HOMENS : UMA QUESTÃO ATUAL
Criatura concorrida e mal-dita pelo gênero oposto , acusado de
superficial e com fama de quem só quer comer ,um tipo guloso; lá está ele, o
homem !
Egocêntrico por vocação , tende a auto-suficiência , e sabe como
ninguém mascarar suas dores , é aquele que não faz análise porque acha que não
precisa, nada que uma racionalidade narcísica supostamente não resolva.
Quem é ele?
Portador do pênis , o símbolo fálico, o que penetra , o que mostra a
virilidade, conquistador por excelência , o homem traz na sua ancestralidade ,
a caça.
Fazedor de história , aprendeu que para viver é preciso lutar e mostrar
força , pois em seu desafio tem o outro , ora como amigo, ora como rival. É tão
necessitado de se exibir , como sofre de graves inibições não confessadas .
Aguçado na visão , tem forte relação com o mundo de fora , sua casa por
excelência , ao mesmo tempo que seu mundo de dentro , é seu lugar analfabeto,
onde, em geral , só se matricula por força de imposição da vida .
O símbólico não tem o refinamento dos sentimentos , já que tendo a razão
como domínio , tem dificuldades em sentir , em se sentir , uma disposição que
considera frágil e que é um dos pontos de entrave com as mulheres.
Se relacionar, a princípio é um ato erótico, e só depois se torna amor ,
um amor vinculativo com teor de macho e fêmea , que define de pronto, o código
de quem manda e quem obedece . Se por um lado, a afirmação parece depender do
poder de mando , por outro, também é um esconderijo para não se deixar ver.
Mas toda mulher sabe ou intue que se o homem não se sentir mandando , é
como se estivesse manco , inferiorizado, e é capaz de muitas coisas para manter
esse lugar , embora não passe despercebido , que haja nisso uma busca de
afirmação .
Essa dialética que vicia não só os homens mas também as mulheres , tem
favorecido a existência de um poder sinistro e dogmático onde muitas coisas se
ocultam , já que se torna uma privacidade lacrada , máscara do que não se pode
dizer.
Me parece um atavismo ancestral que expressa toda sua dubiedade , pois,
se por um lado é o guerreiro que vai a luta e quer suas glórias reconhecidas,
por outro , é frágil e dependente,
facilmente atingido em sua insegurança como macho , sua figuração
primordial.
Robert Johnson em sua trilogia
HE, SHE , WE diz que o homem arquetipicamente s é portador de uma ferida que se
não for reconhecida , irá persegui-lo a vida inteira .
Ferida esta, feita pelo apelo que a vida faz no sentido de separá-lo da
mãe , pois tendo sido o filhinho da mamãe , perde seu reino e tem que ir em
busca do que perdeu , se lançando em rotas perigosas que o testam sempre , o
expõem sempre ,e que podem endurecê-lo, caso fique renegando o que dói , sua
dor de existir , como dizia Lacan.
Se por um lado é "fazedor de paraísos", aquele que quer sempre
tudo bem e “por favor, não me aporrinhe", tem como expediente usual o
"superficializar" , ou seja, nada que ele tenha feito , ou a escuta
que deixou de ter, merece observações críticas, já que, se ser criticado pra
espécie é difícil , para o homem, mais ainda.
Ser criticado lhe traz forte senso de reprovação , a seu ver nunca
merecida , o que lhe faz se fechar, e aqui um capítulo especial seria as
fachadas usadas, como vítima ou intimidação, a jura de vingança , de certa
forma presente nas hostilidades explícitas ou implícitas, com que mascara a dor
que lhe foi infringida.
Falar de dor não é seu forte , aprendendo desde cedo que " homem
não chora ", fez disso seu paradigma no trato com seus afetos , o que faz
com que a imagem seja mais importante do que seu sofrimento , uma dor emudecida
que não se diz , mas que se trai.
E se trai pelo sintoma ,pois é um grande sensitivo à morte pelo coração
, o orgão espiritual que na medicina chinesa responde pelas angústias da alma ,
as asfixias de tudo que é guardado e superficializado .
Ao tirar a alma do profundo sacrificando sua integridade , se obriga a
mentir para si mesmo, pois tenta traduzir suas aflições pelos modos objetivos
de sua relação com o mundo. Quando na verdade , se trata do quanto essa
objetividade , perde seus fundamentos e força, quando é destituída de seus
modos subjetivos .
Jung diz que ao descaracterizar a "anima " , enquanto uma
força profunda e intuitiva, regida pela própria alma , o homem se condena à
estagnação da consciência , razão que o torna refém de uma racionalidade muito
concreta. E concretude é o que não permite voar, pois torna a vida literal
demais , com seus símbolos de ocupação , ou seja, tanto o poder , como sexo e
dinheiro .
É aqui que um homem começa a morrer se não for além disso , difícil
tarefa pra quem tem pouca transcendência e pouco sente , pois o mundo interno
apenas simula sua submissão, quando na verdade , é quem nos domina , pois é o
lugar onde reside a essência de nossa espiritualidade maior .
Ser homem tal qual o mundo ensina tem se mostrado um fardo , que aos
poucos vem mostrando seus prejuízos , pois impõe uma formatação insaciável , o
que se corre atrás e não se alcança nunca .Projeção correlata ao modo de
consciência , ainda em seu núcleo, contém o conquistador , linguagem arcaica
que denota virilidade e exigência , um "ideal de eu" caro , pois não
se suporta fracassar ,e não fracassar é a negação da neurose .
Tudo só começa quando se fracassa , eis um momento de verdade única , a
crise das entranhas onde se manda embora o narcisismo dos pais , e se suporta
que não se é quem gostariam , e daí em cadeia , ou seja, não sou esse filho,
esse marido , esse homem -mula , esse provedor , esse ganhador fantasioso .
Não; aqui , reconhece-se que nada é tanto , para poder se reconhecer
também, que nada é tão pouco , tem-se uma crise de valor profundo ( que
diga-se, nada a ver com esse jogo de auto-estima barato), um momento em que
se vive uma ruptura que requer tanta coragem, que muitos se acovardam.
Mas é pegar ou largar , veja a sacação genial de Jung a este respeito:
“Quando se atinge um ápice da vida , quando o
botão desabrocha e do menor emerge o maior, então, como afirma Nietzsche, “É-se
transformado em dois”, e a figura maior , que sempre se foi , mas que
permanecia invisível , aparece diante da personalidade menor com força de
revelação. Aquele que é verdadeira e incuravelmente pequeno sempre há de
arrastar a revelação do maior para baixo , até o nível da sua pequenez e jamais
compreenderá que alvoreceu o dia do julgamento de sua pequenez"
Para o homem a mulher é dúbia , aquela que ao mesmo tempo que lhe concede
a glória lhe manda ao inferno de si mesmo .
A glória, enquanto passagem de nível, uma graduação a mais no campo da
inserção consciente na vida , tudo que lhe permite ter o ganho de quem se
conquista , de quem sai da infância , de quem se liberta do jugo materno , de
quem busca o orgulho do pai , um passo na direção da emancipação que o livra da
eterna regressão e retardamento .
Diz Jonhson" A mulher para o homem é gestação da consciência
", aquela consciência que sozinho não seria possível , pois ficaria preso
nas grades de um modo coletivo e genérico , com pouca força de individuação .
Isto é ," um homem vazio " , de muita aparência e de pouco conteúdo ,
talvez, e suspeito disso , o que leva às perversões , inclusive à pedofília.
Por outro lado , é incrível ver sua capacidade de enfrentamento , pois
sendo um conquistador , faz tudo avançar, pois sua gana de conquista movimenta
o mundo , e o leva a lugares inexplorados , pois aí, nessa ordem territorial, é
o próprio filho da Terra , aquele pra quem a Terra mostra seus segredos e o
convida a ocupar .
Tem para com os seus uma deferência toda especial , e se por um lado
foge da dor , por outro é capaz de sofrer muito pelas dores dos que ama , mesmo
que a seu modo.Sofre a impotência perante os desígnios do destino e da ordem
oculta da vida , pois teme o que escapa ao seu controle, o que lhe torna um
"preocupado" constante.
No campo dos sentimentos a maioria é analfabeta , pois sendo uma
linguagem do amor e da fluência , tal como Isis na margem do rio passando água
de uma jarra para outra ,há um choque com o padrão mental estabelecido , que
tende a tratar sentimentos como algo menor.
Uma tendência depreciativa que tem custado caro aos relacionamentos ,
pois em contrapartida diz ainda Jonhson " A mulher quer ser amada" ,e
como ser amada sem falar de sentimentos? .A celébre cantilena " discutir
relação " já mostra o quanto enfadonho é se tocar nisso .
Futebol, dinheiro , amigos , turma , tudo rola; mas sentimentos, não . O
contraponto estabelecido pela racionalidade evasiva , identifica aí um campo
perigoso aonde se sente mal preparado e em perigo , pois na fala da mulher (
que diga-se, nem sempre ajuda quando
confunde o dizer com um rosário de queixas acumuladas), se vê perante sombras
que só podem vir à tona por denúncia .
E ser denunciado pelas sombras , que as palavras da mulher evocam , é um
martírio sem igual , a ponto de um homem dizer, que brigar com a mulher, o
colocava em estado de surto psicótico. Eis a força das sombras , que só a
mulher trás , o anjo que vira demônio quando se entrega a tal tarefa.
Mas convém observar, que precisamos uns dos outros , e que nossa
realização depende de reconhecermos tal verdade , pois a diferença, é sem
dúvida, o grande catalizador da vida , e esse esforço é o que nos permite
evoluir enquanto raça e indivíduos dotados de uma singularidade cósmica .
E aqui ,a grande confissão, é que somos movidos a carinho , algo que
custamos a pedir e exigimos quase uma submissão telepática da mulher , como se
isso amenizasse a reprovação já citada, embora, ao exigir mais do que pedir ,
nos vejamos mais próximos da recusa do que da compreensão .
Se a mulher quer ser amada, o homem parece querer ser compreendido e tem
em si uma estranha sensação de não sê-lo , uma solidão amarga de quem confunde
a incompreensão com o desejo de ser absolvido sem se comprometer.
É como se precisássemos ser perdoados antes do crime , um estranho vício
esculpido milenarmente na alma ,pois se
tornou o modo como forjamos inocência nos lugares onde nossas assinaturas não
permitem dúvidas , nos dando a ilusão de estar fora , justo onde estamos mais
dentro.
Tenho a impressão que isso irá demorar um pouco a se clarear em razão do
forte teor emocional presente em tal questão , principalmente pela quebra dos
modos projetivos, onde os erros parecem abalar toda estrutura do edifício ,
tipo " se você acha isso de mim, então, só me resta “ ir embora" ,
reação tão exagerada, como um tipo de pressão para se calar a boca de quem denuncia.
No entanto, algo parece se ensaiar e evoluir pelos campos do
acasalamento , que diga-se, é um direito de todos , pois pertencemos, como
ressalta Hellinger, à "Ordem do Amor" e como tal, somos criaturas que
desenvolvemos a consciência amando , daí, nosso aprendizado para amar com uma
qualidade menos projetiva , onde a vida amorosa seja vista como uma grande
celebração de dois , com gosto diferenciado de un -ião .
É a forma de celebração onde a presença de um amor verdadeiro liberta os
sexos para novas possibilidades no campo da consciência , onde o cada um possa
ser o esteio do próximo nível do outro , uma mediação entre o que se está e o
que pode vir- a- ser , o gosto de se ficar com gratidão e de ir cheio de
alegrias no coração , sabendo-se como diz "Érica Jong" , a grande
autora americana , “que vive-se melhor e com amor quando se sabe que vai
morrer”.
Minha homenagem especial aos homens que me ajudaram a me construir e a
todos que me ensinaram e me ensinam a difícil arte de ser um homem e amar , já
que compartilhamos juntos este desafio, e ao olhar para o lado, não deixo de
ver o quanto buscar outro modo de consciência, parece ser o desafio máximo.
Se por um lado somos viris, guerreiros ou provedores , por outro, lá
dentro bate o coração, em geral, emudecido por tudo que não conseguimos falar,
uma estranha solidão não solicitada, mas um tipo de moradia perene , onde as
mulheres lutam para entrar.
E deixá-las entrar é o risco , o momento máximo da ambivalência, pois
pode significar tanto nossa redenção do medo de amar , como nossa subjugação à
dependência materna que o inconsciente insiste em repetir .
VIVA OS HOMENS! VIVA OS GUERREIROS VALIOSOS NA ARTE DA GUERRA E
CONFUSAS CRIATURAS NO REINO DE AFRODITE MAS UM LUGAR ONDE DEUS MOSTROU O VALOR DA COSTELA .
Muito bem analisado, que as casais consigam exercitar essa arte do entendimento e dos sentimentos, sendo tão diferentes um do outro..... Aline Braune
ResponderExcluirComo é curioso este universo do homem!
ResponderExcluirNão se pode dizer que há ausência de sentimentos nele, cada um com a sua peculiariedade, mas o que ainda choca na abordagem social, é o mascaramento, reflexo esteriotipado do machismo, agora compreendido pelo medo de mostrar o verdadeiro valor interior de si mesmo!
Espero que, ao tempo de cada um, aconteça o polimento desta casca grossa ao que é submetido o homem, para que ele possa viver uma união que seja celebrada de forma tão livre e bela!
Fantástico artigo!
Me acrescentou muito!
Será que todo "homem vazio", tem consciência deste lance, de que a mulher é a gestação da consciência, segundo Jonhson?
ResponderExcluirO homem se vê incapaz de individuação se, se sentir tão pressionado pelo coletivo genérico?
Ana Lina disse:
ResponderExcluirGostei muitoo!!! Agradável, informativo, confessional...
O artigo possibilita boas reflexões e novas descobertas. Adaptar-se aos homens, não significa compreendê-los... a mulher precisa acreditar que é possível largar as armas e ir além do suposto "inimigo".
O artigo faz pensar, não só na relação de casal, mas também na releção com o filho ( é muito difícil a passagem de um menino para a vida adulta) e na relação com o pai, pois temos dele muito mais que pensamos.
Sempre me estimula o convite a uma perspectiva junguiana e as citações do Hellinger, muito bom!
Viva o valor da costela! Que o homem possa encontrar um significado melhor para sua vida, possa ser mais 'seduzido' pela sua ANIMA e confesse! Todas as vezes (são raras) que um homem confessa, a mulher respeita!