4.6.13

ESCOLHAS

“Difícil não é fazer escolhas , difícil é conviver com elas “
Escolher não é exatamente saber , pois não é possível sabermos antes de tudo que vem depois, a incógnita é o frisson maior , algo que nos coloca em risco e que , se por um lado parece prometer um ganho , por outro, é certo que também vamos perder .
Mas sabemos desde Freud que perder é recusa do inconsciente , e que uma perda tem o estranho poder de convocar outras , como se no lugar que se perde , todas as perdas se encontram , uma re-animação de velhas dores latentes.
Mas não escolher é morrer , é o sair do jogo por medo de perder , coisa cujo preço pode ser fatal , pois sem o ânimo , este sopro do viver , vira-se carne , uma anatomia ambulante onde a seiva da vida não pode circular pelo sangue . Uma anemia dos propósitos , uma anorexia do gosto de viver .
Mas há um momento onde a vida nos induz a apostar , um tipo vai ou racha , como se o passado se rompesse como a corda do barco no cais e o presente se afunda como areia movediça, nos convidando a pular antes que seja tarde demais .
É como chegar ao limiar orgânico de toda escolha que possibilitou sequências ou consequências , tudo que torna qualquer movimento um recheio de pavores e rasgos de uma verdade , onde nossa vida jamais será a mesma.
Um limiar onde a verdade nos impõe o não-retorno e o pavor nos manda lutar para não perder, uma batalha onde vida e morte retiram toda piedade e ficamos crús , apelando para o lamento de ter nascido .
É como se o fato de vivermos até aqui , justo nesse ponto ,esta situação mortífera resumisse nossa vida a uma decisão , onde nos sentimos joguetes de um destino impessoal , que não levasse em conta nenhum mérito , lugar onde a dó de si parece a única companhia.
Ir adiante mais do que perder , significa nunca mais poder ser o mesmo , uma ruptura onde o Eu e a escolha divergem como estranhos , abrindo um fosso que percorre desde o pequeno dedinho esquecido do pé até o fronte de nossa cabeça , eis aí nossa sentença .
A ausência só nos serve de refúgio por pouco tempo , já que o que lamentamos é não poder se ausentar de vez , ou pelo sumiço ou pela morte , o insuportável de pôr a presença no âmago do crime e aguentar todas acusações , sem que a consciência possa jurar inocência .
É confessar contra si e se oferecer para o banquete do mundo , onde a justiça e a crueldade se acompanham , se alternando e alimentando o que toda segunda intenção parece querer , algum tipo de vingança , onde a lesão de hoje foi a dor de ontem .
Uma provação para raros , o banquete totêmico feito pela própria tribo onde a legislação uma vez aplicada , só faz destituir , ou seja, a criatura perde sua identidade tribal , é um mal-vindo , um desvio irrecuperável que compromete toda moral da comunidade , que por sua vez precisa se preservar , nem que seja produzindo cadáveres inúteis , que só poderão vagar sem endereço.
É também para os raros um momento de entrega profunda , onde a carne é oferecida para degustação, enquanto a alma se desprende de vez de sua minoridade , elo importante para qualquer vínculo coletivo , pois já não interessa mais , e também já não há como ficar.
Entregas tão profundas que chegam a doer em quem se encarrega de julgar , entregas tão silenciosas que as vozes se calam a intuir que algo muito maior está ali , muito além do que as sentenças possam dizer . É a sinceridade radical , que contém todo poder das palavras e todo poder do silêncio , é a entrega ao que não se pode viver coletivamente.
Um Mestre como Jesus, apresenta então seu silêncio onde as bocas queriam conversa , mas como conversar?
Não há o que dizer onde o tempo força sincronizar o que pertence a níveis diferentes , ou seja, tem palavras que por pertencerem ao futuro iriam se tornar inócuas, a surdez onde a ignorância e arrogância , só escutam o que lhe convém.
Vivemos em tempos diferentes , logo escolhas também servem como reparações , sulcos do passado e onde o presente encarna o que foi renegado nesse passado , o futuro põe a mesa para dores e alegrias porvir.
Eis a Lei silenciosa e precisa, que o mundo tenta a todo custo burlar , um arsenal de farsas e imposturas que nos condena à uma margem do rio , uma mutilação que aos poucos faz com que viver seja uma castigo comum.
Nossos sonhos procuram desesperadamente à outra margem , talvez para em algum momento, começarmos a enxergar a terceira , como diria Graciliano Ramos , como se estivéssemos procurando não só nosso paradeiro , bem como nossa integridade .
Escolher é uma matemática que não se efetiva nos limites do corpo , mesmo que superficialidades estejam em foco , pois o supérfluo enquanto apetite é insaciável , deslocamentos de borda , que evitam o coração , já que este, não escolhe tanto .
Quando uma significação se impõe e algo ou alguém se torna muito importante , é possível pensar o quanto ao escolhermos estamos sendo escolhidos , um truque espetacular onde descobrimos depois , que tudo que veio em nossa direção parecia saber o que não sabíamos sobre nós mesmos.
Daí a inevitabilidade , já que só podemos recusar o que não é tão importante , já que em relação ao que importa , só temos uma escolha, a saber : escolher.
E escolher é suportar à traição , já que colocamos em questão toda nossa crença de segurança, arriscamos nossos paraísos , e somos movidos pelo ímpeto de ser feliz , mesmo que por vezes em nossa avaliação, a desgraça pareça muito mais próxima.
Nossos arrependimentos simbolizam às apostas que acreditamos um dia , convictos de que estávamos fazendo o melhor , mesmo que pelo pior , já que mesmo que houvesse mapas , o gosto da vida não prescinde de vivermos , de sentir a experiência , essa magia que nos possue e que nos torna intensos , uma excitação forte contra o próprio embotamento .
Parece que preferimos o inferno se esse nos der mais vida à bonança do Céu, se a vida for sacrificada pelo enquadre , equívoco de muitos bonzinhos , cuja moderação repressiva esconde o medo da vida , principalmente do erro .
Se há um eterno retorno , provavelmente faremos às mesmas escolhas e caíremos nos mesmos buracos dos quais teremos dificuldades para sair , é como se testássemos nossa força pessoal em sua independência , mas ao mesmo tempo, é o aprofundamento que necessitamos para se libertar , principalmente quando descobrimos que escolher é um gesto solitário e que ninguém pode nos poupar dele.

25.4.13

A LÓGICA DO DEFUNTO


 
Se parece haver um compromisso inadiável da vida consigo mesma , é a renovação .
É impressionante como tudo obedece a uma Lei inexorável de se renovar , de ser outro, um movimento incessante de mudança que causa profunda admiração aos olhos de ver .
No que tange ao reino natural , a força mesma da natureza numa dinâmica invisível e precisa , faz com que a cada tempo , a cada estação , quando um ciclo se completa , haja um desencadear extraordinário de renovação que começa pela expansão ou pelo recolhimento e um laboratório se abre trazendo combinatórias vivas, reproduzindo a vida sobre novos prismas.
Dependendo de onde seja , do terreno geográfico , um show começa e novos seres nascem com cores exuberantes , enquanto outros morrem, como se o princípio da vida fosse também seu próprio fim , uma petição de mistério que nos ofusca à compreensão , mas deixando seu fascínio exposto como uma interrogação eterna .
Observar um pássaro na muda onde a plumagem inicial se esvai , fazendo surgir um ogro depenado e feio , para depois devolvê-la ainda mais bela e com cores incríveis, é um espetáculo privilegiado e comovente , como se o preço do viver e mudar mostrasse seu domínio em todos escaninhos da vida .
Esta petição misteriosa que já foi cultuada com grande reverência e que hoje é mais referida como objeto de estudo das ciências , nos seres conscientes em escala mais complexa , parece se revestir de feições enigmáticas e  seu reconhecimento depende do modo como conceitualmente é identificada.
Falar em renovação nos homens, por exemplo, é uma tarefa que levanta de pronto objeções , já que depende de entendermos o que é neste nível da escala esta renovação , e se não estamos tão sujeitos aos modos biologicamente determinantes , como nos renovamos ?
É preciso que haja algo mais do que as determinações que a natureza nos impõe ?
E neste caso , o que será ?
Na nossa espécie assistimos à mudança inexorável da matéria , suas mutações desde que nascemos e acompanhamos de forma testemunhal como nosso metabolismo e nosso corpo mudam , mas não relacionamos isto com nossa renovação propriamente dita . Antes pelo contrário , parecemos não relacionar mudanças esperadas e determinadas com algum vigor ou fôlego renovador .
O que muda sem nossa participação direta parece nos deixar como observadores passivos e não há aí correlações entre mudanças e evolução , correlacionando então que a renovação possa ser um meio da própria evolução .
Diríamos então que a renovação é o modo como a evolução se atualiza , fazendo com que soframos de tudo que ao não se renovar, nos obrigue ao custo de sustentação de formações que não atualizam à vida, tornando-a mais lenta e pesada , já que seus processos carecem do vigor que só a atualização proporciona.
Mas é difícil sustentar tal idéia sem ter em conta algum tipo de compromisso não-natural, que nos permita ou nos convença, de que mudar é uma condição de evolução , já que partimos da premissa de que por sermos não –naturais , não temos nenhuma programática que nos obrigue a tal esforço.
Estamos aqui enquanto um fenômeno biológico reconhecido , argumentam , mas não encontramos em nossos determinismos , nada que se refira à renovação não-biológica em nossas inscrições biológicas , de formas que nada nos impele à tal compromisso de forma definida , a não ser como opção particular .
A cultura neste caso , é que oferece de acordo com as visões de mundo reinante , os apelos para darmos à vida algum sentido renovador , que pode ser pela ciência ou pela religião , mas nunca como um compromisso que nos garanta o aforisma “ viver é renovar “ .
Garante-se assim o princípio de não-ingerência no campo das significações maiores , e ao mesmo tempo , subentende-se que a grande liberdade é que cada um faça e viva como lhe convém , uma garantia de direitos jurídicos, que apenas delimita fronteiras de proteção , mas não oferece a questão da renovação como pauta para o viver .
Cada um viva como queira , já que não entendemos outro compromisso com a vida que não seja da ordem de nosso livre-arbítrio , inclusive se matar se assim for o desejo.  Somos livres e sem destino definido ,e cada um veja como faz , mesmo que nossa condição comum , seja um mal-estar compartilhado, como diria Freud .
A moral como mecanismo de regulação da vida, ou como regras para o como deve ser, parece ter perdido a força de coesão e tem promovido tanta imoralidade em seu rastro, que nunca estivemos tão perdidos , já que nossa direção é ditada pela lógica da sobrevivência ou do gozo, nada que nos dê garantia de avanços .
O que parece é que no reino do humano a renovação como meio da evolução é algo que realmente depende de um esforço particular , ou seja , é preciso querer , um ato de concordância e de reconhecimento de que é preciso conquistá-la e isto só é possível com o aval da consciência .
Jung dizia que o mito moderno é o da “evolução da consciência”, lugar privilegiado onde a vida reúne esforços para seu aprimoramento , ou seja , a vida também se aperfeiçoa buscando nos aperfeiçoar , como se nossa potência humana almejasse novos modos de realização , pretensão que nos informa o quanto ainda somos esboços de propostas maiores .
Em sendo assim , o laboratório então seria de combinatórias entre forças retrógradas , aquelas que obedecem ao determinismo do já estabelecido e das que buscam avançar para novas explorações , sempre insatisfeitas com qualquer tampo em suas pretensões .
A beleza de tal proposta é que seríamos então objetos e sujeitos da evolução ,sendo que a renovação expressaria o valor da consciência na aquisição de novos alcances e enquanto elo de um devir de maior de sua inclusão no mistério da vida .
Penso que Freud ao conceituar a pulsão de morte tratava deste tema , embora tenha se desvinculado de qualquer ordem de sentido , desembocando então na questão do mal-estar comum , um tipo de lugar sem ida , um limiar do que foi possível , mas sem nenhuma transcendência para nenhum novo , ou de qualquer aprimoramento , já que o tema da evolução não é um tema caro a Psicanálise.
Não se renovar é a morte declarada ou indeclarada , um acuamento que nos embota em insignificâncias e que aos poucos vai nos insensibilizando para qualquer coisa maior , um tipo de estreitamento consentido que mata mas não permite morrer .
A pessoa sonha com sua morte como fim de um pesadelo , mas não tem força para morrer e com isso vive cheia de caricaturas que simulam a vida sem trazer nenhum entusiasmo sincero, uma ausência pela indiferença , um tipo “não conte comigo pois já não estou aqui”.
A tristeza é que a falta de renovação responde pelas caducações , o que ficou rígido demais , uma insolvência do que já não serve e por isto não pode invocar à vida como inclusão e participação , o defunto que pela lógica da morte ataca qualquer proposta , pois a vida se tornou uma denúncia do que já não consegue viver.
Nos guardemos de tal moléstia , pois não é uma manifestação súbita, mas uma construção laboriosa de muito tempo , talvez onde as contrariedades e desafios resultaram em revoltas inconfessáveis , que aos poucos foram minando o desejo de estar a favor ,e os antagonismos foram justificados pelo orgulho do que não se pode ou não se quis aprender .

 

 

 

4.4.13

PERDIDOS



Sempre tive uma sensação dúbia em relação aos chamados “perdidos” ,tipo alguém que perdeu o rumo , saiu da estrada e despencou ladeira abaixo , e cujo destinação é se despedaçar todo , ou ficar tão imprestável para vida, que não servirá mais pra nada.
Esta figuração, que não deixa de mostrar nossa impotência é, via de regra , temida por todos e usada como exemplo do mau caminho, ou seja , o que pode acontecer quando se desvirtua , uma alma perdida que escolheu o caminho auto-destrutivo.
 Pedagogicamente , faz parte das figuras horrendas, citadas como fracasso de quem não dá certo , dos que não cumpriram os mandamentos , não ratificaram à tradição não honrando seus compromissos , e deixando um vácuo de continuidade , um prejuízo à coletividade , aos bons costumes e a moralidade pública e familiar.
A criatura , repudiada pelo convívio é sub-inscrita num espaço invisível, onde aos poucos, ela mesma tende a desaparecer , pelo menos a sair do campo da visão , um tipo de anonimato, onde todo mundo concorda sem admitir , mas ajuda a esterilizar o mal-dito que ameaça  a paz social.
Esses malditos são os que quebraram a tradição e não puseram nada de valor em troca , usurparam os investimentos e não fizeram nenhuma devolução , antes pelo contrário , só fizeram exibir o prejuízo e deram mau-exemplo para posteridade.
Tenho a impressão que se houvesse algum meio mais fácil de se livrar deles sem ferir muito o escrúpulo , tipo sem ninguém ver muito pra não se comprometerem , isso seria feito , como já é , e colocado na conta de alguma” impropriedade natural “ , algo como “ pau que nasce torto,  morre torto , incurável, intratável, e outros eufemismos mais de assepsia.
A questão para estes infortunados , é que quebrar a tradição sem repor algo, é anunciar alguma vanguarda sem nenhum poder de convencimento , caso em que, a criatura terá de provar que o ato insolente não é somente uma desobediência estéril , um descaso ao estabelecido , uma não-aderência que proponha inutilidades que em nada colabore para construção da vida.
Se este anúncio for falso , se a vanguarda for infame e inconsistente , a ousadia terá um preço alto e as chicotadas não tardarão , anunciando um destino fúnebre e triste , um lugar considerado de excessão  no projeto de aperfeiçoamento da raça. A criatura some , chora a família de dor ou de alívio , passa o tempo , ninguém sente falta , e justifica-se pela retórica de mais um que não deu certo.
Ma s estes perdidos buscaram frequentar o limiar das mudanças  por revolta ou inadequação , mas ficaram aquém , de formas que sua improdutividade lhes tirou qualquer mérito de anunciar uma boa nova , restringindo –a a um lugar de desencontros narcísicos , ou de uma pretensão falida de quem não tem credenciais.
Mas e os que tem ? é diferente o processo?
A questão é como diz Bonder , em seu livro “ A alma imoral” , é que o corpo tem como função preservar à vida e a tradição, lugar onde o passado se eleva à condição de condutor ao indicar o que presta ou não a essa preservação.
Quando se transgride , é preciso prometer algo que será verificado , pois o passado tem sua legislação super-egóica , suas censuras nos escaninhos da mente, que nos impele a sentir medo quando de frente para  tal façanha.
Ficar perdido é uma condição de passagem , pois vive-se uma ruptura onde o depois ainda não tem rosto definido , e nos obriga a saltar sem que tenhamos claro onde se agarrar , vertigem cujo retrocesso ao diminuir a tensão  do vivo em sua pretensões adiantes  , nos fará se perder de si mesmo , nos deixando como herança nossos automatismos empobrecidos e obedientes .

Não há como não ficar perdido quando se quer mudar , pois toda mudança implica em transgressão ao que é seguro, cujo aval é coletivo, enquanto a mudança é uma requisição solitária da alma insatisfeita que busca um novo “bom” pra si , mesmo que provisoriamente , tenha de ficar na contra-mão da obediência tradicional.
Perdido neste caso , é o que quer mais, o que ficou insatisfeito , que quer romper com cumplicidades econômicas que acomodam, mas tiram o tesão do viver e só fazem repetir sem diferenciar.  É o grito da alma que busca as opções renegadas, por inspirarem medos e figurações destrutivas , placas que querem fazer parar tudo que ameaça o conforto e ao bem-estar insosso da tradição.
Perde-se quase tudo de início , amigos, família , dinheiro , e principalmente a familiaridade com tudo e consigo mesmo e anda-se por passo , pois encurta-se o horizonte e o olhar perde sua extensão , teme-se não conseguir e sofre-se a tentação de voltar o tempo todo .
Andar pra frente não faz parte da tradição ,e por isso é preciso traí-la diz Bonder  com acerto encantador , mas não andar rumo à evolução onde a alma quer o que não tem, e deseja a intensidade do que desconhece ao invés marasmo do conhecido , é morrer , é oferecer o corpo para guardar a vida que já não existe.

A instabilidade é uma condição da mudança já que se passa pra outro nível diferente , e não simplesmente troca-se um lugar pelo outro , o que se busca é precário porque nasce quando se começa a chegar , não está pronto esperando como um trunfo , uma opção escondida que faça vencer.
Perdido é aquele tomado da coragem de ir sem saber o endereço  , aquele que sabe que vai vagar , que vai chorar , que sente a dor , que vai ouvir lamentos e críticas , que vão rezar por sua alma , que por vezes vai lamentar ter nascido , que vai ser assaltado por dúvidas , mas com tudo isso , mesmo titubeando , segue , pois já reconheceu que sua vida saturou e deseja o desafio do desconhecido , o elixir de novas emoções de vida ao preço que for.
O que está em jogo é a verdade de sua alma contra mentiras do seu corpo , enraizado demais na tradição para sustentar rupturas e buscar novos devires , criança boa deixa de ser aquela que descobre e espontaneamente quer mais , mas aquela que se adapta sem reclamar , que não dá trabalho aos outros , que promete fidelidades mesmo não sendo feliz.
Ser feliz incomoda , pois mostra quem não está mais vivo , quem já sucumbiu e não espera mais nada , um compactuar com a mesmice em troca de não se ficar inseguro e perdido , daí o rechaço aos que discordam de tal proposta assassina , pois preferem morrer para viver do que viver para ficar morto .

Se navegar é preciso , viver nunca foi e nunca será , sem o que a vida sucumbiria a falta de graça , caso em que se torna uma desgraça muda e crônica , já que se perde o espírito da celebração , a festa da existência , a alegria do vivo que faz tudo interessante e curioso , à diferença da desistência que nada tem a comemorar , a não ser o fato de sobreviver , herança animal de quem acha que conseguiu se esconder do predador.

Mas isso, por si só é pouco , muito pouco, o que exige compensações e compulsões são ativadas para compensar o que foi tirado , ou seja , preenche-se para ocupar os espaços que estão vazios de presença , inanição por falta de opção , obesidade ou anorexias do corpo por trair a alma .

Demonizar um “perdido” é supor que todos já se acharam e sabem onde estão , recalque mentiroso , que depende de uma normose , casa onde as maldições se tornam um patrimônio comum , através de um normalidade anêmica e sem pretensões, a não ser de preservar , um tipo de esclerose , que aos poucos toma a seiva da vida como inimiga e objeto de paranóia .

O triste é que ninguém parece muito feliz com isso , mas se mover é um perigo a ser considerado , pois não havendo manual ou cartilha de orientação , só nos resta ousar e suportar um caminho árduo , mas que se nutre dos ínfimos detalhes do que a vida oferece , um gosto estético de um novo aprendizado , um reencontro doloroso mas feliz, de quem buscou renascer sem renegar a alma em seu profundo desejo de ser diferente.
Minha homenagem aos seres de mutação

 

 

24.3.13

MUTANTES E EXILADOS


O grande livro de Camus , um dos que  lhe rendeu o prêmio Nobel chama-se “O estrangeiro”, onde o protagonista chamado Meursalt , se mostra indiferente à morte da mãe ,e por isto , julgado perigoso pelo juiz , mesmo tendo assassinado um árabe.

Camus buscava retratar o “absurdo” da existênc ia e sua questão fundamental era o suicídio , pois indagava sobre o sentido ou não da existência , interrogação tirada da própria experiência de vida difícil que teve e de sua participação política ativa na vida do pós –guerra.

O absurdo em Camus, parecia ter como substrato a própria relação entre os homens , já que ele mesmo , de família pobre conheceu as dificuldades e opressões que os homens submetem aos homens . Talvez no fundo, nunca tenha achado o que justificasse tal opressões , e aliado as mazelas da vida, perguntava-se se a existência não é regida pelo Absurdo .

Quando me deparei com este livro fiquei com o tema na cabeça , sempre tendo em conta a indiferença emocional , a pouca significação mediante fatos, que por suposto espera-se sempre envolvimento e afetação , um comover-se pelos picos de dor do humano.

Mas com o tempo fui me dando conta que este estrangeiro de Camus , embora me tenha aberto o tema e a quem agradeço muito , não atendia algumas considerações que me pareciam preciosas  na questão do exílio existencial.

Tenho em conta que o viver, embora com forte apelo coletivo e regulado por suas ordenações, não prescinde do modo como cada um se insere , de tal forma , que esta inserção, seja o que nos difere,  é nossa particularidade fundamental .

Mas observo também, que esta inserção ,reflete às tensões do como nos sentimos mediante a tarefa do viver ,o quanto nos é caro ou barato este grande exercício diário de ratificar em si, um investimento e um dispêndio de energia que faz apelo constante ,e cuja justificativa é a significação de prazer ou não, que cada um encontra para suas disposições .

Se por um lado, o corpo nos dá a forma, e esta nos dá uma identidade de espécie enquanto um animal privilegiado , por outro , a consciência e o modo simbólico como nos movemos , nos remete à outra viagem ,regida pela tensão entre o estranho e o familiar .
O corpo, nosso eixo comum, nos iguala e nos engana , pois permite um consenso fictício, em função da nossa forma de aparelhamento , algo como um uniforme que nos veste e esconde além da anatomia ,nossa questão solitária e intransferível de Sentido .

Somos familiares numa dimensão que nos faz comum,  e estrangeiros na singularidade de nossas marcações únicas, uma transgressão constante que não pode ser vivida sem uma profunda angústia , já que aí , não se trata de uma métrica familiar , mas de uma constatação inarredável , só se é quando se rompe .

Esta ruptura é um ato único , desobediente , que requer coragem ,a coragem de Ser de Tillich, ao preço de exclusões dolorosas , já que o excluído se torna algum tipo de renegado , aquela criatura condenada às catacumbas , o exílio como castigo e alívio por não ser visto .

O estrangeiro em Camus, põe em xeque a ordem emocional do reconhecimento , a devolução emocional e afetiva do que se recebe , portanto , não chorar no enterro da mãe , além de ser ingrato , é uma suspeita patológica da alteridade , o sentido e relevância do outro .

Mas o nosso exilado , chora e reconhece , sem poder ser reconhecido , justo por ser portador de um vírus de estrangeirice , que não só não lhe concede identidade tribal , como ameaça algo de muito valor . Mas o que pode ser de valor assim ?
A própria mutação , diria eu, pois em geral, só se muda alinhado com a prospecção do futuro , como um desdobramento que não coloque em risco os pilares de ordenação da vida comunitária em seus mecanismos de reprodução , forma consagrada de se perpetuar .

Ora, um exilado não se interessa por isso .Pois é justo esse compromisso “aede eternum” que o perturba terrivelmente , formas-compromisso , contratos de antemão , que sufocam a dimensão experimental  da liberdade, ao  impor um roteiro que estabelece as molduras do depois .

O exilado não consegue sobreviver a tamanha exigência sem esforço ou sem romper com tal rigor , pois vive e respira o ar de sua experimentação , às ordenações são concessões que faz para se compor e participar do que é comum.
A vida no corpo lhe parece uma prisão domiciliar , onde cumpre a pena por não ter alternativa,  mas não lhe outorga nenhuma primazia , e não é atoa que alguns acabam por dispensar de vez o corpo , lhe tirando a vida.

Viver no substrato do corpo , na materialidade da vida com seus regulamentos , com seus rituais cheios de deveres e obrigações a cumprir , parecem tirar da vida o que tem de melhor , um assassinato a arte de viver , um sequestro estúpido a dimensão cromática da existência .

Daí muitos exilados fora do foco de suas paixões se tornam deprimidos , se arrastam , são entediados e pouco afeitos a vigília , no que essa lhe subscreve o agendamento das obrigações, enquanto a noite é o fulgor , o cenário para liberdade experimental , onde o corpo só é , como agenciador do gozo e dos prazeres , inclusive libertinos.
Propõem outra ordem para o viver , uma outra dimensão que aos olhos comuns são ameaças a serem combatidas , pois ferem a tradição , código de reiteração do valor da segurança como primordial, em relação a possível desordem da vida.
Encarnam invejas na conta de parecerem mais soltos e descolados por uma lado , mas suas fragilidades na performance do dia-a-dia lhes tornam alvos de críticas , o que faz doer , ainda mais quando vem de pessoas significativas , ponto crucial de uma ferida narcísica, de quem vive na vanguarda, ainda débito com a tradição .
O crescei e multiplicai-vos é a dimensão do corpo como ensina Nilton Bonder em seu livro “ A alma imoral “,e transgredi-lo por recusa é assinar uma dívida com a tradição,  cuja sentença dependerá da cabeça de cada um , onde o diferente precisará evitar se sacrificar como pagamento a essa transgressão .
Se assim não for tudo poderá ficar insuportável demais , e o sentido da exclusão atingir a própria razão de viver ,e a lógica do “ não caibo mais aqui” se impõe então dolorosamente , caso em que assistimos “ acidentes “ de overdoses ou outro tipo , despedidas contingenciais de quem já queria partir há muito tempo.

Vejo que onde a vida se exercita em lugares de excessão ao usual , algo importante parece querer se viabilizar , talvez porque nossa forma de viver ainda não possa contemplar outras, mas que nem por isso deixam de comparecer .
Penso o quanto devemos aqueles que ousaram tentar, e foram sacrificados por nossa ignorância segura, de “ tem que ser assim”, mesmo que nossa mesmice já esteja saturada por falta de opções .

Eis o que diz um mutante a respeito de outro , de forma inteligente e sutil, que só os poetas parecem conseguir na arte do dizer “ Ele é um bicho adoidado . Um gigante pelo avesso . Ele não tem início , nem fim . Está sempre descomeçando. Ele não tem frente , nem fundos .Sua gira tem trezentos e sessenta graus . Obrigado Chacal , um belo mutante , sem dúvida .

 

 

 

 

 

 

17.3.13


TAPEAÇÕES

Talvez o que chamamos de “realidade”, tentando conferir a ela um certo mote de determinismo , onde o chavão “ a realidade é assim mesmo “, parece nos impor alguma resignação nos convidando a se conformar , contenha mais mistério  e mais tapeação do que sonha nossa vã filosofia.

Se olharmos atentamente pra nossa vida, o que vemos é um consumo enorme de energia com tarefas , deveres , obrigações e promessas de dias melhores , que impressionam pelo modo como são adiados . É como se vivêssemos com gosto de lesados , assistindo uma série de falcatruas, onde os favorecimentos dispensam qualquer senso de justiça social e considerações sobre o prejuízo aos outros .

Pouco interessa estes outros se estamos assegurados por nossos inter-pares, que não só participam de modo cúmplice , mas que também levam o seu , numa rede de conluios e trapaças , cuja oneração , ou seja , a conta , tem que ser paga por todos ,aqueles que sequer comeram do bolo.

O custo é incalculável e repercute em todas esferas da vida , principalmente , onde os investimentos são necessários para melhorar a vida coletiva em seus aspectos variados , como saúde , alimentação , transporte , lazer etc .

O cenário fica ainda mais agravado, quando nos damos conta, que somente alguns poucos usufruem de tal regalias e que criam mecanismos de reprodução e de defesas elaboradas , para não perderem o gozo dessa usurpação , bem como , colocam a si mesmos como representantes legítimos de tal aberração .

Obviamente ,e sabemos bem disso , nada disso é novo ,e senhores e escravos, opressores e oprimidos , patrões e empregados , governos e sociedades , sempre dialetizaram em torno de seus interesses políticos e materiais , e nesse sentido a história parece se repetir .

No entanto , na medida em que evoluímos , seja pela retórica da evolução biológica ou espiritual , onde a evolução da consciência parece ser a chave do processo , vamos percebendo também que o mundo encarna às mazelas que nos pertencem .

Correções que estabeleçam um correto que não seja morto ou corrompido , dependem de uma certa suscetibilidade , que pode vir pelo viés político, religioso , ou espontaneamente compassivo , onde o outro não pode ser uma decoração sem voz , sem reconhecimento , sem um mínimo de sujeito que diga , que aja , que faça jus ao que o humano tenha de dignidade.

O tal "olho grande" que atribuímos às crendices e superstições , pelo contrário , parece um fato de grande relevância científica , pois é grande por querer conter mais e mais , sustentando a lógica perversa , de que uma vez podendo ter mais , porque não?

Justifica-se então que os outros são meramente invejosos porque não tiveram oportunidade , e sendo assim , pega-se o quanto mais melhor , pois qualquer um faria o mesmo nesse lugar , lógica fácil de entender, porque determinados lugares uma vez alcançados , não se quer sair mais deles .

Premissa do próprio atraso e do sub-desenvolvimento interesseiro , ou seja ,a ignorância como instrumento de dominação , renega-se a idéia de uma teia própria da vida, onde todos tem o seu lugar e sua importância em sua cadeia de produção , sendo que , acrescentando à Capra, que  nossa realização como espécie , depende de desenvolvermos a capacidade de amar .

É o amor que nos dá a chance de nos reconhecermos igualmente perante nossas diferenças , e se hoje , a neurociência descobre que o Bem é também mecanismo de produção de serotoninas e endorfinas , é ao humanizar o outro em seu valor , que minha humanidade se realiza .

Depreciar o outro, condená-lo ao prejuízo, tornar a vida mais difícil pra todos em nome de ganâncias , fere é a ordem que jogamos fora , para nos livrar dela e ficarmos mais a vontade com nossas trapaças , fazendo o mundo depender somente de nossas inteligências e sofisticações culturais , isto é, a ordem cósmica .

Reconhecer que pertencemos a uma Ordem maior pode nos inferiorizar , nos fazer  reviver submissões opressivas de religiões autoritárias , e aguçar nossos traumas de liberdade , mas tudo nos mostra que não há outro caminho , já que distorções geram desequilíbrios caros e sofrimentos profundos demais .

Muita riqueza pra poucos faz sofrer a muitos , muita ladroagem tira da vida à confiança , muitos assassinatos nos faz ter medo de viver , à violência destrói nosso prazer de estar aqui e cria fobias estranhas , o cinismo nos torna cínicos e prisioneiros de segundas intenções .

Adoecemos a olhos vistos com desequilíbrios mais variados no campo mental , e se Freud se surpreendeu com a força da sexualidade , hoje sua banalização gera esquizoidias nos afetos , no sentido da entrega , pois porque se comprometer se se pode ter mais?

E mais ,e cada vez mais , uma compulsão perigosa que leva consigo qualquer fundamento , onde tudo vale , já que é uma questão de livre-arbítrio , e onde a ordem social perdeu seu fio condutor de dizer o que é bom ou ruim , ou seja , somos livres como queríamos , e perdidos como nunca.

Nossas transgressões não geram de fato uma outra ordem , onde pudéssemos relaxar e compartilhar os ganhos , pelo contrário , mal chegamos e logo saímos , já que nada serve muito , e por uma estranha compulsão temos que seguir , embora , por favor , não perguntem pra onde .

Canalhices ferem o tecido social e forjam imagens perigosas da vida como um campo de ninguém , nos ensinando que se formos canalhas estamos matriculados , já que o sintoma da tapeação se tornou uma palavra de ordem da sobrevivência .

Mas por outro lado , é incrível, que o que condenamos , também descobrimos em nós , e também somos objetos e sujeitos dessa perversão , não como agentes de coisas extremas mas talvez de pequenas lesões que também nos interrogam em nossa coerência e o quanto fazemos da vida uma questão de oportunidade .

Creonte , o grande Rei de Tebas , dizia que só se conhece um homem depois que ele passa pelo poder , e sem dúvida , prova difícil do que temos de incorruptível , como se fossemos afrontados com a tentação  de “ que a ocasião faz o ladrão “.

É por vezes tão ruim ver governantes esbanjar cinismo em proveito próprio , como é difícil ver o guardador de  carro cheio de espertezas e intimidações , como é mais difícil ver um amigo lesando conscientemente alguém .

Mas o mais doloroso é ver que somos vacilantes, e que nossas convicções também tem sua parte frouxa , que também nutrimos em muitas ocasiões, a mesma retórica que tanto nos parece execrável nos outros .

A cura passa por aí , curar em si o que maldiz o outro , único meio de se libertar desse visgo, que com certeza , ainda teremos que trabalhar e sofrer muito para transformá-lo numa compreensão cósmica , aquela que nos ensina e nos lembra , que apesar de todos os tesouros, um dia que não se sabe a hora , vamos morrer .

Será que haverá outro tipo de justiça a nos esperar ?

13.3.13

0 ANSCHAUUNGSGABE E O EINBILDUNGSKRAFT ... O QUE É ISSO ?


 

Acho o alemão um dos idiomas mais sábios pela riqueza metafórica que contém , embora confesse que não sei nada do mesmo . Alguns estudos em Psicanálise e com ajuda de amigos me deram “an passant” a idéia dessa riqueza, já que muitos conceitos Freudianos ao serem traduzidos , se deformavam como acontece com traduções apressadas .

Mas essas duas palavras são incríveis e não há correspondente em português , ou melhor não que eu saiba , já que Anschauungsgabe significa –“ o dom de olhar mais além “ e Einbildungskraft- “o poder de construir sobre” .

Pensar nisso me levou a relação do ver com a linguagem ,e eu na falta do que fazer resolvi deixar a imaginação me conduzir , tendo em conta que de pronto logo me ocorreu , os níveis da linguagem , a saber ; o literal, o metonímico e o metafórico , três tempos lógicos parodiando Lacan .

A literalidade, diria, que é o modo concreto de apreensão , um tipo quase sensorial de ser , onde o toque é decisivo como inferência da constatação , ou seja , tudo só é se for tocado pelos sentidos , que diga-se , são enganadores .Do ponto de vista do conhecimento é um nível menos abstrato e muito passível de acomodações , pois mesmo usando os sentidos , perde em reflexão crítica .

É um tipo duro , algo como pom... pom , queijo... queijo , nada portanto de, é pau é pedra , a literalidade recusa isso , é mesa é mesa e pronto , fica o inconcebível do avesso , a maravilha de Lewis Carol com Alice , sem variações de forma ou de tamanho, menos ainda pensar pelo avesso .

Nesse nível, a loucura não é de maneira alguma uma dimensão do viver que permite o ultraje do convencionalismo chapado dos registros conceituais , é doença mental e pronto , sem distinção , pondo no mesmo saco gênios e doentes neurologicamente comprometidos , como se faltasse um refinamento ou mesmo cartografia distintiva .

O simbólico aqui é um adereço a serviço das certezas , pois raciocina-se o mundo pela busca ávida de conclusões , campo de disputas e violências a toda prova, já que não se suporta duas verdades simultâneas , tipo, ou é ou não é , sem outros espaços combinatórios e alternativos.

A militância aqui ou é fruto da ignorância ou da arrogância , já que os modos dialógicos supõem não só alternâncias entre as polaridades , bem como , a flexibilidade que isso requer , condição primordial para que haja brechas ou pausas de onde o inusitado possa comparecer, e viabilizar algo não previamente pensado .

Nesse caso, é possível pensar que a literalidade é extremamente sonora e adora o barulho das assertivas , o que em alguns casos é oportuno , mas não como palavra de ordem , onde quem fala é sempre Senhor e o outro Escravo da obediência .

Vê-se aqui  que o Anschauungsgabe , “o dom de olhar mais adiante” fica comprometido , pois a tendência é de se olhar sempre para o mesmo , conservadorismo , em geral, autoritário e pouco afeito à mudanças , pois olhar adiante impõe certo desprendimento necessário à levitação da mente .

A mente no que flutua um pouco que seja , ganha altura , passo imprescindível para ampliação dos horizontes e consequentemente da ressignificação da mesmice estabelecida como lugar comum . Isso quer dizer que ao alçar um pouco de vôo  , tem-se a chance de romper ou de reformulações importantes , principalmente , onde o viver já vinha sendo sacrificado pelo recalque.

Algo como “ não se pode ser outro se o mesmo não deixa “, o que implica em se refazer o nível de controle que se quer ter , pois a entrega resultante desse processo , já é fruto do reconhecimento de que a altura pode mais por oferecer mais.

Sócrates dizia que no campo do Amor só se larga quando se visualiza algo melhor , veja em “ O Banquete “, e podemos aplicar aqui o valor desse ensinamento , pois o vôo engendra à brisa que refresca à capacidade de sonhar .

E o sonho é um antídoto poderoso em relação a literalidade , já que refunda o simbólico de forma mais geométrica , menos aritmética e linear como propõe a literalidade .Trata-se de recuperar uma dimensão fundamental para o despertar humano , o exercício de ver além , matéria prima da esperança e de prospecção para o futuro , lugar onde nossas utopias nos esperam ansiosamente .

Já o Einbildunlskraft , “ o poder de construir sobre “ nesse nível sofre muito da falta de desprendimento , já que a ênfase é na segurança , modo como a vida é primariamente credenciada , já que não pode haver descontinuidade em relação ao próximo passo , ratificação da própria concepção da vida como sequência única.

A contrapartida disso é o medo, já que a relação com o incognoscível é de rechaço , ou seja , não se quer saber do que não se controla ou não se submete . A relação do sujeito aqui é de Escravo já que o controle é o Senhor , uma subjugação de difícil reversão na neurose obsessiva, o esvaziamento constante do que não se deixa pegar , sofrimento que gera superstições e rituais pegajosos , fetiche contra desgraça do imprevisível.

Mas também é verdade que a vida sempre se constrói,  e aqui não seria diferente , embora a construção literal seja sempre de aderência , o que torna os scripts rígidos com pouca mobilidade , paredes muito grossas com pretensões definitivas .Os moldes uma vez estabelecidos querem se impor com exclusividade , o que a partir de certo ponto o que era bom fica sufocante.

Sempre é importante considerar que a mente , embora um lugar muito privilegiado da alma , também se submete ao conjunto de forças que regem a vida e cujo fechamento é tolerado de forma provisória , já que a neurose é justo aonde o relativismo toma o caráter do absoluto .

O que se constrói precisa levar isso em conta , ou seja, o modo como tudo muda ou pode mudar , já que o tempo posterior , o que vem depois precisa ter seu lugar , nem que seja como um lugar vazio , pois é esta fenda que permite o elo com o devir , o que ainda vai chegar .

Negar isso ou fazer de conta que tudo já está, é forçar uma completude impostora , em geral, mantida como norma ou regra inquestionável , configuração que aos poucos vai envelhecendo por falta de renovação .

O “poder construir sobre” e o olhar adiante” mantém uma relação íntima e de interdependência , pois dependendo do como seja a concepção da obra , seu terreno e sua arquitetura , pode-se ter mais ou menos facilidade de articulação com o horizonte , mas principalmente o fluir do devir , o eterno vigor de qualquer construção humana .

Sem isso ficamos presos e estanques , nossa ousadia passa a ser nossa própria paranóia , isto é, passamos a ter medo de qualquer idéia de vanguarda que nos obrigue a ir pra linha de frente , passamos a ser o segundo ou terceiro por recusa de  ser o primeiro , na vã esperança de que alguém o faça por nós.

Olhar adiante é ir pra frente , um olhar que permite o depois sem medo , uma intimidade não íntima com o desconhecido , uma reverência ao espaço aberto , a tudo que nos traz o gosto do amanhã sem sacrifícios ao dia de hoje .

CONTINUAREMOS COM O 2º NÍVEL  - O METONÍMICO NO PRÓXIMO ARTIGO .

Metonímia ou transnominação é uma figura de linguagem que consiste no emprego de um termo por outro, dada a relação de semelhança ou a possibilidade de associação entre eles. Por exemplo, "Palácio do Planalto" é usado como um metônimo (uma instância de metonímia) para representar a presidência do Brasil, por ser localizado lá o gabinete presidencial.

6.3.13

A Terra Brasilis , a Aurora de uma esperança



Sempre que penso em política me ocorre uma estranha sensação , tanto física como mental , um estado difuso de ser um protagonista do que me afeta , ao mesmo tempo , em que me questiono o que isto tem haver comigo?

A cada dia, vejo uma imensa movimentação ocorrendo , muitos dizeres , muitos pareceres , muitas decisões , muitas promessas , um universo que percebo próximo , pois me coloca como depositário direto do que se passa ( a discussão sobre energia , por exemplo , se traduz pelo preço da conta a pagar , do alimento ,a mesma coisa ), ou seja , é um universo não tão paralelo, mas uma tanto alienígena à maioria de nós.

Este universo com suas leis oficiais e oficiosas nos confude  a tal ponto,  que a maioria sequer se interessa por ele , mesmo sabendo ou não , que é de lá que parte as grandes decisões sobre a vida material , que é a vida mais imediata , aquela que fala do pão , o mínimo necessário para que o homem acredite em Deus , diria São Tomás de Aquino .

Estabelece-se desde sempre a relação do chamado Estado x Sociedade , relação difícil , complicada , por muitas vezes ininteligível , até mesmo para os mais experts , aquelas almas que não olham pra outra coisa , que buscam conter o futuro em seus anseios de poder , seja financeiro ( outro universo intraduzível ) ou político , uma febre delirante que nenhuma medicação consegue baixar .

Sempre me pareceu e continua me parecendo , que por ser um animal político ( Aristóteles ) , e diga-se , pólis ( povo) , a chamada política seria por princípio, o modo pela qual se buscaria meios para que determinados fins, pudessem ser alcançados  para melhoria geral , já que , não há outro propósito maior .

Somos obrigados por esta estranha e decisiva imanência, a convivermos uns com outros e possibilitarmos através do trabalho , este elo comum a espécie , uma condição que seja a melhor para todos , uma vez que temos em conta , que nem só do pão viverá o homem .

Observa-se de pronto, que a maioria parece não ter vocação para lugares de poder público , lideranças em relação quantitativa com o povo são pouquíssimas e por isso , por falta de engajamento  nessas esferas tendem a se repetir , pois uma vez alcançadas articulações de projetos ou só mesmo de manutenção do status quo, se eternizam com a espada do poder .

Assistimos decisões sobre nossas vidas diárias, como se estes centros que decidem pertencessem a outro planeta , não conseguimos ver a via de acesso onde pudéssemos nos fazer ouvir , e agravado pela percepção da tendência que todo poder político parece ter , de se afastar para seus palácios , uma vez conquistado .

As cúpulas alegam privacidade , o que sem dúvida é necessário , mas não só , pois é fácil ver que medidas antipáticas , mesmo que necessárias , são cercadas de cerceamentos de retorno , como que não interessa mais o que se pensa , principalmente o que for contrário , condição básica, para que aos poucos os autoritarismos passem à História por conta das melhores intenções .

Ideologias, todas alegam ser o caminho do Homem , ignoram que tiram a liberdade de poder se ver todos os lados , ou de se escutar o oposto , e embora considerem na chamada democracia o lugar importante da oposição , vemos que “ Quem não está conosco , está contra nós”, uma surdez ditatorial , que só faz confirmar que “ democracia é a escuta da alteridade e da diferença”.

Sendo um exercício espetacular de condução de destinos sociais , precisaríamos ter com nossos governantes uma relação de profunda solidariedade e amor , pois precisamos que acertem , que sejam iluminados em suas decisões , que nos ajudem a avançar , tanto física como espiritualmente , que nos estimule o amor ao próximo , que nos libere de visões provincianas , que nos dê à confiança de estarmos não só apontando para o mesmo norte , mas efetivando-o cada vez melhor em nosso dia-a-dia .

Creonte , o grande Rei de Tebas , afirma que “ só se conhece um homem quando ele passa pelo poder “ , e aí eis a provação de todos nós , pois o poder é um capítulo especial em nossa evolução , não só pela subversão que faz à ralação do ganha pão ( já que traz todos os fetiches à satisfação oral sem as interdições da realidade), mas pelos atavismos que suscita como poder de mando , volta-se ao anacronismo do velho passado com seu estilo imperial .

Observando-se construções da nobreza , é fácil perceber que o povo , a plebe com seus tormentos sempre acabam sendo consideradas incômodas , e logo, levanta-se muros enormes e intransponíveis e bem guardadas pelas suas guardas , pleonasmo perfeitamente adequado para o caso .

Distâncias se estabelecem hoje em muros mais invisíveis , burocracias que desestimulam ações que buscam proximidade , alega-se falta de tempo para o contato , o mesmo que em épocas de eleições toma outra feição demagógica , pois precisa-se do voto , instrumento ainda precário por si só, já que sem a consciência mais esclarecida( a lá Habermas), o voto é sugestão hipnótica, que os chamados coronéis aprenderam na prática , sem formação acadêmica nenhuma.

Até hoje nosso ranço materialista é um grave impedimento , pois falamos do pão e não da alma , como se fossemos reduzidos a um único sistema orgânico , o gastro-intestinal , como se nosso esclarecimento para um melhor viver e deciframento do mundo , fosse secundário .

A alma quer sua luz , que começa justo na educação , uma condição da sua autonomia como sujeito , talvez temida pelos governos obscurantistas como diria Henry Toureau , em seu livro clássico “ Desobediência Civil “, condição de quem se esclarece para melhor poder sonhar , um pouco mais de alívio em relação à opressão do cotidiano, que só faz se repetir em suas mazelas .

Os ricos são invejados pois parecem ter uma vida cheia de variações , de novidades , de paredes finas ou inexistentes , de que podem fazer o que quiserem ou terem o que quiserem , fantasia de que o dinheiro nos devolve a relação mágica com o seio materno , embora desenvolva o controle chamado anancástico , segundo Freud , o poder de reter às fezes .

Dinheiro e sujeira , aqui nesse país conhecemos bem desde sempre , pois somos filhos de uma Corte falida e fugidia , mais uma imposição da vida e de Napoleão do que uma escolha propriamente dita , um imaginário de fim de mundo por falta de opção e de certeza que Napoleão jamais iria se aventurar a vir aqui pessoalmente , já que até hoje muita gente não sabe onde fica o Brasil , nem no mapa .

Embora se faça justo dizer também,  o quanto de desenvolvimento devemos ao nosso Regente Imperial e sua troup fugidia , trapalhadas interessantíssimas por um lado, e feitos que nos tiraram da província e do chamado “ quinto dos infernos”.

Nossos políticos adoram esta nossa condição meio degredada e ignorante , pois eles mesmos não passariam no teste de qualidade , criaturas que sequer sabem falar direito , mal informados, falta de cultura geral ,e resultado de um fisiologismo podre que insistem em manter para não desaparecerem de vez .

A visão do homem em Paidéia ,  pedagogia da formação das virtudes ensinada pelos gregos, passa longe , pois a muito se perdeu o sentido de direção , metonímia que nos faz rodar com sensação de que não se sai do lugar , afetação que atinge o sentido do próprio viver , onde a verdade e a mentira se acolhem de forma prática de acordo com os interesses imediatos .

Perde-se qualquer critério e estabelece-se uma ideologia prática , o que interessa é o que tem urgência , desespero que abre brecha para todas falcatruas , pois argumenta-se que importante é por o asfalto , mesmo que dure pouco , alto custo pago por imposição da demagogia dos que dizem nos representar.

O “Homem” a quem se busca perdeu seu endereço num mundo confuso e arrogante , nos falta um verdadeiro ideal , seja o ideal de Eu de Freud , a utopia de Tomás More ou o Homem Divino das tradições espirituais , um Homem que valha realmente a pena , um Homem que apesar das nossas diferenças, seja reconhecido como melhor , um exemplo da raça como Nietzsche buscou formular , em seu Zaratrusta .

Melhoremos nós e dispensemos a quem queira nos representar sem credenciais , uma vez que a política está em nós mas não o exercício político do poder , façamos esforço para que nossos obscurantismos particulares não seja nossa escolha ao decidir sobre nossos destinos social , principalmente, tendo-se em conta que viver olhando para o que não presta pode nos contaminar , mas não olhar pode nos alienar . 

Trabalhemos pela vida que acreditamos , mesmo que sua raízes ainda estejam incipientes , mas por que não ? É assim que tudo começa , pois uma nova disposição mental não pode começar com muitos , o processo é ir se despertando aos poucos , encarnemos então este novo sopro , pois ninguém é dono do que a vida nos oferece de melhor e o que de melhor nos identifica , a liberdade.

Esse artigo seria bem maior , parei para que se adaptasse ao estilo do blog , que já se queixam o que compreendo , embora tenha assuntos que pareçam inesgotáveis . Agradeço a paciência e o tempo que me dedicam  . VALEU.

 

 

 

Há ou não inveja do pênis?