Jung dizia, que o grande mito contemporâneo é o modo
como a vida busca se tornar consciente de si mesma, e que estamos num momento
onde Psychê se expande pelo desenvolvimento da consciência.
Desde sempre, viver parece ser um exercício de
consciência , embora , se pensarmos usando a idéia de complexidade atual , à
força do inconsciente e a ordem dos acontecimentos , sempre a colocaram numa faixa estreita de alcance , em
se tratando claro, de um tipo de consciência mais reflexa e com pouca
emancipação do mundo.
Poderíamos dizer, que o estar consciente que brota da
faixa correlata de consciência , tem a função , enquanto instrumento de poder
do Ego , de assegurar dentre tantas vertentes , a da segurança , o sentido da
preservação da vida , nosso patrimônio mais prestigiado.
Mas, se a vida porventura, tem algum sentido de
desenvolvimento além de sua preservação, sabemos também que somos criaturas,
cuja constituição possue forças que nos impelem desde dentro , e que nos faz
buscar no mundo o que nos convém .
Hybris e metrum falam disso , dois tempos do desejo ,
onde por um lado pagamos o preço de o colocarmos acima do moderado ,e por outro ,
onde a moderação pode fazer subsumir às intensidades , principalmente das
paixões.
Movidos pelo desejo e, logo, o gozo do seu objeto ,
como levar em conta o jogo de coordenadas que sinalizavam o perigo das
exaltações ?
Vejam a
definição de Hybris : "húbris
ou hybris (em grego ὕϐρις, "hýbris") é um conceito grego que pode ser traduzido como
"tudo que passa da medida; descomedimento" e que atualmente alude a
uma confiança
excessiva, um orgulho
exagerado, presunção,
arrogância
ou insolência (originalmente contra os deuses), que com frequência termina sendo punida.
Na Antiga Grécia,
aludia a um desprezo temerário pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de
controle sobre os próprios impulsos, sendo um sentimento violento inspirado
pelas paixões exageradas, consideradas doenças pelo seu caráter irracional e
desequilibrado, e concretamente por Até (a fúria ou o orgulho). Opõe-se à sofrósina, a virtude da prudência,
do bom senso e do comedimento.
Aqui vemos que o
sentido de algo que se exalta contrariando algum tipo de norma , ou de regra invisível , ou mesmo uma não
consideração pelo que não se deve ultrapassar, às custas de algum tipo de
punição , que segundo os gregos era o modo como os deuses, agiam com os
exaltados ou desequilibrados .
O compasso , a
marcação era dado por metrum , ou seja, " A concepção da húbris como
infração determina a moral
grega como uma moral da mesura, a moderação e a sobriedade, obedecendo o
provérbio pan metron, que significa literalmente 'à medida de todas as
coisas', ou melhor ainda 'nunca demais' ou 'sempre bem'.
Podemos então
ver aqui, que as polaridades , tal como para os chineses de outrora, clamam por
certo equilíbrio , tal como na Lei relativa ao interconsumo o Yin e do Yang,
que em caso de exarcebação de um , consome o outro , causando prejuízo .
Notório observar,
que a exaltação da polaridade é o efeito da paixão , considerada uma desmesura
, uma intensificação arrogante onde o metrum é ultrajado , um tipo de não
querer saber , um ir e pronto , uma desrazão em nome do desejo , uma renegação
de qualquer medida que estabeleça algum tipo de alfândega territorial .
Contudo, se por
um lado, isso pode nos induzir a leitura da moral , por outro , parece uma
deontologia , a saber " : \l
Deontologia (do grego δέον,
translit. deon
"dever, obrigação" + λόγος, logos,
"ciência"), na filosofia
moral contemporânea,
é uma das teorias normativas segundo as quais as escolhas são moralmente
necessárias, proibidas ou permitidas. Portanto inclui-se entre as teorias
morais que orientam nossas escolhas sobre o que deve ser feito..
A deontologia em
Kant fundamenta-se em
dois conceitos que lhe dão sustentação: a razão
prática e a liberdade.
Agir por dever é o modo de conferir à ação o valor moral; por sua vez, a perfeição moral só
pode ser atingida por uma vontade livre. O imperativo
categórico no domínio da moralidade é a forma racional do
"dever-ser", determinando a vontade submetida à obrigação. O
predicado "obrigatório" da perspectiva deontológica, designa na visão
moral o "respeito de si".
Observamos então
que estamos submetidos a uma ordem moral que estabelece os valores do
como-deve-ser , um fundamento imperativo racional, que visa estabelecer uma
primazia , ou um tipo de soberania da razão , para nos garantir um metrum , uma
medida , que nos eleve ao estatuto moral
dessa ordem.
Mas por outro
lado , se na filosofia chinesa ancestral, o Yin e o Yang não podem existir um
sem o outro , o metrum , enquanto medida da moderação ou do equilíbrio ,
poderia correr o risco de se tornar uma masmorra repetitiva sem a hybris ,
nosso direito de ir e vir , nossa condição primordial de aprendizagem , daí a
liberdade Kantiana .
Coloca-se aqui
que as moderações são correlatas também ao nível da consciência ,
principalmente , onde o movimento pulsional das energias da vida, atiçam os
desejos e devolvem os prazeres no nível imediato , equação cuja civilidade com
todo seu esforço, ainda peca por resolver .
O homem grego, a
grosso modo, era um homem culto , em cuja cultura residiam propostas que
equacionavam a relação com os deuses e lhe davam precedência , de tal forma que
o destino enquanto " moira " era intocável , não só pelos homens ,
como também pelo próprios deuses .
Se não tinham o
mito do pecado , nem por isso dispensavam a "admoestação" no campo do
viver , e só se interessavam pelos heróis , os dotados de coragem e valentia
das virtudes , tendo figuração de seus ideais no homem virtuoso , não no homem
comum , ignorante demais para o campo das nobrezas do espírito.
Acontece que no
contexto de uma massa crítica culta e nobre , o prazer pode ascender ao nível
das matérias transcedentais e dispensar seus rigores imediatos , já que nesse
caso , o Logos , o Saber é o próprio deleite .
Mas e o homem
comum ?
Quando a
histeria dispontou em na Europa no final do século XIX , o aparato médico foi
acionado por estar em jogo protagonistas de classes nobres , classes que
supostamente deveria ter com o metrum , uma relação mais estabelecida , já que
a ordem social parece encontrar aí seus triunfos principais, tanto do ponto de
vista cultural , como financeiro .
No entanto , o que
se viu é que com toda gama de fetiches oferecidas pelo poder , a ascese das
moderações é uma questão que não se contém por fronteiras do social , o que
poderia nos oferecer um novo olhar sobre a condição do humano .
A hybris ao nos
mostrar o mundo dos excessos e das exaltações, nos fala do perigo do muito, mas
também não nos propõe o pouco , já que a vida moderada , enquanto a vida do
sábio , é uma vida de quem já andou e muito , que já caiu e aprendeu a se levantar
, de quem já morreu e aprendeu a renascer , é a vida de alguém que já avista a
síntese depois do luto, como quem já não precisa estar tanto .
Corre-se o
risco, de por medo, confundirmos a moderação com os modos repressivos e nos
acovardarmos , levando Nietzsche a nos considerar como"fracos e ressentidos",
e ao mesmo tempo perdermos o direito de errar , condição sine-qua-non , para um
aprendizado com verdade .
A pasteurização
da vida não interessava aos gregos , uma vidinha sem brilho e sem esplendor,
sequer é digna de cogitação filosófica , o que nos leva a ter que convir que o
metrum é algo forte e vivo e não uma medida blasê, opressiva e chata , embora
para Freud toda questão do mal-estar esteja justamente aí.
Da mesma forma
como a coletividade é um axioma do metrum , o desejo é da hybris , e esta
tensão entre a singularidade e a normatização comum , é para Freud um lugar
dissimétrico e irreconciliável , já que para o desejo a vida é muito e
diferente , enquanto para o metrum é o como- deve- ser , o altar da consagração
dos valores exponenciais onde o humano se legitima como tal .
Ao se tornar
consciente de si , a vida nos obriga também a praticá-la no mesmo nível , como
se o véu caísse aos poucos nos dando outras visibilidades e na medida em que
avançamos tudo se reconfigura , talvez por isso , poderíamos perguntar qual
seria a hybris do metrum , ou qual é o metrum da hybris , já que na filosofia
chinesa , no símbolo do Tao , o Yin e o Yang já estão dentro um do outro ,
talvez da mesma forma como a loucura esteja na doença e vice -versa , um bom
início para novas considerações.
Nietsche nos
convidava a ir , a pagarmos o preço , mas morreu sózinho , não conseguimos tal
nível de desprendimento , Zaratrusta é uma superação que pra nós parece
demasiada , para nosso pouco humano .
Mas por outro
lado não arriscar, não celebrar a vida é assinar o óbito da literalidade, onde
o erótico se fez carne (Lacan), e nos cobra um preço amargo, de nos fazer ver na
vida nada mais do que deveres e obrigações que não sabemos exatamente se
queremos.
Os fetiches do
mundo apenas distraem , mas são rápidos demais , a roda não , ela continua
girando sempre e a cada dia , nos fazendo ter a estranha sensação de que tudo é
o de sempre e se bobearmos , sempre o mesmo .
Podemos nos
deprimir , uma hybris avessa , o entusiasmo ao contrário , a paixão pelo escuro
opressor , uma recusa da vida pelo desencanto da celebração , ou podemos ficar
frenéticos , hipertímicos, maníacos e também ter a sensação que rodamos em
torno do vapor, fumaças de nada .
No entanto ,
como não celebrar a beleza , a alegria , a amizade , tão apreciada pelos gregos
, a reprodução da vida , o gosto pelos filhos , pelos familiares ,enfim , um
universo tão cheio de coisas boas e simples , que poderíamos convidar
Zaratrusta a descer da montanha e tomar um bom café conosco , um papo informal
e cheio de graça , o profundo com descontração , o que talvez tenha
faltado Nietzsche , sózinho demais ,
para um café a dois, lócus das belas amizades.
Valeu mais uma
vez
Ufa, como comentar assim brevemente a riqueza dessa reflexão?
ResponderExcluirMas parece que se unirmos o intelecto à abordagem do espírito conseguiremos fechar essa conta em algum lugar.
Fato, norma e valor são elementos Kantianos da regulação, pelo deus-Estado, do comportamento humano em sociedade.
Os desejos são humanos e desconhecem limites, mas a construção subjetiva engendrada dentro dos estreitos limites desse mesmo contexto social nos forja e garante uma consciência de acordo com as necessidades éticas no geral, e morais no particular. Só os loucos se atrevem à tranposição dessas linhas.
Mas por que e pra que? Aprender a suportar tanta restrição deve ter uma razão mais sublime do que satisfazer à ordem social.
Socorre-nos Buda com suas verdades a nos dizer que o que nos causa o sofrimento é o desejo, a ignorância e a aversão. Se aceitarmos tais considerações como uma sinalização, a vida tende a ficar mais confortável, nem sempre satisfatória, mas aceitável.
Hybris já começa a nutrir alguma simpatia por Metrum, se crê na sua utilidade e impermanência.
Bj