29.4.12

O limiar e a transição ; sobre o mudar

“É por isso que homens e mulheres perdem a razão com tanta facilidade , especialmente aqueles cujo diálogo interno é repetitivo , aborrecido e sem qualquer profundidade”


Os novos videntes dizem que os seres humanos mais joviais são aqueles, cujo diálogo interno é mais fluido e variado.” In O fogo interior” Castanheda


 Um limiar é um tipo de limite ,uma fronteira entre duas áreas , uma demarcação talvez, e ao mesmo tempo , uma contenção, que de certa forma garante ou busca garantir algum modo de identidade ou territorialidade .

A partir de um limiar algo se contém , se demarca e nos deixa uma indicação de algo a mais ou diferente , como por exemplo , um limiar histórico já nos oferece indícios de acontecimentos diferentes e que irão trazer mudanças que não serão contidas por esse limiar .

Ao ser ultrapassado um limiar permite registros de datas , idéias diferentes , jogo de forças políticas e etc ,e principalmente o reconhecimento de um momento suposto, onde algo se rompeu e não teve mais volta .

Caracteriza-se um avanço em relação ao que era, e onde a tensão foi suficiente para provocar algum tipo de movimento para adiante , uma nova instauração, onde novos enlaces e desenlaces se farão , uma nova combinatória que fará mudar os modos estabelecidos e exigirá novos exercícios aos protagonistas , tanto no plano coletivo como individual .

No entanto, vamos tratar de um limiar específico , aquele que é posto em cena , quando as mudanças de vida se impõem e que no plano psíquico abrem uma verdadeira batalha , em que as forças se enfrentam mobilizando cada uma o seu arsenal , ou seja, a ativação da contabilidade psíquica, onde as figurações do que se busca ganhar são assediadas pelos fantasmas do que se pode perder .

É muito difícil , em se tratando do psiquismo , cujos protocolos são muito mais guardiões do que já se tem do que incentivos ao devir , que a mudança ao se impor seja recebida com festas e celebrações . As operações postas em jogo refletem mais um processo de ir e vir do que uma linearidade , em que se veja com certeza , que o que virá será muito melhor .

Nada , a não ser um certo afã de otimismos superficiais , pode garantir que uma mudança ao ser ativada , levará a um endereço mais confortável . É importante lembrar que a maioria das mudanças requerem planejamento , e nesse caso, são guiadas par-e-passo , e que mobilizam recursos para não causarem maiores transtornos.

Mas essas mudanças são de acordo, e em geral, referem-se à mudanças de ordem material ou aquelas cujos passos são considerados necessários a um melhor bem-estar , como por exemplo , alguém casar .

Embora de acordo , mesmo essas, por muitas vezes não deixam de ter um certo temor como pano de fundo , pois sabemos que nossas certezas são relativas e que muita coisa pode acontecer .

Mas nosso foco são aquelas mudanças não pedidas , aquelas que por princípio não encomendamos, e que bate em nossa porta nos procurando, e que a partir da primeira batida , já compassa nossa angústia num tipo de sincronia sinistra entre os chamados e as opressões que sentimos, por desconfiar que chegou nossa vez.

A grosso modo passamos a vida negociando a vez , dependendo naturalmente do risco que nossa avaliação nos diz e das fantasias de ganho que visualizamos , mas que numa avaliação  atenta não é difícil perceber que, ou passamos a vez a outro , ou assumimos mais ou menos . (vide um artigo aqui mesmo no blog , chamado “ nas coxas”) 

É uma reação típica de se ver no limiar de ter que se expor , um momento crucial para que nossas fraquezas nos traiam e nos revele inferioridades  e temores regredidos que nunca confessamos, algo da ordem de encurtamentos por medo ou a covardia de por a prova grandezas que na verdade não conquistamos.

Aprendemos que fraquezas devem ser escondidas e inclusive de si mesmo , incluindo-se aí nossas dependências e apelos que trazemos de uma infância que nos protegeu ou nos expôs , que nos exigiu , que nos fez ver o valor do prestígio e a dor da rejeição , e principalmente como nos ensinou o Dr Freud “ a maior angústia do ser humano é o desamparo”.

Então o que é o limiar , indo por este caminho?

É a natureza do nosso sofrimento ao não permitir que possamos fugir da divisão que nos acomete. “Sou o que não penso” diz Lacan , contrariando a idéia cartesiana oposta .

Ora, uma mudança é o que me compromete com o que não sei , e se “saber é o que faz furo na verdade” , como saber se o ir adiante, é o não o caminho de ser mais feliz?

Se como diz o filósofo “ não basta viver é preciso ser feliz “ como dar o próximo passo e pedir garantia de certeza?

Não há essa garantia . E o horror aqui , talvez o maior e único , é a constatação que a minha vida pertence a mim e só eu posso realizá-la . O ditado espanhol diz isso de outra forma  “Porque justo a mim me coube ser eu?”

Podemos pensar se quando um limiar é alcançado e a tensão fica inarredável , se não é assim que a vida nos denuncia , ou seja, o quanto de adiamento , de faz-de-conta , de pouca ou nenhuma inserção em questões maiores que nós recusamos à guisa de não no atormentarmos desnecessariamente .
Lembro de um homem destroçado por ter sido deixado pela mulher , e que após longos apelos para ser ouvida, arranjou um outro na internet, e que aos prantos dizia “ eu não acreditei que ela fosse capaz”.

Muda-se porque se quer ou por imposição da vida?

A maioria das mudanças se dão a partir de certo ponto , o desconforto , o mal-estar , vai numa escala crescente e o retorno ao padrão usual vai ficando cada vez mais difícil , há um jogo entre o aqui e ali , que por vezes é insuportável ou vai ficando cada vez mais a cada dia.

A pessoa vai cada vez mais se sentindo atemorizada com o que pode acontecer , um mexida incisiva em seus níveis de controle , a suspensão de suas certezas, e a entrada no mundo das vertigens , um momento alado mas não de voo propriamente , mas de falta de chão , algo mais próximo do buraco do que da alturas.

O desconhecido, até então o grande renegado, cobra seu preço por não ter lugar no altar das certezas , e abre-se ou aos poucos ou aos muitos mesmo ,e invade o psiquismo tanto pela manhã como nos sonhos da noite , tornando difícil tanto dormir como acordar .

O que será de mim?  Indagação vinda das entranhas do medo e da fantasia de destruição que de pronto se instala , fazendo com que muitos recuem e desesperadamente tentem refazer os velhos esconderijos , um ato humano antes de se constatar que somos quase nada ,onde nossos requintes pouco valem nesse momento tão soturno.

O duplo de mim aparece e me apavora , me oferecendo um acre sabor de fracasso , já que não se muda de verdade sem se fracassar, lição clínica nobre na Psicanálise ,trazendo tudo que não admiti , ou por orgulho na insolvência de minhas razões ou pela incrível fantasia de que se eu for quem sou , quem há de me querer?

O que se vive é um surto da Verdade , que ao se espraiar empurra tudo , tudo o que foi negado e recalcado , parece retornar com toda força , deixando impotente a consciência , que por sua vez põe em jogo operações salvacionistas , que pouco proveito oferecem , seja em rituais obsessivos , seja em depressões impotentes ou em manias histéricas.

O núcleo do tornado na proporção que aumenta e provoca os redemoinhos vai tirando muita coisa do lugar , de formas que toca numa questão crucial , que trataremos no próximo artigo , ou seja , ‘ A perda das identificações” , a crise de quem já não se identifica consigo mesmo e não sabe disso e projeta nos outros sua falta de atualização.

Tinha parado de escrever porque perdi todos meus artigos a serem postados , em função de um problema no computador . Confesso que baquiei , e fiquei meio broxa e com pouca inspiração . Depois descobri  que ninguém deu falta de minhas postagens , o que abalou minha importância para o mundo , um doublê de escritor que não faz falta. Me consolei com mamãe e ela disse pra eu continuar , então eis-me de volta , espero que gostem e sintam minha falta.

VALEU  AMIGOS E MAIS UMA VEZ OBRIGADO E COMENTEM , AJUDA MUITO O RETORNO

 

Há ou não inveja do pênis?