18.9.12


A REVOLUÇÃO DO MÍNIMO

Habituados aos anseios pelo maior , seja lá o que isso queira dizer , esperamos por algo que venha a mais , que nos traga sensação de ganho , essa economia que o capitalismo só faz reificar e se valer , esse preenchimento quase compulsivo ... do nada.

Vida moldada por essa troca perene , entre o que sai e o que entra , vivemos aí, os ganhos e os prejuízos , que validamos por algum critério particular , que sequer conseguimos explicar pra gente mesmo , por exemplo , uma sensação de perda é o suficiente para comermos a mais , ou gastar não importa muito com o que , ensaio de uma reposição simbólica do que se foi .

Essa economia que nos torna contábil a todo tempo , rege nossas transações e dependendo, dão uma concretude desmesurada ao que buscamos , de tal forma que nos arvoramos nessa busca , dando a ela um estatuto quase vital.

Dependendo do valor que esteja em jogo , a própria vida entra na roleta , e pode ser a última moeda a se apostar , como se, ao não suportarmos perder , entregamos o perdedor , única alternativa de uma pretensiosa  fantasia de acabar com o jogo, acabando com quem joga.

Lacan diz do mais –gozar , ou seja , sempre queremos mais , pois o inconsciente é da ordem do capital , que sempre quer mais , por isso é capitalista . Esse a mais é o moto-perpétuo do desejo , esse insaciável que rege a economia de todo movimento .

Mas, inseridos nesse sistema somos consumidores de todo tipo de fetiche , seja na roupa , seja no sexo , no cigarro , enfim , no que for , lá estamos numa oralidade quase acrítica , que põe pra dentro tudo que é sugerido , sem nunca perguntar o quanto custa sair.

Diria mesmo, que criamos uma oralidade própria aos tempos modernos , tempo de consumo, dos insumos rápidos de pouca digestão , que afetam profundamente o aparelho gastro-intestinal , considerado o segundo cérebro do corpo .

Sem entrar em reflexões psicossomáticas , o fato é que , ou sofremos de desarranjos, ou de constirpações retentivas , expressão de distorções energéticas de nossos apegos ao impegável, ou de nossas expulsões rápidas , talvez traídos pelo que entrou sem merecer.

Sempre me pergunto se o quanto o ganho , ao se tornar elemento chave , pode nos fechar ao invés de nos abrir , o quanto nos tornamos sujeitos a velha fórmula de ganhar e não levar , agonia constante para nossas aflições possessivas.

Penso que a sensação de ganhar pode ser fictícia se não nos leva adiante , um passo a mais , uma amplitude diferenciada para melhores opções, pois afinal , o que significa ganhar e estar sempre no mesmo lugar?

Precisamos nos sentir melhor , uma justificativa para nossos investimentos , por vezes tão caros e sofridos que não deveríamos nos contentar com pouco , um a mais , mas com qualidade , uma estética mais apaixonante e desafiadora e não meros fetiches inúteis que só fazem nos engordar, e se sentir vazios depois de dois minutos.

Se o ganho for a palavra de ordem ,a celebração se sacrifica já que é contemplativa , pois nos dá um ganho que não pode se contabilizar nos registros usuais , é um ganho como a arte , um ganho de um sublime a ser deslumbrado e não possuído e guardado.

Esse ganho da celebração quando se abre na alma , nos coloca frente ao extra-ordinário , onde se ganha com o menos e não com o mais , um des-possuir-se  ao invés de possuir e conter, um largar para permanecer mais vazio ao invés de entupir-se e querer mais para se preencher.

É justo aí , que descobrimos todo valor do mínimo , o valor do que se tem e não só do que se quer , um louvor de gratidão aos invés dos protestos insaciáveis , a beleza nas mínimas manifestações que , em geral são despercebidas .

Num vídeo recente feito por um canal de televisão se não me engano , filmou-se a vida desde os embriões até seus corpos adultos , um trabalho de rara beleza e de silêncio fecundo onde nada atropelava nada , como se cada etapa soubesse seu lugar e hora , sem brigas desnecessárias , numa interdependência compassada de mesmo sentido e direção.

A filosofia moderna nos ensina que não temos natureza , que não temos essência , logo somos nada e podemos ser tudo , um laborioso trabalho de decisões e escolhas , embora curiosamente , algo me faça acreditar que estamos fadados ao Bem.

Se não temos a harmonia a nosso favor , podemos então , apreciar o valor do Bem em comum, esse gosto ético-estético e espiritual de estabelecer direções para nossa energia onde a vida se faça melhor pra todos.

Se há aí, algum tipo de queixa de ter sido deixados a sós pela natureza , que não nos dotou de instintos que nos dirija e nos mostre o caminho, por outro , nos deu o espírito da aventura , da graça de arriscar e descobrir , de ter o poder de discriminar o quanto o Bem nos eleva para uma plataforma de maior visada, onde o ganho mesmo , é o que pode ser um patrimônio comum.

A vida nos dá a cada dia e recebemos cheios de reconhecimento , algo que relegamos a uma religiosidade das religiões, mas que só nos coloca em mais-erro , ou seja, quanto mais aderidos, mais pegados e pesados , a vida como uma carroça para os sonhos , estranho contraste com a velocidade dos fetiches.

Nossa religiosidade é a celebração do que existe e nos é oferecido sempre ,uma metáfora de grandezas livres e desimpedidas  e por isso livres de medidas estabelecidas, sem pertencerem a um sistema específico de valor e reconhecimento.

É um patrimônio de todos, sem preço estipulado pelo homem , é o gozo não-material dos sensíveis, que vêm a beleza que desabrocha sem alarde, sem cobrar nada a quem quer que seja, a não ser que vivamos com olhos de ver , já que o homem morto é o que mais interessa, pois é uma presa mais fácil .

É o homem que não vê o aqui , pois é lá que o objeto está... mas lá onde?

Na sua fantasia de apropriação , no seu querer ser dono e mandar sempre , na mera revolta de não se deixar capturar pois é livre ... para ser escravo , o gozo que Nietsche abominava , pois era dos fracos e ressentidos.

O homem morto pede a sugestão pela recusa de ter que descobrir e decidir , e enquanto in-decide , pisa nas flores pelo caminho , não se emociona com as estrelas e não vê poesia ao seu redor , menos ainda quem lhe precisa.

 A revolução do mínimo é para poucos , os que buscam o gozo da qualidade sensível , cheios de recheios naturais , numa postura de quem vive a favor e que mesmo sofrendo do querer mais , que seja o melhor para todos.

Para isso revê suas medidas para o que lhe convém , um direito de ser-feliz , sabendo que não é o muito sua senha, e que seu pouco é sua leveza , já que seu desprendimento é o seu maior gesto de amor para consigo , não como uma indiferença , mas como uma paixão .

O mínimo nos dá intimidade , está nos cantos , nos prazeres intensos e gratuitos , seja no café , no banho, no papo , nos sortilégios do imprevisto , sempre na forma de uma gratuidade que provoca o espanto do custo dos prazeres vendidos.

 

Um comentário:

  1. Salve, Alex. Gosto muito de entrar em contato com pessoas que não coabitam meu perfil diante da vida, porque sempre procuro paralelos com minhas crenças, e em teus textos sempre encontro conhecimento (fruto de estudos) e sabedoria (fruto de experiências), por isso sou teu leitor fiel e amigo idem. Você não necessariamente esgotou o assunto, mas mergulhou como sempre corajosamente no tema, o qual pra mim é uma versão clínica da abrangência do vazio budista. Morte e transformação... Crise e transformação... Sofrimento e transformação... Parabéns, irmão, por mais esse belo texto.

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