“ Se lembra quando a gente
Chegou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que pra sempre
Sempre acaba “
Em tudo ele lá está : O tempo
Uma figura incrível , que perpassa os saberes e os dizeres ,
que obriga a ciência ao que não sabe , que oferece ausência aos poetas , que
mostra o início e o fim , que nos dá a musicalidade dos acontecimentos e as
recordações do bom e do mau em tudo que vivemos .
Deus temido na mitologia , Cronos tem a chave do profundo ,
que associado `a escuridão sempre fez tremer os homens , uma suspeita
irrecusável de que esse profundo é o portal do Mistério que nos sonda.
A flexibilidade das mãos orquestra o tempo , pois tanto
fecha para conter , como se abre para largar , linguagem única do tempo que nos
dá o apego e nos obriga a deixar , exercício perene que ao ser renegado , só
nos faz sofrer .
Saudades e memórias se unem e sucumbem , nos trás as
lágrimas dos lençóis subterrâneos , a impotência do desejo de fazer permanecer
quando Cronos decide o término , pois, afinal , tudo envelhece , ou seja , a
tudo foi concedido o tempo para ser e
para des-ser , um neologismo que na carne pode nos tornar melancólicos .
Temos saudades incríveis do que não sabemos , uma antítese
vinculativa aos objetos palpáveis, como se pertencêssemos a um mundo não tão concreto , um mundo onde a
linguagem corrente é banal demais , um mundo de um sentir , de um pertencer
desmaterializado , tão sutil que nos refugia na solidão do indiscernível.
O tempo mata e nos faz viver , pois relativiza o concreto e
dá ao eterno um semblante vazio e ao mesmo tempo pleno , uma plenitude que nos permite colocar
nossos sonhos e desejos de reencontros com tudo que amamos , nos faz acreditar
que um dia tudo que perdemos poderá nos reencontrar .
É como se fosse um grande exercício cósmico , onde nossas
experiências se tornam registros de um belo patrimônio espiritual , onde não se
faz necessário levar a carcaça , mas apenas as notas que ao executarem suas
melodias nos remete, e lá estamos novamente.
Quando conhecemos uma pessoa, por exemplo , esse estranho
processo assim se faz, pois a levamos conosco num pra dentro só nosso , onde
podemos vestí-la ou despí-la variando as
cores e escolhendo a música que nos convém .
Essa magia que desfaz o automatismo é a beleza e a dor da
vida , o modo como subvertemos o tempo e reconhecemos seu poder , o modo como
nos apropriamos de tudo pelo sabor do desejo, e da mesma forma, como temos que
soltar o que só possuímos transitoriamente.
Eis uma emblemática questão que tocou Freud em seu artigo
sobre transitoriedade , o valor do efêmero , sem o qual nada teria graça
imediata , já que sem transcendência não há esperança , pois vivemos da alegria
dos sentidos , ou seja, “o que me move é que me comove” dizia M.D.Magno em seus
seminários no Colégio Freudiano .
Essa invisibilidade do tempo é sábia , pois é como se
fossemos “ aos poucos” , um giro meio sem roda , uma alteração sem tanto
sobressalto , o que nos faz correr atrás das maquiagens , esse
ingênuo esconderijo que nos dá a sensação de adiamento , que minimiza o espanto
, mas que não nos dá imunidade , ou seja , a sentença é para todos .
Nascer e morrer, juram os ocultistas, são facetas do mesmo
processo , o ômega e o alfa , que só nos faz achar tudo mais difícil ainda ,
pois dizem que não há fim , pois sequer início houve.
Pra nós do vulgo , que não fazemos outra coisa senão sofrer
do que termina e nem vemos o que é está começando , talvez estejamos mais próximos
dos poetas , os que conseguem tirar da ausência um gosto especial , vamos
poetando a lá Manoel de Barros , ou fazendo dessa saudade do nada o gosto do
tudo.
A música, por exemplo , dizia Adriana Calcanhoto , compassa
o sentido do tempo , referindo-se ao seu encarne cotidiano , essa consecução de
tarefas sequenciais que molda a vida e
nos faz acreditar que assim é , ou assim é que é , onde entre solilóquios
onipresentes , essa maneira pela qual sonorizamos nossos pensamentos sem que
ninguém nos ouça, sofremos nossas afetações , nosso Pathos , como dizia
Spinoza.
É justo nesse espaço onde o outro não penetra que sofremos
do tempo de forma inconfessa , nossas mazelas que resguardamos do tribunal
social , nossas angústias de estar indo sem saber pra onde , o gosto do que se
foi e ao mesmo tempo permanece , uma busca dos modos compartilhados e a solidão
do próprio destino , uma estar sozinho sem queixas ou acusações.
Essa servidão involuntária , não nos deixa alternativa , ou
é ou é , um tipo de imperativo que não se faz menos categórico pelo fato de ser
menos autoritário, é como se pudéssemos nadar como peixes com a sensação de
liberdade , embora estando dentro de um lago , da qual não podemos sair .
Curioso, é que ao se dar conta disso, Camus afirma que a
única questão válida na filosofia é o suicídio , ou seja, a vida faz sentido?
Se o tempo é Senhor, e Cronos era muito parecido com a Morte
, o que nos resta ?
Viver , logo se diz . Mas viver pra que ? argumenta Camus , que de certa forma encontra
em Cioran certa parceria , já pra esse filósofo búlgaro , a vida encontra
sentido em suas próprias amarguras.
E nós ? não tão cultos , não tão profundos , talvez mais
sorridentes e chorões , vivemos nossa vida como um culto cotidiano cheio de
conteúdos que vamos triando para ampliar nosso gozo , razão da vida para alguns
, esse hedonismo, que hoje de tão metonímico , ficou histérico fazendo
recrudescer em nós um vazio, que pós-modernidade tratou de elevar aos novos
modos de ser , a nossa liberdade escolher o que for , um direito ao mau –gosto
, pura e simplesmente assim.
Mas a vida não para e nem o tempo , diz Cazuza . Tudo gira e
vai girando e segundo um iniciado mor “ não tem dó dessa matéria , diz Mestre
Irineu .
As saudades gritam seus clamores e apegos , as lágrimas os
lamentos do que se foi , um grito espremido entre o passado e o viver do
presente , essa imanência que uma vez nós , sempre nós , tal como o ditado
espanhol “ Porque justo a mim me coube ser eu?
Às vezes, temos pena da gente mesmo , um direito justo se
não for exagerado , “O que Deus quer de nós dizia Jung , em suas reflexões
angustiantes perante o Mistério e a onipresença da dor psíquica ,a dor que não
dispensa o sentido do viver ou do morrer.
Então o que nos resta , mais uma vez perguntando ?
Ir , redefinindo a descrição de nós como peregrinos , os que
vivem dentro do tempo , buscando sua intimidade , para que ele o tempo, nos
ensine o que de fora não temos como aprender , o que nossas fronteiras
maculadas e doutrinárias cegam o alcance , e talvez assim tenhamos com o futuro
uma relação de amor onde nossos objetos não sejam tão substantivos.
Esse parece ser o espírito da gratidão , que já habita o
futuro , pois embora tudo passando materialmente, nem por isso deixa de
reconhecer o valor do que recebeu , a intenção e a qualidade do que foi
oferecido , a inscrição do gesto nas alturas , lá onde os homens colocaram o
Céu .
O Céu enquanto metáfora das alturas do cotidiano , que tão
cheio de vícios e conteúdos nos asfixia , nos torna duros e exigentes , nos faz
engolir o choro abençoado de nossas lágrimas tão conexas e íntegras e também da
alegria tão verdadeira de nossas celebrações .
A vida como celebração da alegria do existir e da reverência
profunda à dor que nos ensina e nos irmana , apesar do nosso narcisismo falido
insistir que só o Eu é a plataforma , o atraso em relação aos que já não
precisam tanto defender , pois menos compulsivos na redução mental de fazer da
vida uma onipotente contenção entre as quatro paredes de si mesmo.
VALEU
Valeu!!!!!!!!Nosso filósofo.
ResponderExcluirO Grupo Adonis agradece.