19.8.12

Sem tristeza não se chega no fundo , no pró-fundo .




Escrito ao som de Adele , a triste que encanta o mundo


É curioso como nossas dores maiores parecem penetrar no mundo , tudo dói em tudo , a memória parece fazer uma cumplicidade com todos os ínfimos detalhes , até mesmo aqueles que nunca sequer nos importaram ,e agora tudo é ,uma opacidade, onde as paredes, por não conseguirem conter o clamor, o faz deslizar.

Deslize onde tudo se repassa sem piedade , como se merecessemos passar pelo que estamos passando , não exatamente por castigo , mas como abertura para outros estados, onde a alma enfrenta o profundo , uma tarefa que parece pertencer à sua vocação .

A principio , uma vocação maldita , que arrasa o bem-estar costumeiro , esse nirvana sintomático do cotidiano , onde descansamos nossas vidas e temos um senso de continuidade consigo mesmo, sem grandes saculejos ou empurrões desnecessários .

Nossas ficções de amor são caprichosamente trabalhada nesses lugares , pois não pensamos no amor como um furacão , mas como um vento-a-favor , uma reiteração melhorada do que já temos ou do que podemos acrescentar , mas sem grandes saculejos ou empurrões desnecessários.

Eis que numa conjunção ou disjunção cósmica qualquer algo se rompe , e sem nos consultar nos faz viver dores que não pedimos , nos dando o gosto terrível da impotência , o apagamento de todos objetos e fetiches da magia , onde o encanto acabou , simples assim .

Acostumados a sermos o centro do universo não-Copernicano , que veio nos chatear , fomos des-centrados , jogados para laterais ou para os barrancos que nos fazem rolar , machucados que ardem no ato e no tratamento .

Uma impressão profunda que perdemos , que não teremos mais , que misturada a idéia que talvez não tenhamos aproveitado tudo , só agrava nosso rasgo , um sulco no centro da alma que se parte, uma viagem ao fundo , que curiosamente nos arrasa , nos tira o raso.

Vazados , somos despossuídos , uma contra-mão de quem se preparou e foi preparado para possuir,a mão que mesmo contra, se abre para deixar de fato o que já não pode manter, uma sentença feita à fantasia de tentar salvar o que já não é possível.

Ah ! que dor , eis o nosso brado emudecido , de pouco alcance às palavras , somos empurrados com saculejos de todos afetos envolvidos , parece que nosso valor foi o maior blefe vivido , uma mentira que não resistiu aos ataques do que se foi .

O que se foi , foi levando em nós o que nos era mais caro , o que tinhamos de mais caprichado , e ele sim tem valor , o valor de nos fazer sentir uma merda , a vitória escatológica que nos arrebata como um guerreiro que lutou , lutou , mas não resistiu à dor do que lhe foi tirado.

Toda nossa rotina de si foi alterada , pois a vida já não acompanha nossas intenções, que mal sabemos quais são , até pensar em morrer faz parte, nosso senso de preservação se altera, pois , já não sabemos se queremos se manter , pois vem a cruel pergunta; se manter pra que?

Nossa alma parece ter ido embora , nos largou sózinhos e sem nenhuma inspiração maior , um corpo sem metafísica , um pensamento sem corpo , um monismo apagado e um dualismo sem ligação , ah! quanta tristeza!

Tudo parece se dirigir para o fundo , que tal como nos sonhos não tem base, e nos faz tremer com a idéia de continuar caindo sem parar , ou mesmo de ter que se agarrar aquele galhozinho magro na lateral e passarmos ali a vida inteira com medo de despencar.

Nesse momento, constatamos que nossa vida pertence à uma certa altura , que já galgamos muitas coisas e subimos vários degraus ,e cair ou despencar é contrário a tudo isso , somos anti-gravitacionais , não queremos ficar presos , sentimos falta radical de nossa cidadania nas alturas.

O tempo e nossa força de aceitação e elaboração vem a nosso favor , precisamos voltar a existir , desconfiamos que somos uma peça que fará falta no tabuleiro , que precisamos continuar , nos recuperar do golpe duro e dificil , juntar o que nos restou e aos poucos levantar .

Somos seres de desafios e mesmo combalidos , em algum nível , voltamos timidamente a nos querer de novo , reequacionamos o valor do que se foi , estimando se foi um ato do destino ou uma decisão pessoal , ou seja , se o que perdemos foi pela parte do destino ou se foi por decisão de alguém.

Esse modo de compreender tem fortes influencias em nossa forma de re-considerar e é decisivo na ordenação de nossas forças, e sem ter em conta casos mais graves , nos ajuda muito em transformar dor em aprendizado .

Mas para isso é preciso deixar a tristeza viver , entrar em seus estados d`alma , seus cenários e labirintos , até que aos poucos como uma bela mestra até então escondida , começamos a perceber o quanto estamos mudando e pensando o que tinhamos medo até de chegar perto.

Um novo fluxo vai se desvelando e atualizando nossa energia , nos dando uma nova consciencia das recusas , da surdez, das carencias , das submissões forçadas por medo de deixar ir, do nosso "eu" pequeno e arrogante , especializado em estratégias desde cedo e que com isso nos dificultou poder se ver , um pouco mais nú , um pouco mais crú.

Descobrimos que somos filhos das polaridades e negar isso é forçar uma filiação que não se mantém , somos dialéticos , um tanto assim como assado , tanto direitos como tortos , ternos e agressivos , nobres e plebeus , e descobrir isso sem mal-dizer, é uma experiência que nos deixa felizes, pois percebemos que lutamos muito para sermos aceitos.

Mudamos a relação com a alteridade , pois o outro não é mais dono , e eu não vou mais brincar de acordos que não ratifico , um surto de sinceridade que convoca toda coragem que jamais tive.

Vejo o quanto minhas tristezas me são necessárias como antídoto contra o superficialismo sem alma , essa cumplicidade coletiva que me obriga a ser personagem de textos que não me reconheço , ah " minha alma o quanto te preciso , o quanto é você o meu mistério , o eterno devir dos meus altos e baixos , a grande companheira de uma jornada dificil e longa, é com você que sigo , pois sei que eu e você , você e eu , nos precisamos .

Mesmo que eu caia , sei que você luta pra me levantar , que eu erre e você luta pra eu acertar , que eu sinta o fim e você me propõe o recomeço , que me soergue dos vales escuros e me conforta com um pouco de luz , que me salvaguarda das ilusões de superficie me dando a dor que me aprofunda , pois tenho aprendido que é lá que você mora.

Como não tenho imunidade , passarei pelas dores do mundo e espero com a maior dignidade possível , já que ouço os choros ao redor e me comove o coração apertado, mas vivo porque sei que só quem está vivo pode sofrer e levantar, afinal , estamos numa escola, dizem os sábios , e como aluno me resta aprender e bem o que me ensinam e por isso , não me recuso à tristeza , pois sei o valor de suas matérias.

Há ou não inveja do pênis?