Em tempos de conexões ocultas onde o visível parece ser
apenas uma franja , um limite do olhar , somos tentados a perguntar sobra a
conexão da criatura com Criador , essa re-ligação que nos interroga , que nos
acompanha nos altos e baixos da vida , como se alguma reminiscência nos
lembrasse de algo sem dizer o que .
A imagem da Divindade vai mudando junto conosco , de tal
forma que desde à natureza até o fascínio dos astros , esse lençol brilhoso que
parece nos acobertar , temos imputações de sentido , como a busca de
significações mais próximas , mais efetivas , para o que ? Para o nosso viver ,
ou seja , quem quiser ver a Divindade há de vê-la na própria vida , lugar do
mais profundo Mistério.
Situados e alocados dentro dessa imanência até o fim , já
que nascemos , vamos nesse grande e difícil exercício do viver , intimados pelo
corpo em suas urgências e reposições constantes , sentimos a força da carne com
seu preciosismo e exigências . Ao mesmo tempo , vamos além , vamos passeando
pelo Além , já que nos é insuportável o cheiro único da carne , quando muito
perto.
Nosso frescor , o frescor de nossa vida depende disso , de
podermos nos ausentar , de sair e poder voltar , pois esse movimento é o único
que nossa alma reconhece , já que qualquer confinamento nos faz faltar o ar.
Na verdade, precisamos de Deus enquanto não o reconhecemos ,
esta orfandade que nos remete ao desamparo , já que nossa capacidade mental é
mínima perante tanto mistério , como se nossa ignorância nos oprimisse e nos
fixasse a endereços , que apesar de parciais não nos deixam nus .
Mas ao olhar a vida , vemos tudo .
Todo compasso orquestrado do oculto , todo seu esplendor a
cada dia , principalmente na devolução virginal dos dias , únicos e
irretornáveis , um movimento incansável de recomeços , e diga-se , com todo
cenário fascinante que essa Deusa do Amor-Natureza não se cansa de nos oferecer
, eis nossa lição comprometida , única maneira de ver Deus se vendo.
Talvez pra isso precisemos ficar ateus , tirarmos molduras
estabelecidas , crenças estereotipadas , nada enquadres forçados ou
concordâncias submissas , precisamos de vigor , de fôlego , da alegria de quem
se propõe a explorar para vivermos o êxtase das pequenas descobertas .
Depois de todas imagens impostas e sincrônicas à nossa
sugestionabilidade , precisamos perder o medo de todas inquisições que só fazem
repetir e ameaçar , é preciso descobrir à vida como uma grande celebração , um
estar feliz por existir e participar , nosso lugar único e indispensável.
Alçar o verdadeiro valor espiritual , que ninguém pode nos
tirar porque também não nos foi dado , é preciso conquistá-lo . Um pouco a cada
dia , o frescor da evolução que nos abençoa , nos conclamando a seguir ,
afrouxando o rigor severo que endurecem às imperfeições , e nos tornando
aprendizes reverentes e dedicados do Vivo , ou seja , do que não quer viver pra
morte , essa sonolência que nos demencia e nos seduz.
Deus vive na vida , e por isso é para os Vivos , um sentido
maior da existência que nada tem haver com refúgios ou covardias como querem
alguns críticos da religião ,nem com espertos que vendem suas canalhices ,
prometendo aos cegos o que eles mesmos não vêem .
Nada disso serve, tudo efêmero , pois não são com esses
emaranhados que conseguimos andar , e nada pode nos poupar da tarefa de seguir
, a não ser quando vendemos nossa alma em troca do descompromisso , um crime
grave que nos condenará a pior miséria , a miséria do espírito .
Todo criado e toda criatura tem compromisso com seu Ser ,
com seu brilho , com seu aprendizado , uma singularidade que é ímpar que requer
o próprio caminho , seu vôo , seu desprendimento de significações apriori , em
geral autoritárias ou omissas .
Não se pode ver o Reino de Deus em si estando morto , é
impossível , porque Deus é vida a todo tempo , o que faz com que muitos achem a
vida insuportável , é vida demais .
Busca-se um modo de diminuir a vida , ou de se esconder dela
, ou tentando desistir ou fazendo de conta que se está vivo , uma caricatura
que faz da vida um jogo de performance para os bonzinhos , aqueles que por medo
não se revoltam, e aparentam se submeter sem se sujar no jogo , pois estão a
margem.
Impostores , vivem na ante-sala com opiniões sobre tudo , em
geral, esclerosadas por falta de testemunho verdadeiro , ensinam sem aprender ,
promovem espetáculos sem causa , como dizia Proust , uma praga nesses tempos
confusos .
Mas tudo requer coragem ,e não há coragem pra quebrar a
casca dura se não se acreditar que o melhor virá do próprio esforço , uma
partenogênese de si , um esforço por nascer de si , do seu desejo maior , o
encanto orgástico da própria redenção .
Nesse sentido Deus é essa chamada para o a-mais , função que
modernamente alocamos no desejo , como um mais-gozar , sem enfatizar que todo
desejo tem seu preço , às vezes maior do que podemos pagar.
No entanto , a maior dificuldade , é que não podemos ver
Deus na ótica de nossas conveniências , aqui o esforço é outro, ou seja ,
não se trata de fazermos reduções
arrogantes ao quadro de nossas crenças ou opiniões , uma pasteurização do gozo
em função do correto , o puro medo de perdermos nosso lugar no Céu .
Não, é o insuportável do correto que nos induz à projeção do
Divino como proteção , dando margem a que essa operação seja vista como
infantil , como em Freud por exemplo ,como se o correto pudesse ser uma linha
reta bem delineada e obedecida.
Com isso , somos obrigados a nos dissociar , a recusar o que
em nossas apreciações parece condenável , como desautorizando seu estatuto na
ordem do Ser ,daí optamos então por uma experiência pequena, uma pequenez
crônica perante o Criador , um pecador viciado em pecar e pedir perdão , a
mesma hóstia que nos dá a senha para repetirmos tudo novamente.
Eis o que diz o Rabino Nilton Bonder em seu excelente
livro A alma imoral “ Na trilha da
sobrevivência , a mesmice é o caminho curto , o mais simples , e que tem os
custos mais elevados (longos)”
Não há extensões potenciais se a teimosia cronificar e se
imbuir de certezas , e uma espiritualidade verdadeira nem de longe é caminho de
certezas , antes pelo contrário , brota de tudo que nos deixa inseguros , com a
difícil tarefa de não recuar pelo medo .
Tudo que se refere à coragem aqui , é um passo a mais em
relação ao medo , já que não somos heróis , mas um andar tipo deambulante ,
onde a coragem nos incita e o medo procura nos retrair , é um passo dúbio , um
tipo de alquimia onde o diferencial quem nos dá, é a alma .
É a alma em sua busca não substantiva, que nos livra dos
apegos demasiados que entulham nossa mochila , e nos torna pesados demais , um
peixe quase morto para não ser alvo fácil de pescadores hábeis , a morte como
descompromisso de árdua tarefa de nascer de si.
Há aqueles que se entregando, entendem essa entrega como um
gesto nobre, já que se tornarão comida para outros , impostura dos que fazem do
bem uma renegação à tarefa de aprofundar , limam a superfície para parecer mais
lustosa , como se a luz pudesse prescindir do escuro .
Não se aprofundam , adoram os ídolos de sua própria
superfície , evitam se reconhecer pois não querem dar à vida a compreensão de
uma viagem que prossegue e cujo entremeios funcionam como repousos de
re-contratos ,optam a cada parada, por reaparelhar suas fantasias de chegada.
Se o Reino está em nós , andar é mudar , é se transformar ,
uma dura luta nas arenas do dia-a-dia , uma escuta que vinda das entranhas do
interior , nos faz prestar atenção em tudo ao redor , o Universo Vivo pronto a
nos dar o ensino que precisamos para não esmorecer .
Mas a consciência da estreiteza é fundamental , senão, não
temos como reconhecer nossa angústia primordial que é estarmos submersos num
mundo de relatividades perante nossos anseios absolutos oriundas das potências
de nosso Ser , nossa alma que se recusa à falsas chegadas .
Um dia na flecha do tempo teremos o grande Encontro com o
Criador , e talvez, neste dia sonhado pelos alquimistas, descubramos que tudo
que queríamos , já estava aí desde sempre e que a dimensão supra da consciência
só se fez onde, mesmo por pouco tempo ,quebramos os grilhões dessa tendência de
prendermos a vida em nossas mesquinharias e nos deixemos mover por tudo que nos
comove.
VALEU.