões do outro .

Nesse momento não interessa as razões de quem quer que seja , e se alguém insiste em nos contar , pronto, mais um para mirar e puuuuuuuum atirar , pois já que estamos em guerra não custa mais um .

Esse estado é um horror , pois além de nos atormentar, temos dúvida sobre as razões que afirmamos ter , ou mesmo, se nossa reação não está sendo um pouco excessiva para ocasião, um exagero que nos amplifica e ao mesmo tempo nos prende , pois podemos ter reações tão brutas e intensas , que o estrago também pode ser muito.

Tudo tem que ser proporcional ao grau como fomos atingidos , um misto de dor e ódio nos afeta e nos aprisiona , como se quizessemos vingança e ao mesmo tempo, lamentamos ser tão vulneráveis.

Nunca sabemos ao certo quanto dura esses 5 minutos , até que num certo limiar impreciso , algo começa a mudar e o relógio , vai prosseguindo para o próximos 5 minutos.

O que acontece nessa sequência também é espetácular , pois é como algo começasse a amolecer , mesmo que por dentro , já que por fora o orgulho não deixa mostrar de pronto.

Começa aos poucos um misto de culpa , meio ao longe, que vai se aproximando devagar e a estabelecer uma certa idéia de que pode não ter sido bem assim . Que coisa dificil , pois, depois de tanta certeza retubante e assertivas inegociáveis é como se recuássemos e ficassemos mais modestos e com chance de estarmos errados ,com a difícil tarefa de reconhecer o erro e pedirmos desculpas por tamanha hipérbole emocional .

Cruz credo , o que se vê aí é a expressão do quanto é difícil a humildade sincera, de olhando nos olhos pedirmos o perdão , pois por um lado a culpa nos acusa e de outro o orgulho continua nos fustigando , tal como leão ferido , cheio de dor mas pronto para o ataque.

A famosa divisão entre o anjinho que pede para desculpar e diminue a importância do acontecido , e o diabinho que nos manda ficar firmes no orgulho e justifica nossos ataques, lembrando o que passou como prejuízo.

Chega a ser engraçado o catálogo de expressões desse momento , gestos que vão desde " aí foi mal ... hem " uma frase rápida que não diz o que , ou um tapinha meio sem vergonha , meio mudo ou superficial demais para o que aconteceu , e sempre fico com a impressão que se fomos olhar de perto, podemos descobrir que já estamos fazendo muito em pedir desculpas ,então , não me venha com detalhes.

Mas algo mudou , pois recuamos e houve uma flexibilização da retórica de mão única que vigia até então. O outro volta a existir , descobrimos que ele não é tão demônio assim, e inclusive , por muitas vezes já nos ajudou muito , reflexão essa, nem sempre feita de boa-vontade , mas trazida pelo inconsciente numa forma de retaliação que a luz faz ao escuro , quando se fecha em ingratidão .

É uma situação típica por exemplo de casal , que se ataca até o máximo e depois recuam , tentando devolver o valor que foi tirado indevidamente , um jogo de reaproximação todo ritualizado , que vai desde da descontração do rosto até os agrados , que mesmo não sendo ditos, servem como meia paga ao que se ofendeu.

É uma jantinha aqui , um presentinho ali , um súbito interesse por detalhes a que nunca se prestou atenção , uma saída a um lugar diferente , enfim , uma série de compensações que visam recolocar no lugar, o que foi violado.

Esses 10 minutos , também não sabemos quanto tempo dura , embora fique a impressão que não há uma superação de todo ,e tudo pode voltar de repente , é preciso cuidado , aquela constatação de que tudo estava voltando a ficar bem e .... pronto , que merda ! tudo de novo.

Os 5 minutos finais que não acabam nunca , já entram em outra esfera , pois se trata de uma reflexão do que tem de mim em mim ? O que em mim é tão provocativo , às vezes sádico , às vezes masoquista , um gosto pervertido pela instabilidade ou brigas , uma renegação da paz enquanto sujeição , enquanto entrega que ninguém parece merecer.

Uma sequência do relógio que nos insere, enquanto, responsáveis pelo que vivemos , o denunciar da vítima que há em nós e também do algoz severo , pronto a castigar , em formas estúpidas ou por hostilidades silenciosas que se eternizam em mágoas pegajosas, que ignoram à passagem do tempo , sente-se como se fosse ontem, o ocorrido.

Mas nosso horror parece estar aí , ou seja, descobrir-se como um sujeito cujo desafio é assumir seu desejo e seu preço , o ver que a vida não nos deve, e reinterpretá-la é uma condição para sair do prejuízo.

Parece que só podemos ser feliz quando tudo nos for restituído , embora não saibamos exatamente o que , a ruptura narcísica que nos arremesa para o desconhecido , e nos denuncia em nossas exigências e controles viciados, o Outro que não me deixa ser , como diz Lacan , fala do neurótico cujo gozo é gozar de não-gozar.

Se houver, como diz Helling, uma Lei da compensação , então , é como para ter de volta, precisamos restituir o que foi tirado , e nesse caso o valor do outro , o que por sua vez também subtrai o nosso. É como devolver algo , para recuperar o que é nosso .

Penso que isso funciona como um círculo que se retroalimenta , em que , os 5 minutos finais voltam a cada etapa à se reinserir sobre os 5 iniciais , o como as curas num nível,tornam o reçomeço mais elástico , mais flexível e talvez não durem tanto. Isso nos alivia muito desses estados sinistros , que se por uma lado revela tudo de autoritário que há em nós , por outro é um tormento que sabota a vida em várias ocasiões , estragos que poderiam ser evitados, se a mordida não fosse levada tão pra dentro .

Mas temos dores sinistras, não visíveis , recorrentes, que fazem com que por um estranho processo, sempre caiamos no mesmo lugar , que já conhecemos e que parece nos conhecer desde há muito, uma ressonância cujas extensões nos fecham , roubam-nos as palavras, transfigura-nos às feições e escurece nossa alma.

Ao examinarmos mais de perto, parece que há feridas antigas em tecidos primários, cujas artérias emocionais irrigam velhos rancores , lesões profundas e atávicas onde um inimigo se estabeleceu e parece morar ali ,e está, sempre pronto a nos cutucar e ofender.

Nossa cura primordial depende disso , o acesso a um lugar aonde a consciência só vai a contra-gosto , ou porque não quer ou não pode , por isso é sempre atingida na contra-mão , o que faz parecer que os 5 minutos iniciais são sempre uma afronta ,algo que não aconteceria se não fossemos provocados.

Mas o velho retorno indica ao contrário , ou seja, sofremos de nós mesmos , a esperança esforçada e desejada , de que um dia saibamos retribuir às ofensas , senão com um sorriso , pelo menos com alguma emancipação que não estanque tanto, o fluxo do amor e da vida.

Sem dúvida, nesse dia, iremos nos agradecer muito o esforço, pois será nossa carta de alforria dos grilhões, que por nos mal-dizer , também nos invoca tudo que parece mal-dito nos outros.

Viva nós , viva o ajuste que buscamos fazer em nossos relógios até o tempo ser livre , como nós gostaríamos de ser.

De bom grado os comentáios


Há ou não inveja do pênis?