Ivan , o terrível era ruim pra diabo . O homem matou o filho
e mais quem decidisse , inclusive o arquiteto que construiu a Catedral de
S.Basílio , justo para não construírem outra igual .
Sua foto é apavorante e matar era parte de suas estratégias
de poder , e acabou louco , morrendo numa disputa de beber vodca , única e
definitiva derrota segundo dizem.
Mas o Ivan , o meu Ivan , a quem presto homenagem também
tinha fama , mas outra , fama de perigoso , justamente por ser louco . Vivia
sentado quase todo dia na porta do depósito de coco , falando um dialeto
sinistro e emitindo grunhidos , alheio aos olhares, que medrosos passavam
distantes e rápidos.
O detalhe é que em cima de sua casa que ficava rente ao
depósito morava Nina , criatura pela qual Ivan se apaixonou de forma estranha ,
como não podia deixar de ser .
Uma noite Nina passou mal ,e tinha eu ir para o hospital já
à noite , ao perceber movimentos na casa daquela Ivan se aproximou e viu os
enfermeiros retirando-a na maca para por na ambulância .
Foi o que bastou . Ivan sei lá o que indecifrou e saiu dando
bolacha em todo mundo , para pavor geral , inclusive da Nina que por pouco não
morreu do coração .
A esta altura Nina ficou secundaria , já que conter Ivan
passou a ser a obrigação de todos ,e toma-lhe de bolachas , o homem era brabo
pra chuchu , uma gritaria geral e ... policia , ufa! até que enfim ,e lá vai
Ivan o apaixonado contido em seus protestos , deixando um legado de olhos roxos
e nervos abaladíssimos , uma prova de amor que ninguém mais gostaria de
testemunhar.
Mas curiosamente , Ivan já fazia parte do cenário e sua
falta era sentida , e a molecada
denunciava assim : cade o Ivan? Tu viu ontem o que aconteceu? O cara ficou
maluco... e as mães proibindo aproximações , o que tornava Ivan mais excitante
ainda .
Se aproximar Ivan era um teste de masculinidade tribal e
incontinencia urinaria , coisa que
ninguém fazia , a não ser de longe , distancia resguardada para se sair em
disparada ao menor espirro de Ivan .
Mas eis que um dia a vida promove uma estranha prova de
admissão psiquiátrica ao ar livre , o que seria uma marca virginal , preludio
de todas as outras que viriam depois , de todos Ivans que encontraria em meu
trabalho clinico em Hospital Psiquiátrico .
Deixe-me explicar melhor .
A tal casa que Ivan morava com sua mãe sisuda , era de seu
irmão , dono do botequim da esquina , e tinha um quintal razoável com mangas e
uvas que impressionavam a boca .
Havia dois amigos que moravam justo numa vila de poucas
casas , vizinha de Ivan , separada por um muro alto pra ocasião acrescido do
diabo do arame farpado , encaracolado com as piores intenções assassinas , pelo
menos pra nós que tínhamos também a piores intenções de pular e roubar tudo .
Manhã de sol , nada a fazer e resolvemos olhar o quintal
e...... lá estavam todas , uma festa romana , digna do Deus Baco , uvas
excelentes prontinhas para serem chupadas com carinho e dedicação e de graça ,
um presente da natureza contra propriedade privada dos homens .
Bom, a ocasião faz o ladrão , que por sua vez , louva à
ocasião .
O problema é que um pouco mais a direita sentado na porta de
sua casa , lá estava ele , Ivan o quase terrível , pronto para nos assar , estuprar,
ou qualquer coisa assassina , que faria de nosso ato inocente uma tragédia
digna dos jornais .
“Meninos encontrados mortos sob cachos de uvas , ou “
Entupidos de uvas , meninos morrem apenas com folhas de parreiras nos genitais
“,o fato era que nossas fantasias eram mortais e ninguém dali sairia vivo .
Mas por outro lado , por essa estranha atração do sinistro
que congestiona o transito de um lado em dia de acidente na pista contraria ,
permanecíamos firmes e pra não ficarmos completamente extáticos pelo pavor ,
resolvemos nos desafiar e alguém possuído pelo capeta diz” duvido alguém
pular?.
É impossível descrever o que se passa nessas ocasiões ,e só
mesmo o prazer de ser viril de forma consagrada através de façanhas que
possivelmente matou muita gente, é que explica não só alguém propor , como
também alguém aceitar .
Silêncio gélido , ânus contraidíssimo e ..... aceitei .
Minha alma se esvaiu e eu não podia acreditar no que tinha
dito , e recuar seria o massacre , talvez, moralmente pior do que eu imaginava
vir assim que pulasse.
Agora a brincadeira era outra , ou seja , desafiar ....
quero ver se tu é macho mesmo ?
Não, não sou , nunca fui e não serei , mas era tarde para
confissões íntimas , e a única coisa que me ocorreu , foi olhar para Ivan
impávido e atento, e dizer sofregamente : Posso pegar uva?
Lembro o quanto torcer é um ato mágico e aleatório , pois
torci muito pra ele dizer grosseiramente que não , mas qual não foi nossa
surpresa , quando ele monotonamente disse “pule”.
Decreto assinado , morte certa me despedi de todos que por
sua vez ficaram mudos , confirmando o perigo da façanha , já que o arame não
permitiria fugas , o suficiente para um infanticídio rápido e sem revides ,
pois passei pelos arames antipáticos pensando na Nina , Ah! Meu Deus ,e se ele
me achasse jeitosinho , meio parecido com a Nina , delírios alucinatórios
alteram a senso-percepção e o juízo de realidade .
Quer dizer , ações que só os sem juízos praticam .
Silenciosamente me despedi de minha mãe , tão boa , meu pai
, um funeral rápido pois tinha conseguido me livrar dos arames e pimba ... lá
estava eu .... e Ivan , que assim que pulei se levantou e veio ao meu encontro.
Ver o Ivan na minha frente e tão intimo , senti que ali já
não havia mais o que fazer , eu um mínimo com um gigante tarado . Minha voz já
não podia contar com ela , meus amigos uma plateia romana e muda , esperando o
primeiro golpe pra cabeça despencar e eis que ouço , uma voz que já não sabia de
que mundo vinha “ sobe”.
Olhei e não acreditei , Ivan tinha se agachado e me
convidava a subir em suas costas para pegar as uvas no alto , um gesto humilde
de um homem enorme e apavorante até então .
Algo em mim mudou e obedeci submisso e até certo ponto ,
onde meus nervos permitiam, confiante .
Peguei as uvas triunfalmente e extremamente agradecido , um
dom que viria a exercer mais conscientemente depois, escolhendo os melhores
cachos com sua permissão e incentivo , e voltando ao chão cheio de reflexões ,
que plantavam ali naquele momento a trajetória que o destino , a quem agradeço
também, viria a me proporcionar no campo da Psiquiatria.
A loucura de perto , tão íntima, tão perigosa e tão humana
como qualquer outro gesto , as uvas generosas que me deram o grato prazer de
ser tocado tão fundo , por uma criatura que só fez me quebrar , e me alertar de
que além dos arames vivem os homens, que um dia podem não ter tido a chance de
oferecer as uvas de seu coração , pois foram rechaçados por aqueles que não ousaram
se aproximar de verdade.
Volto, fiz um comentário e ele desapareceu.
ResponderExcluirCoisas das hostes cibernéticas.
Repetindo.
Maravilha, Alex!
Meu amigo, texto e história deliciosos.
Palavras que um Rubem Braga assinaria.
Belas e carregadas de profunda emoção e humanismo.
Obrigado!
Carlinho Nascimento
Gostei dessa historia do Ivan! Dei boas risadas imaginando! Bjss
ResponderExcluirPensei nos ditados: "As aparências enganam", "Quem vê cara não vê coração"
ResponderExcluirUma beleza ter um episódio desse nas memórias da infância...
Um texto belo, simples e profundo.Gosto muito quando você me favorece a ler com o coração!
"Além dos arames", além de alguns grandes muros,existem também grandes homens... e nós? Por que não damos chances de receber as uvas, não facilitamos a comunicação mais verdadeira,a linguagem mais universal - a do coração?
Mandou bem para caracoles, vou respeitar e não vou falar palavrão. Gostei muito do texto. Quase perfeito! No meu entendimento. Ivan o Terrível foi um ótimo personagem, as metaforas, os quase palavrões. tudo de bom o texto.
ResponderExcluirAbraço forte.
Silêncio gélido , ânus contraidíssimo e ..... aceitei . kkkkk
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