5.1.13

Arreligião do viver


 

Em tempos de conexões ocultas onde o visível parece ser apenas uma franja , um limite do olhar , somos tentados a perguntar sobra a conexão da criatura com Criador , essa re-ligação que nos interroga , que nos acompanha nos altos e baixos da vida , como se alguma reminiscência nos lembrasse de algo sem dizer o que .

A imagem da Divindade vai mudando junto conosco , de tal forma que desde à natureza até o fascínio dos astros , esse lençol brilhoso que parece nos acobertar , temos imputações de sentido , como a busca de significações mais próximas , mais efetivas , para o que ? Para o nosso viver , ou seja , quem quiser ver a Divindade há de vê-la na própria vida , lugar do mais profundo Mistério.

Situados e alocados dentro dessa imanência até o fim , já que nascemos , vamos nesse grande e difícil exercício do viver , intimados pelo corpo em suas urgências e reposições constantes , sentimos a força da carne com seu preciosismo e exigências . Ao mesmo tempo , vamos além , vamos passeando pelo Além , já que nos é insuportável o cheiro único da carne , quando muito perto.

Nosso frescor , o frescor de nossa vida depende disso , de podermos nos ausentar , de sair e poder voltar , pois esse movimento é o único que nossa alma reconhece , já que qualquer confinamento nos faz faltar o ar.

Na verdade, precisamos de Deus enquanto não o reconhecemos , esta orfandade que nos remete ao desamparo , já que nossa capacidade mental é mínima perante tanto mistério , como se nossa ignorância nos oprimisse e nos fixasse a endereços , que apesar de parciais não nos deixam nus .

Mas ao olhar a vida , vemos tudo .

Todo compasso orquestrado do oculto , todo seu esplendor a cada dia , principalmente na devolução virginal dos dias , únicos e irretornáveis , um movimento incansável de recomeços , e diga-se , com todo cenário fascinante que essa Deusa do Amor-Natureza não se cansa de nos oferecer , eis nossa lição comprometida , única maneira de ver Deus se vendo.

Talvez pra isso precisemos ficar ateus , tirarmos molduras estabelecidas , crenças estereotipadas , nada enquadres forçados ou concordâncias submissas , precisamos de vigor , de fôlego , da alegria de quem se propõe a explorar para vivermos o êxtase das pequenas descobertas .

Depois de todas imagens impostas e sincrônicas à nossa sugestionabilidade , precisamos perder o medo de todas inquisições que só fazem repetir e ameaçar , é preciso descobrir à vida como uma grande celebração , um estar feliz por existir e participar , nosso lugar único e indispensável.

Alçar o verdadeiro valor espiritual , que ninguém pode nos tirar porque também não nos foi dado , é preciso conquistá-lo . Um pouco a cada dia , o frescor da evolução que nos abençoa , nos conclamando a seguir , afrouxando o rigor severo que endurecem às imperfeições , e nos tornando aprendizes reverentes e dedicados do Vivo , ou seja , do que não quer viver pra morte , essa sonolência que nos demencia e nos seduz.

Deus vive na vida , e por isso é para os Vivos , um sentido maior da existência que nada tem haver com refúgios ou covardias como querem alguns críticos da religião ,nem com espertos que vendem suas canalhices , prometendo aos cegos o que eles mesmos não vêem .

Nada disso serve, tudo efêmero , pois não são com esses emaranhados que conseguimos andar , e nada pode nos poupar da tarefa de seguir , a não ser quando vendemos nossa alma em troca do descompromisso , um crime grave que nos condenará a pior miséria , a miséria do espírito .

Todo criado e toda criatura tem compromisso com seu Ser , com seu brilho , com seu aprendizado , uma singularidade que é ímpar que requer o próprio caminho , seu vôo , seu desprendimento de significações apriori , em geral autoritárias ou omissas .

Não se pode ver o Reino de Deus em si estando morto , é impossível , porque Deus é vida a todo tempo , o que faz com que muitos achem a vida insuportável , é vida demais .

Busca-se um modo de diminuir a vida , ou de se esconder dela , ou tentando desistir ou fazendo de conta que se está vivo , uma caricatura que faz da vida um jogo de performance para os bonzinhos , aqueles que por medo não se revoltam, e aparentam se submeter sem se sujar no jogo , pois estão a margem.

Impostores , vivem na ante-sala com opiniões sobre tudo , em geral, esclerosadas por falta de testemunho verdadeiro , ensinam sem aprender , promovem espetáculos sem causa , como dizia Proust , uma praga nesses tempos confusos .

Mas tudo requer coragem ,e não há coragem pra quebrar a casca dura se não se acreditar que o melhor virá do próprio esforço , uma partenogênese de si , um esforço por nascer de si , do seu desejo maior , o encanto orgástico da própria redenção .

Nesse sentido Deus é essa chamada para o a-mais , função que modernamente alocamos no desejo , como um mais-gozar , sem enfatizar que todo desejo tem seu preço , às vezes maior do que podemos pagar.

No entanto , a maior dificuldade , é que não podemos ver Deus na ótica de nossas conveniências , aqui o esforço é outro, ou seja , não  se trata de fazermos reduções arrogantes ao quadro de nossas crenças ou opiniões , uma pasteurização do gozo em função do correto , o puro medo de perdermos nosso lugar no Céu .

Não, é o insuportável do correto que nos induz à projeção do Divino como proteção , dando margem a que essa operação seja vista como infantil , como em Freud por exemplo ,como se o correto pudesse ser uma linha reta bem delineada e obedecida.

Com isso , somos obrigados a nos dissociar , a recusar o que em nossas apreciações parece condenável , como desautorizando seu estatuto na ordem do Ser ,daí optamos então por uma experiência pequena, uma pequenez crônica perante o Criador , um pecador viciado em pecar e pedir perdão , a mesma hóstia que nos dá a senha para repetirmos tudo novamente.

Eis o que diz o Rabino Nilton Bonder em seu excelente livro  A alma imoral “ Na trilha da sobrevivência , a mesmice é o caminho curto , o mais simples , e que tem os custos mais elevados (longos)”

Não há extensões potenciais se a teimosia cronificar e se imbuir de certezas , e uma espiritualidade verdadeira nem de longe é caminho de certezas , antes pelo contrário , brota de tudo que nos deixa inseguros , com a difícil tarefa de não recuar pelo medo .

Tudo que se refere à coragem aqui , é um passo a mais em relação ao medo , já que não somos heróis , mas um andar tipo deambulante , onde a coragem nos incita e o medo procura nos retrair , é um passo dúbio , um tipo de alquimia onde o diferencial quem nos dá, é a alma .

É a alma em sua busca não substantiva, que nos livra dos apegos demasiados que entulham nossa mochila , e nos torna pesados demais , um peixe quase morto para não ser alvo fácil de pescadores hábeis , a morte como descompromisso de árdua tarefa de nascer de si.

Há aqueles que se entregando, entendem essa entrega como um gesto nobre, já que se tornarão comida para outros , impostura dos que fazem do bem uma renegação à tarefa de aprofundar , limam a superfície para parecer mais lustosa , como se a luz pudesse prescindir do escuro .

Não se aprofundam , adoram os ídolos de sua própria superfície , evitam se reconhecer pois não querem dar à vida a compreensão de uma viagem que prossegue e cujo entremeios funcionam como repousos de re-contratos ,optam a cada parada, por reaparelhar suas fantasias de chegada.

Se o Reino está em nós , andar é mudar , é se transformar , uma dura luta nas arenas do dia-a-dia , uma escuta que vinda das entranhas do interior , nos faz prestar atenção em tudo ao redor , o Universo Vivo pronto a nos dar o ensino que precisamos para não esmorecer .

Mas a consciência da estreiteza é fundamental , senão, não temos como reconhecer nossa angústia primordial que é estarmos submersos num mundo de relatividades perante nossos anseios absolutos oriundas das potências de nosso Ser , nossa alma que se recusa à falsas chegadas .

Um dia na flecha do tempo teremos o grande Encontro com o Criador , e talvez, neste dia sonhado pelos alquimistas, descubramos que tudo que queríamos , já estava aí desde sempre e que a dimensão supra da consciência só se fez onde, mesmo por pouco tempo ,quebramos os grilhões dessa tendência de prendermos a vida em nossas mesquinharias e nos deixemos mover por tudo que nos comove.

VALEU.

 

 

 

 

               

Há ou não inveja do pênis?