Escrito ao som de Adele , a triste que encanta o mundo
É curioso como nossas dores maiores parecem penetrar no mundo , tudo dói
em tudo , a memória parece fazer uma cumplicidade com todos os ínfimos detalhes
, até mesmo aqueles que nunca sequer nos importaram ,e agora tudo é ,uma
opacidade, onde as paredes, por não conseguirem conter o clamor, o faz
deslizar.
Deslize onde tudo se repassa sem piedade , como se merecessemos passar
pelo que estamos passando , não exatamente por castigo , mas como abertura para
outros estados, onde a alma enfrenta o profundo , uma tarefa que parece
pertencer à sua vocação .
A principio , uma vocação maldita , que arrasa o bem-estar costumeiro ,
esse nirvana sintomático do cotidiano , onde descansamos nossas vidas e temos
um senso de continuidade consigo mesmo, sem grandes saculejos ou empurrões
desnecessários .
Nossas ficções de amor são caprichosamente trabalhada nesses lugares ,
pois não pensamos no amor como um furacão , mas como um vento-a-favor , uma
reiteração melhorada do que já temos ou do que podemos acrescentar , mas sem
grandes saculejos ou empurrões desnecessários.
Eis que numa conjunção ou disjunção cósmica qualquer algo se rompe , e
sem nos consultar nos faz viver dores que não pedimos , nos dando o gosto
terrível da impotência , o apagamento de todos objetos e fetiches da magia ,
onde o encanto acabou , simples assim .
Acostumados a sermos o centro do universo não-Copernicano , que veio nos
chatear , fomos des-centrados , jogados para laterais ou para os barrancos que
nos fazem rolar , machucados que ardem no ato e no tratamento .
Uma impressão profunda que perdemos , que não teremos mais , que
misturada a idéia que talvez não tenhamos aproveitado tudo , só agrava nosso
rasgo , um sulco no centro da alma que se parte, uma viagem ao fundo , que
curiosamente nos arrasa , nos tira o raso.
Vazados , somos despossuídos , uma contra-mão de quem se preparou e foi
preparado para possuir,a mão que mesmo contra, se abre para deixar de fato o
que já não pode manter, uma sentença feita à fantasia de tentar salvar o que já
não é possível.
Ah ! que dor , eis o nosso brado emudecido , de pouco alcance às
palavras , somos empurrados com saculejos de todos afetos envolvidos , parece
que nosso valor foi o maior blefe vivido , uma mentira que não resistiu aos
ataques do que se foi .
O que se foi , foi levando em nós o que nos era mais caro , o que
tinhamos de mais caprichado , e ele sim tem valor , o valor de nos fazer sentir
uma merda , a vitória escatológica que nos arrebata como um guerreiro que lutou
, lutou , mas não resistiu à dor do que lhe foi tirado.
Toda nossa rotina de si foi alterada , pois a vida já não acompanha
nossas intenções, que mal sabemos quais são , até pensar em morrer faz parte,
nosso senso de preservação se altera, pois , já não sabemos se queremos se
manter , pois vem a cruel pergunta; se manter pra que?
Nossa alma parece ter ido embora , nos largou sózinhos e sem nenhuma
inspiração maior , um corpo sem metafísica , um pensamento sem corpo , um
monismo apagado e um dualismo sem ligação , ah! quanta tristeza!
Tudo parece se dirigir para o fundo , que tal como nos sonhos não tem
base, e nos faz tremer com a idéia de continuar caindo sem parar , ou mesmo de
ter que se agarrar aquele galhozinho magro na lateral e passarmos ali a vida
inteira com medo de despencar.
Nesse momento, constatamos que nossa vida pertence à uma certa altura ,
que já galgamos muitas coisas e subimos vários degraus ,e cair ou despencar é
contrário a tudo isso , somos anti-gravitacionais , não queremos ficar presos ,
sentimos falta radical de nossa cidadania nas alturas.
O tempo e nossa força de aceitação e elaboração vem a nosso favor ,
precisamos voltar a existir , desconfiamos que somos uma peça que fará falta no
tabuleiro , que precisamos continuar , nos recuperar do golpe duro e dificil ,
juntar o que nos restou e aos poucos levantar .
Somos seres de desafios e mesmo combalidos , em algum nível , voltamos
timidamente a nos querer de novo , reequacionamos o valor do que se foi ,
estimando se foi um ato do destino ou uma decisão pessoal , ou seja , se o que
perdemos foi pela parte do destino ou se foi por decisão de alguém.
Esse modo de compreender tem fortes influencias em nossa forma de
re-considerar e é decisivo na ordenação de nossas forças, e sem ter em conta
casos mais graves , nos ajuda muito em transformar dor em aprendizado .
Mas para isso é preciso deixar a tristeza viver , entrar em seus estados
d`alma , seus cenários e labirintos , até que aos poucos como uma bela mestra
até então escondida , começamos a perceber o quanto estamos mudando e pensando
o que tinhamos medo até de chegar perto.
Um novo fluxo vai se desvelando e atualizando nossa energia , nos dando
uma nova consciencia das recusas , da surdez, das carencias , das submissões
forçadas por medo de deixar ir, do nosso "eu" pequeno e arrogante ,
especializado em estratégias desde cedo e que com isso nos dificultou poder se
ver , um pouco mais nú , um pouco mais crú.
Descobrimos que somos filhos das polaridades e negar isso é forçar uma
filiação que não se mantém , somos dialéticos , um tanto assim como assado ,
tanto direitos como tortos , ternos e agressivos , nobres e plebeus , e
descobrir isso sem mal-dizer, é uma experiência que nos deixa felizes, pois
percebemos que lutamos muito para sermos aceitos.
Mudamos a relação com a alteridade , pois o outro não é mais dono , e eu
não vou mais brincar de acordos que não ratifico , um surto de sinceridade que
convoca toda coragem que jamais tive.
Vejo o quanto minhas tristezas me são necessárias como antídoto contra o
superficialismo sem alma , essa cumplicidade coletiva que me obriga a ser
personagem de textos que não me reconheço , ah " minha alma o quanto te
preciso , o quanto é você o meu mistério , o eterno devir dos meus altos e
baixos , a grande companheira de uma jornada dificil e longa, é com você que
sigo , pois sei que eu e você , você e eu , nos precisamos .
Mesmo que eu caia , sei que você luta pra me levantar , que eu erre e
você luta pra eu acertar , que eu sinta o fim e você me propõe o recomeço , que
me soergue dos vales escuros e me conforta com um pouco de luz , que me
salvaguarda das ilusões de superficie me dando a dor que me aprofunda , pois
tenho aprendido que é lá que você mora.
Como não tenho imunidade , passarei pelas dores do mundo e espero com a
maior dignidade possível , já que ouço os choros ao redor e me comove o coração
apertado, mas vivo porque sei que só quem está vivo pode sofrer e levantar,
afinal , estamos numa escola, dizem os sábios , e como aluno me resta aprender
e bem o que me ensinam e por isso , não me recuso à tristeza , pois sei o valor
de suas matérias.
Tristeza e dor. Momentos que, por mais breves que se apresentem, não dispensam suas profundidades.
ResponderExcluirDizem por aí que nós, no estágio evolutivo em que nos encontramos, carecemos desse fatores impulsionadores do crescimento uma vez que, somos demasiados acostumados na superficialidade e nos distraímos nos momentos em que o vento sopra a favor. Bem, quanto a nossa tendência a largar o leme do barco em tempos de calmaria não tenho grandes dúvidas não pois, no mais das vezes, relaxamos mesmo,
Mas quanto ao aprofundamento e crescimento quando sopra a tristeza e a dor penso que há controvérsias. Acho que vai muito da consciência de cada um em relação à própria evolução. Não são poucas as vezes em que vemos acirrarem-se ódios e despertarem monstros quando chegam a contrariedade e a dor. A tristeza transfigura-se num monstro impiedoso e insaciável. É assustador. Mas como vivemos dentre tantas diversidades... o bom observador aprende também com a dor alheia, seja qual for a reação de quem a sente.
Pois então, tristeza, dor e aprofundamento talvez sejam uma tríade inseparável e inexorável para cada um de nós. Seremos alcançados mais dia menos dia, e se tivermos consciência e firmeza espiritual tanto melhor para os nossos corações.
Mas o que dói e por que dói? Dói porque é diverso do que esperamo, porque o desejo é contrariado; dói porque queremos uma segurança que nunca teremos e poque não podemos controlar a vida conforme gostaríamos. Aliás, não temos controle nem sobre nós mesmos e nossas emoções pois, mesmo sabendo (racionalmente) de tudo isso a tristeza nos derruba, a dor nos devasta, a impotência nos aniquila e nós, por desespero, por birra com a Mãe Vida que não se importa com nossos caprichos e não se comove com nosso espernear, ficamos clamando à Morte que venha nos socorrer e nos leve, nem sabemos nós pra onde, mas pra qualquer lugar onde estejamos a salvo da nossa arrogância, do nosso orgulho, da nossa vaidade, como se pudéssemos ir a algum lugar fora de nós mesmos.
Ninguém está a salvo. Meu consolo e crer que nada é em vão e que um dia eu aprendo..