15.1.13

Ivan , o quase terrível e a fábula das uvas .


 
 

Ivan , o terrível era ruim pra diabo . O homem matou o filho e mais quem decidisse , inclusive o arquiteto que construiu a Catedral de S.Basílio , justo para não construírem outra igual .

Sua foto é apavorante e matar era parte de suas estratégias de poder , e acabou louco , morrendo numa disputa de beber vodca , única e definitiva derrota segundo dizem.

Mas o Ivan , o meu Ivan , a quem presto homenagem também tinha fama , mas outra , fama de perigoso , justamente por ser louco . Vivia sentado quase todo dia na porta do depósito de coco , falando um dialeto sinistro e emitindo grunhidos , alheio aos olhares, que medrosos passavam distantes e rápidos.

O detalhe é que em cima de sua casa que ficava rente ao depósito morava Nina , criatura pela qual Ivan se apaixonou de forma estranha , como não podia deixar de ser .

Uma noite Nina passou mal ,e tinha eu ir para o hospital já à noite , ao perceber movimentos na casa daquela Ivan se aproximou e viu os enfermeiros retirando-a na maca para por na ambulância .

Foi o que bastou . Ivan sei lá o que indecifrou e saiu dando bolacha em todo mundo , para pavor geral , inclusive da Nina que por pouco não morreu do coração .

A esta altura Nina ficou secundaria , já que conter Ivan passou a ser a obrigação de todos ,e toma-lhe de bolachas , o homem era brabo pra chuchu , uma gritaria geral e ... policia , ufa! até que enfim ,e lá vai Ivan o apaixonado contido em seus protestos , deixando um legado de olhos roxos e nervos abaladíssimos , uma prova de amor que ninguém mais gostaria de testemunhar.

Mas curiosamente , Ivan já fazia parte do cenário e sua falta era sentida  , e a molecada denunciava assim : cade o Ivan? Tu viu ontem o que aconteceu? O cara ficou maluco... e as mães proibindo aproximações , o que tornava Ivan mais excitante ainda .

Se aproximar Ivan era um teste de masculinidade tribal e incontinencia urinaria ,  coisa que ninguém fazia , a não ser de longe , distancia resguardada para se sair em disparada ao menor espirro de Ivan .

Mas eis que um dia a vida promove uma estranha prova de admissão psiquiátrica ao ar livre , o que seria uma marca virginal , preludio de todas as outras que viriam depois , de todos Ivans que encontraria em meu trabalho clinico em Hospital Psiquiátrico .

Deixe-me explicar melhor .

A tal casa que Ivan morava com sua mãe sisuda , era de seu irmão , dono do botequim da esquina , e tinha um quintal razoável com mangas e uvas que impressionavam a boca .

Havia dois amigos que moravam justo numa vila de poucas casas , vizinha de Ivan , separada por um muro alto pra ocasião acrescido do diabo do arame farpado , encaracolado com as piores intenções assassinas , pelo menos pra nós que tínhamos também a piores intenções de pular e roubar tudo .

Manhã de sol , nada a fazer e resolvemos olhar o quintal e...... lá estavam todas , uma festa romana , digna do Deus Baco , uvas excelentes prontinhas para serem chupadas com carinho e dedicação e de graça , um presente da natureza contra propriedade privada dos homens .

Bom, a ocasião faz o ladrão , que por sua vez , louva à ocasião .

O problema é que um pouco mais a direita sentado na porta de sua casa , lá estava ele , Ivan o quase terrível , pronto para nos assar , estuprar, ou qualquer coisa assassina , que faria de nosso ato inocente uma tragédia digna dos jornais .

“Meninos encontrados mortos sob cachos de uvas , ou “ Entupidos de uvas , meninos morrem apenas com folhas de parreiras nos genitais “,o fato era que nossas fantasias eram mortais e ninguém dali sairia vivo .

Mas por outro lado , por essa estranha atração do sinistro que congestiona o transito de um lado em dia de acidente na pista contraria , permanecíamos firmes e pra não ficarmos completamente extáticos pelo pavor , resolvemos nos desafiar e alguém possuído pelo capeta diz” duvido alguém pular?.

É impossível descrever o que se passa nessas ocasiões ,e só mesmo o prazer de ser viril de forma consagrada através de façanhas que possivelmente matou muita gente, é que explica não só alguém propor , como também alguém aceitar .

Silêncio gélido , ânus contraidíssimo e ..... aceitei .

Minha alma se esvaiu e eu não podia acreditar no que tinha dito , e recuar seria o massacre , talvez, moralmente pior do que eu imaginava vir assim que pulasse.

Agora a brincadeira era outra , ou seja , desafiar .... quero ver se tu é macho mesmo ?

Não, não sou , nunca fui e não serei , mas era tarde para confissões íntimas , e a única coisa que me ocorreu , foi olhar para Ivan impávido e atento, e dizer sofregamente : Posso pegar uva?

Lembro o quanto torcer é um ato mágico e aleatório , pois torci muito pra ele dizer grosseiramente que não , mas qual não foi nossa surpresa , quando ele monotonamente disse “pule”.

Decreto assinado , morte certa me despedi de todos que por sua vez ficaram mudos , confirmando o perigo da façanha , já que o arame não permitiria fugas , o suficiente para um infanticídio rápido e sem revides , pois passei pelos arames antipáticos pensando na Nina , Ah! Meu Deus ,e se ele me achasse jeitosinho , meio parecido com a Nina , delírios alucinatórios alteram a senso-percepção e o juízo de realidade .

Quer dizer , ações que só os sem juízos praticam .

Silenciosamente me despedi de minha mãe , tão boa , meu pai , um funeral rápido pois tinha conseguido me livrar dos arames e pimba ... lá estava eu .... e Ivan , que assim que pulei se levantou e veio ao meu encontro.

Ver o Ivan na minha frente e tão intimo , senti que ali já não havia mais o que fazer , eu um mínimo com um gigante tarado . Minha voz já não podia contar com ela , meus amigos uma plateia romana e muda , esperando o primeiro golpe pra cabeça despencar e eis que ouço , uma voz que já não sabia de que mundo vinha “ sobe”.

Olhei e não acreditei , Ivan tinha se agachado e me convidava a subir em suas costas para pegar as uvas no alto , um gesto humilde de um homem enorme e apavorante até então .

Algo em mim mudou e obedeci submisso e até certo ponto , onde meus nervos permitiam, confiante .

Peguei as uvas triunfalmente e extremamente agradecido , um dom que viria a exercer mais conscientemente depois, escolhendo os melhores cachos com sua permissão e incentivo , e voltando ao chão cheio de reflexões , que plantavam ali naquele momento a trajetória que o destino , a quem agradeço também, viria a me proporcionar no campo da Psiquiatria.

A loucura de perto , tão íntima, tão perigosa e tão humana como qualquer outro gesto , as uvas generosas que me deram o grato prazer de ser tocado tão fundo , por uma criatura que só fez me quebrar , e me alertar de que além dos arames vivem os homens, que um dia podem não ter tido a chance de oferecer as uvas de seu coração , pois foram rechaçados por aqueles que não ousaram se aproximar de verdade.

5 comentários:

  1. Volto, fiz um comentário e ele desapareceu.
    Coisas das hostes cibernéticas.
    Repetindo.
    Maravilha, Alex!
    Meu amigo, texto e história deliciosos.
    Palavras que um Rubem Braga assinaria.
    Belas e carregadas de profunda emoção e humanismo.
    Obrigado!
    Carlinho Nascimento

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  2. Gostei dessa historia do Ivan! Dei boas risadas imaginando! Bjss

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  3. Pensei nos ditados: "As aparências enganam", "Quem vê cara não vê coração"
    Uma beleza ter um episódio desse nas memórias da infância...
    Um texto belo, simples e profundo.Gosto muito quando você me favorece a ler com o coração!
    "Além dos arames", além de alguns grandes muros,existem também grandes homens... e nós? Por que não damos chances de receber as uvas, não facilitamos a comunicação mais verdadeira,a linguagem mais universal - a do coração?

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  4. Mandou bem para caracoles, vou respeitar e não vou falar palavrão. Gostei muito do texto. Quase perfeito! No meu entendimento. Ivan o Terrível foi um ótimo personagem, as metaforas, os quase palavrões. tudo de bom o texto.

    Abraço forte.

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  5. Silêncio gélido , ânus contraidíssimo e ..... aceitei . kkkkk

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Há ou não inveja do pênis?