3.3.12

Estados d´alma .



Ah! que lástima não falarmos mais em estados d`alma , aqueles estados imprecisos , sem origem imediata , um gosto enorme de saudade e ausência , estados que os poetas tem como matéria prima da poesia . A "ausência" é a razão da poesia , diz Rubens Alves , e é , não só da poesia , mas do momento místico , onde todos nós quando distraídos , a vivemos num tipo de solilóquio tão sincero, que a mente , que mente, se assusta e foge.
Foge como?
Voltando rapidamente ao de sempre , ao usual , velho objeto conhecido do medo , aonde havia lacuna no encadeamento , fecha-se de imediato e retoma-se à familiriaridade , que nos garante uma identidade compacta , sólida , uma excrecência resistente ao tempo e às acuidades , onde moram e nos espreitam,às questões maiores da vida.
Um vácuo que se abre entre eu e mim , uma estranha sensação que não sou exatamente quem me digo , e o que digo , não, não pode dar conta do que sou.
Um tipo de divisão não-analítica , um gosto de estranho no ser , como um antigo enderêço  longíquo , mas não esquecido , onde algo muito importante de mim parece morar , mas não há meio de transporte possível para me levar , quando quero .
Só vou lá , distraído e sem pretensões , uma desconfiança que faz brotar em mim , que todos meus preenchimentos são relativos , que toda a ritualística que me compõe é um tipo de atração de ilusão opaca , já que nesses momentos me pareço mais, com algo que se esvai, do que com que fica.
E não adianta o esforço de prender , pois se esvai, é como um éter , um misto de lugar híbrido entre a vida e a morte .A consciência não é a mesma , e alguma coisa indescritível se aproxima , suspeito, que seja, o que se chama de alma e há uma estranha amplitude , como se meu pertencimento, se ampliasse quase todo, e eu fosse uma convergência de focos variados , muito além do que meu usual pode conceber.
Algo profundo ,que roça as angústias , como se eu estivesse por aqui para alguma coisa importante , que não reconheço em detalhes e pouco soubesse falar , mas sinto com profundidade que meu foco nesse momento sou eu mesmo.
Como se fosse um velho acerto de contas de mim para mim, não há o outro nesse momento, uma velha conta, uma velha chaga , as raízes encrustadas na noite dos tempos, em que nunca me soube . Nasci há 10000 anos atrás , minha mãe é a eternidade e meu pai o universo , vivo por aqui na esperança de um dia poder ir , ir sem medo , recuperação lúcida de um enderêço original, de um gozo sem objeto , de uma plenitude sem conteúdo , um se deixar levar unicamente pela reverência , a dimensão mais plena do sagrado.
Há um exílio e digo porque sei , porque vivo , o passar relativo de tudo , como se tudo não fosse para agarrar , mas apenas tocar , sentir e deixar ir , nada fica , a sensação de tudo que esteve aqui e se foi .
Mas é estranho viver assim, angústias que chegam e assumem as feições do desamparo e do desafio, que mexem com todos os medos, com todas identificações que não cansam de se queixar,ora se vitimando , ora pedindo arrego, e ora cobrando preços pelo trabalho que tiveram.
Não tenho de pronto nenhuma identidade com o vale desconhecido , vejo assombro e imensidão demais , o sofrimento das grandezas , do ínfimo ao infinito exuberante , um gosto de quero mãe e da morte me levando sei lá pra onde, uma mutação indescritível, um laboratório de solidão, os fios que me puxam pra lá de mim.
Quero ficar , quero ir , um pêndulo que me oscila , um jogo bi-polar sem a organicidade neurológica , um fino tecido metafísico , uma inter-polação entre a origem e o fim , entre o que se abre e o que se fecha , entre o contorno da forma e a expansão sem limites , um tremendo gosto de aventura e de anormalidade além dos modelos.
Aqui só solilóquios , as vezes excessivos , peço para se calarem sem ser obedecido , mas a única forma pelo qual me situo , a conversa anexa e desconexa que me faz companhia.
Pergunto tudo e ouço tudo , mas tudo vem aos poucos ou instantâneo , não escolho , apenas recolho , vou procurando ser obediente , pois sinto a liberdade bem perto , sinto à loucura, dos loucos e dos santos , breve diferença de sintonia profunda .

O caminho é longo e por vezes inalcançável , um duro ter que caminhar na cumplicidade dos dias, no afago ou nas tormentas das noites , e um pouco de infância no crepúsculo , o júbilo familiar dos interpares assimétricos .
"O que me move é o que me comove" , diz um amigo culto, lhe agradeço , pois é um belo aforisma. Mas me comovo também com o modo como busco me mover , torço por mim, sei que me preciso , narcíso , não posso permitir o desencanto , pois gosto tanto de cantar , mesmo que mal.
Mas o que me comove mesmo é olhar para o lado , sinto a presença de todos , o humano em mim,  a controvérsia cósmica entre o máximo e o minímo , entre a luz e as trevas , entre o amor que ilumina e abençoa e o ódio que fulmina e imperdoa , a "poesis" do que se esculpe.
Niestzche nos pensa como "obra de arte" , cada um com a tarefa de se esculpir , um ato corajoso e forte , uma ética ou uma estética para almas destacadas . Aprecio o Super-Homem , acho incrível pensar em super , como acho a mesma coisa em relação ao infra , em tudo há vida .
Mas meu sentido de pertencer me compromete tanto , me comove a dor , a pobreza, o conflito , os desalmados , os despossuídos , que só me resta trabalhar , a escultura do coração cristão , pois sou a favor do Cristo que liberta , pois fora desse, também sou o Anti-Cristo .
Ao mesmo tempo que alcanço os píncaros da solidão ímpar , sou puro exercício nos interpares , a oferta do dois , a modéstia consentida e reconhecida para o movimento do convívio . A forma é um meio abençoado de se estar junto no que ainda não se emancipou.
Reconheço meus parceiros , no aqui e no ali de qualquer situação , querem o que eu quero , mas sei que se dizem de outra forma , talvez as matizes da escultura ditada pela evolução espiritual , o Deus que Nietzche não viu aonde estava e que a Igreja escondeu.
Estar vivo é estar só e participar se incluíndo , o balanço do um e do dois simultaneamente , o fazer evoluir evoluindo , o amar amando , o gozar gozando , o ser sendo , a presença estando presente .
Somos todos iguais nesta noite , diz a música , somos todos diferentes diz a Psicanálise , que bom que seja assim , iguais e diferentes , o colo do igual e a diferença do desejo , essa "multifrenia" como diz o autor .
O radical, a raiz, é este imperativo único, que lembra o ditado espanhol" Porque justo a mim me coube ser eu ?" . Sou a vida , sou a morte , sou a dor e a alegria , sou o que pareço e o que não compareço , sou a angústia plena de um mistério que me possue todos os dias , a misericórdia que perdoa e o ódio que acusa , o amor que dá e exige , talvez eu seja o lugar aonde a vida brinca consigo mesma.
A mim , me resta então perguntar com Jung do alto de seu solilóquio de vidente " O que a vida quer de nós?"
Valeu , comentem , ajuda muito os comentários.




























Um comentário:

  1. Texto belo,líquido,yin... mas será mais eficaz, se for lido do lugar que ele convoca...e assim, Alex, você nos oferece um texto que pode ser 'escutado', interiormente...com possibilidade daquela leveza que provém da sintonia com o nosso 'centro'.Aqui não tem retórica nem debates,pois suas palavras fazem vibrar o 'solilóquio'do lugar que todos precisam frequentar...desse lugar, eu louvo a tarefa de ter que me esculpir, meu sentido de pertencer, essa forma como "um meio abençoado de estar junto no que ainda não se emancipou" e a vida 'se' brincando em mim...fica tudo certo!
    O "me comovo tb com o modo como busco me comover", me comoveu...

    Gratidão da sua mulher (nada de anonimato...rs)

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