21.12.12

O tempo como pano de fundo


 

“ Se lembra quando a gente
Chegou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que pra sempre
Sempre acaba “

 

Em tudo ele lá está : O tempo

Uma figura incrível , que perpassa os saberes e os dizeres , que obriga a ciência ao que não sabe , que oferece ausência aos poetas , que mostra o início e o fim , que nos dá a musicalidade dos acontecimentos e as recordações do bom e do mau em tudo que vivemos .

Deus temido na mitologia , Cronos tem a chave do profundo , que associado `a escuridão sempre fez tremer os homens , uma suspeita irrecusável de que esse profundo é o portal do Mistério que nos sonda.

A flexibilidade das mãos orquestra o tempo , pois tanto fecha para conter , como se abre para largar , linguagem única do tempo que nos dá o apego e nos obriga a deixar , exercício perene que ao ser renegado , só nos faz sofrer .

Saudades e memórias se unem e sucumbem , nos trás as lágrimas dos lençóis subterrâneos , a impotência do desejo de fazer permanecer quando Cronos decide o término , pois, afinal , tudo envelhece , ou seja , a tudo foi concedido o tempo para ser  e para des-ser , um neologismo que na carne pode nos tornar melancólicos .

Temos saudades incríveis do que não sabemos , uma antítese vinculativa aos objetos palpáveis, como se pertencêssemos  a um mundo não tão concreto , um mundo onde a linguagem corrente é banal demais , um mundo de um sentir , de um pertencer desmaterializado , tão sutil que nos refugia na solidão do indiscernível.

O tempo mata e nos faz viver , pois relativiza o concreto e dá ao eterno um semblante vazio e ao mesmo tempo  pleno , uma plenitude que nos permite colocar nossos sonhos e desejos de reencontros com tudo que amamos , nos faz acreditar que um dia tudo que perdemos poderá nos reencontrar .

É como se fosse um grande exercício cósmico , onde nossas experiências se tornam registros de um belo patrimônio espiritual , onde não se faz necessário levar a carcaça , mas apenas as notas que ao executarem suas melodias nos remete, e lá estamos novamente.

Quando conhecemos uma pessoa, por exemplo , esse estranho processo assim se faz, pois a levamos conosco num pra dentro só nosso , onde podemos vestí-la ou despí-la  variando as cores e escolhendo a música que nos convém .

Essa magia que desfaz o automatismo é a beleza e a dor da vida , o modo como subvertemos o tempo e reconhecemos seu poder , o modo como nos apropriamos de tudo pelo sabor do desejo, e da mesma forma, como temos que soltar o que só possuímos transitoriamente.

Eis uma emblemática questão que tocou Freud em seu artigo sobre transitoriedade , o valor do efêmero , sem o qual nada teria graça imediata , já que sem transcendência não há esperança , pois vivemos da alegria dos sentidos , ou seja, “o que me move é que me comove” dizia M.D.Magno em seus seminários no Colégio Freudiano .

Essa invisibilidade do tempo é sábia , pois é como se fossemos “ aos poucos” , um giro meio sem roda , uma alteração sem tanto sobressalto , o que nos faz correr atrás das maquiagens  ,  esse ingênuo esconderijo que nos dá a sensação de adiamento , que minimiza o espanto , mas que não nos dá imunidade , ou seja , a sentença é para todos .

Nascer e morrer, juram os ocultistas, são facetas do mesmo processo , o ômega e o alfa , que só nos faz achar tudo mais difícil ainda , pois dizem que não há fim , pois sequer início houve.

Pra nós do vulgo , que não fazemos outra coisa senão sofrer do que termina e nem vemos o que é está começando , talvez estejamos mais próximos dos poetas , os que conseguem tirar da ausência um gosto especial , vamos poetando a lá Manoel de Barros , ou fazendo dessa saudade do nada o gosto do tudo.

A música, por exemplo , dizia Adriana Calcanhoto , compassa o sentido do tempo , referindo-se ao seu encarne cotidiano , essa consecução de tarefas sequenciais  que molda a vida e nos faz acreditar que assim é , ou assim é que é , onde entre solilóquios onipresentes , essa maneira pela qual sonorizamos nossos pensamentos sem que ninguém nos ouça, sofremos nossas afetações , nosso Pathos , como dizia Spinoza.

É justo nesse espaço onde o outro não penetra que sofremos do tempo de forma inconfessa , nossas mazelas que resguardamos do tribunal social , nossas angústias de estar indo sem saber pra onde , o gosto do que se foi e ao mesmo tempo permanece , uma busca dos modos compartilhados e a solidão do próprio destino , uma estar sozinho sem queixas ou acusações.

Essa servidão involuntária , não nos deixa alternativa , ou é ou é , um tipo de imperativo que não se faz menos categórico pelo fato de ser menos autoritário, é como se pudéssemos nadar como peixes com a sensação de liberdade , embora estando dentro de um lago , da qual não podemos sair .

Curioso, é que ao se dar conta disso, Camus afirma que a única questão válida na filosofia é o suicídio , ou seja,  a vida faz sentido?

Se o tempo é Senhor, e Cronos era muito parecido com a Morte , o que nos resta ?

Viver , logo se diz . Mas viver pra que ?  argumenta Camus , que de certa forma encontra em Cioran certa parceria , já pra esse filósofo búlgaro , a vida encontra sentido em suas próprias amarguras.

E nós ? não tão cultos , não tão profundos , talvez mais sorridentes e chorões , vivemos nossa vida como um culto cotidiano cheio de conteúdos que vamos triando para ampliar nosso gozo , razão da vida para alguns , esse hedonismo, que hoje de tão metonímico , ficou histérico fazendo recrudescer em nós um vazio, que pós-modernidade tratou de elevar aos novos modos de ser , a nossa liberdade escolher o que for , um direito ao mau –gosto , pura e simplesmente assim.

Mas a vida não para e nem o tempo , diz Cazuza . Tudo gira e vai girando e segundo um iniciado mor “ não tem dó dessa matéria , diz Mestre Irineu .

As saudades gritam seus clamores e apegos , as lágrimas os lamentos do que se foi , um grito espremido entre o passado e o viver do presente , essa imanência que uma vez nós , sempre nós , tal como o ditado espanhol “ Porque justo a mim me coube ser eu?

Às vezes, temos pena da gente mesmo , um direito justo se não for exagerado , “O que Deus quer de nós dizia Jung , em suas reflexões angustiantes perante o Mistério e a onipresença da dor psíquica ,a dor que não dispensa o sentido do viver ou do morrer.

Então o que nos resta , mais uma vez perguntando ?

Ir , redefinindo a descrição de nós como peregrinos , os que vivem dentro do tempo , buscando sua intimidade , para que ele o tempo, nos ensine o que de fora não temos como aprender , o que nossas fronteiras maculadas e doutrinárias cegam o alcance , e talvez assim tenhamos com o futuro uma relação de amor onde nossos objetos não sejam tão substantivos.

Esse parece ser o espírito da gratidão , que já habita o futuro , pois embora tudo passando materialmente, nem por isso deixa de reconhecer o valor do que recebeu , a intenção e a qualidade do que foi oferecido , a inscrição do gesto nas alturas , lá onde os homens colocaram o Céu .

O Céu enquanto metáfora das alturas do cotidiano , que tão cheio de vícios e conteúdos nos asfixia , nos torna duros e exigentes , nos faz engolir o choro abençoado de nossas lágrimas tão conexas e íntegras e também da alegria tão verdadeira de nossas celebrações .

A vida como celebração da alegria do existir e da reverência profunda à dor que nos ensina e nos irmana , apesar do nosso narcisismo falido insistir que só o Eu é a plataforma , o atraso em relação aos que já não precisam tanto defender , pois menos compulsivos na redução mental de fazer da vida uma onipotente contenção entre as quatro paredes de si mesmo.

VALEU

 

 

 

 

5.12.12

Ai ! que tudo vai passando ...


 
A vida anímica é pra nós a vida por excelência , a vida em que nos encontramos , em que nos praticamos , onde aprendemos o mundo , e a nós mesmos.
Desde sempre, é essa vida pela qual lutamos , cenário único de nossos embates e onde vamos adiante na busca de ser feliz . Esse mundo é a nossa crença favorita , guarda –roupa de nossas vestimentas , desde as usuais , corriqueiras , até as mais luxuosas de raras ocasiões.
Obviamente, é onde o mundo se compõe com seus arranjos e desarranjos , com o grotesco e o sublime de suas concepções e onde todos nós nos encontramos , como num grande palheiro que nos faz buscar conexões invisíveis ou inexistentes , para dar algum sentido a essa imanência de estarmos juntos sem saber exatamente para que.
Quem nasce ratifica e testifica o que existe , e promete não só cumprir como animar as construções ancestrais , alcances e limites dessas concepções que nos norteiam , que nos oferecem à estrutura e os modos de segurança , bíblia importantíssima par nos poupar esforços desnecessários.
Somos atores com script definidos, e que temos por questões singulares indefinir, já que o mundo muda quando nascemos ,uma vez que somos representantes de um processo único e complexo , um enorme trabalho de energia e desejo, que nos torna dependentes da significação.
Habitamos a todo tempo à significação e a buscamos em tudo , nosso lema é ser reconhecido e se possível amados .Essa estranha filiação ao sentido , nos faz a princípio querer estar em tudo, como se nossa ausência assinalasse uma dispensa , ou seja, minha presença , diga-se material, é a senha da minha inclusão, preciso estar em tudo.
A idéia de ser esquecido é um tormento que nos força a um tipo de grupalidade um tanto tribal , onde a solidão é vista como um negativo , uma falta do outro , um sentimento terrível que nos apunhala frontalmente , uma pergunta sofrida e ácida de quem sou eu quando fico só?
Então , vamos nessa , tudo junto , o junto aqui como uma forma de ocupação , um sentido visível do outro , a diluição do medo de escuro quando a mãe está perto.
Isso anima a vida em todos seus rituais anímicos e seus jogos de animação , assinamos essa forma de prestígio a cada dia , e protagonizamos suas sequências , dia-após-dia.
A princípio, tudo nos faz acreditar que é assim mesmo ,e qualquer modo de insubordinação é mal-visto , pois existem sanções nos estilos também , já que o coletivo precede o individual , e a forma precede o estilo.
As ordenações, que merecem estudos a parte, regulam a vida e sua forma de preenchimento, nos inculcando noções  e nos direcionando para valores que , em resumo, nos dizem o que é certo ou errado.
Vamos ser homem ou mulher , e se for gay já complica, de acordo com os cânones estabelecidos , forçações ( não existe essa palavra, inventei) ideológicas que reasseguram à ordem , a moral e os bons costumes , chavões de uma sociedade parasitária que não quer mexer com seus enganos.
Mas, se do ponto de vista coletivo , vemos o mundo com sua maquinária apelativa e cheio de ameaças aos descontentes , por outro lado , do lado da terceira margem do rio , onde a subjetividade não tem a marca de um mero reflexo dessa mumificação social , nossos apelos singulares , nos cobra a razão pela qual nascemos e se não fizermos diferença , embotamos o valor do próprio nascimento.
O risco aqui é permanecer não-nascido no singular e com o protótipo de personagens de animação , cuja liberdade está no limite mesmo do seu desempenho , ou seja, o mundo me diz ao que vim , me prometendo suas glórias e infortúnios , me oferecendo a possibilidade de não ter que me dar ao trabalho de descobrir .
Nascer é forçar , é coragem , é encorajar-se para mais , é um descontentamento perene com todas as promessas do mais fácil , é uma ruptura profunda onde o que era primordial se faz supérfluo, e o que não tinha importância parece então fundamental.
A viagem não se faz sem revolta , sem insubmissão , pois é preciso questionar para saber , é preciso lançar-se , mas não para respostas definitivas e cheias de certezas , não , o mote aqui é outro , por querer nascer não sei quem sou ... e por favor não me digam , vivo de forma plena no que não me satisfaz.
Penso o quanto a arte quer vida , o quanto o singular no esteio do coletivo faz à diferença , e o quanto precisamos nos sentir únicos para poder amar , já que o amor não pode ser o sufocar das diferenças , mas o berço onde se nasce como celebração desse único.
Pois há um momento mítico em que essa operação profunda cobra sua realização , já que na medida em que tudo vai passando , mesmo ao que nos agarramos para prender , esses jogos anímicos de sustentação da vida vão imperceptivelmente se esvaziando.
É como se os nexos afrouxassem, e os fossos se abrissem um pouco a cada dia ,e como se de nós para nós, algum silêncio se fizesse , alguns hiatos nos intervalasse e o mundo , esse tão familiar e estranho mundo , ficasse um tanto fora de foco , fazendo com que certa estrangeirice nos apossasse , nos trazendo certa memória sem conteúdo.
Memória essa que nos remete ao que há de mais vago para uns , ou ao lugar de ausências , o âmago da poesia , dizem os poetas , já que por princípio o que fica é o que já passou , o inexistente com feições de saudades , dores silenciosas de se saber, que no jogo maior tudo se vai e nada fica .
Quebra-se as identificações , essas molduras que nos garantem feições socialmente ratificadas, e aos poucos começamos um longo caminho a sós , onde as sonoridades diminuem , os frenesis já não interessam , e as conversas sem humor parecem enfadonhas .
Todo pequeno aparece como tentação , como apego , uma sedução de não ir , como se fosse possível ficar , apenas um truque de se permanecer acompanhado quando o funil aparece , ou companhias presentes para uma alma ausente .
Tudo uma grande e bela recordação , um poema diria, um ir não se sabe pra onde , mas com o registro de que todos vamos ,talvez para descoberta do que nossa forma de viver encobriu , talvez para o mesmo âmago do mistério que um dia nos trouxe.

15.11.12

A cura e o incurável


 

Há em nós, nessa cultura fálica, um certo temor de admitir que algumas coisas não tem cura e pronto. É como se tivéssemos que curar tudo , um "furor curandis" que tem nos dificultado e muito. Talvez se, num ato sincero, reconhecessemos o que não tem cura , poderíamos ver melhor o que tem, e com isso redefiniríamos nossos limites.

 A idéia de cura é complexa , pois, por muitas vezes, o que temos por cura num nível pode não ser no outro, como no caso de uma enfermidade, que por muitas vezes precisa ser mais rápida em sua manifestação , com o risco de que uma outra poderia ser fatal .

É o modo como a vida defende seu patrimônio ,e é possível pensar, que não sucumbimos por ela estar ao nosso lado . Tantas loucuras , tantas ignorâncias ,que perguntamos porque não foi pior? Porque a vida nos defendeu , já que seu princípio é manter todos vivos e espertos .

Pra que ? O que se passa aí?
Freud categoricamente afirmava que o que queremos é morrer , o descanso nirvânico da tensão nenhuma ,mas a vida é que não deixa . Não deixa esta tensão zerar , de formas que economicamente estaríamos no máximo do gozo . Mas viver dá trabalho psíquico e físico também, pois temos que agir no mundo , aceitando suas regras e buscando o como fazer melhor com menos trabalho .

Submetidos à pressão da vida social , o esforço é enorme e muitos não conseguem e se alheiam  ou desistem e saem da estrada .Até pra ser masoquista diz Lacan, "dá muito trabalho". E de fato, perpassados por diversas forças que sobre nós atuam , desde a natureza até nossas pulsões , aprendemos que sem malabarismos , nada feito .

Viver e com-viver, é um ato contínuo de malabarismo , onde aguçamos a atenção e não podemos deixar cair tanto , pois sabemos o quanto é difícil levantar .

Lutamos então para flexibilizar , pois o vento bate e nos curva e com isso nos movimenta pra lá e pra cá , e com isso aprendemos a sacudir , " levanta , sacode a poeira e dá volta por cima " diz a letra que marcou época , indicando uma série de movimentos e de gingados que o malandro , essa figura incrível, precisa ter.

Mas também parece verdade, e Freud observou isto também, que muitas coisas , ou modos de configuração da matéria mental , parece obedecer a outro tipo de apêlo , pois insistem em ficar no mesmo lugar , apesar de toda evidência em contrário , mostrando que chegou a hora de mudar .

Tem-se inclusive a impressão que quando se busca mudar , há algum tipo de leitor que ao denunciar o desejo , conclama todas as forças da mesmice para protestar , gerando boicotes às vezes tão grosseiros, que chegam a parecer um tanto ridículos .

O desculpismo tem seu próprio vocabulário e sua retórica impenetrável , que nos dá a impressão clara, que se luta para ficar e não para sair.

O sintoma assim posto é paradoxal , pois quer e não quer ao mesmo tempo, ou seja, a economia vista pela relação custo-benefício , aponta o custo e o consumo energético, que se tem para manter o sintoma enquanto um modo agudo de condensação psíquica .

Por outro lado a liberação energética , implica em mudança de posicionamento para que novas circulações sejam possíveis , e aí começa um fenômeno que impressiona os analistas .

Quando a energia afroxa e consequentemente o campo distende , é o momento onde a diminuição da tensão psíquica abre opções ao campo mental, que antes sequer era possível cogitar e o que era da ordem de fantasias distantes se aproxima .

Isto resulta em que o desejo ganha força e novas impressões surgem, e por princípio revigoram o cenário mental , de formas que algo se expande fazendo com que o que está estabelecido entre em vibração e comece a balançar , a "vertigem da liberdade" que Kiekgard apontava.

Novas avaliações se fazem e re-ordenações passam a acontecer , até aonde a pessoa não se sinta ameaçada pelas rupturas que percebe se delinear na sequência , pois justo aí, é que começa o perigo.

O perigo, de mediante algo novo e diferente por falta de identificação psíquica , fazer recuar em nome da segurança do já conhecido , toda energia liberada e desta forma cair na tentação econômica do" deixa como está".

Ruim com ele , pior sem ele , me dizia uma mulher num casamento já inexistente e destroçado , mas regulador de fantasias de destruição para alguém, que desde cedo , não pôde se experimentar sózinha. O gozo narsícico da singularidade , o ímpar da diferença , o brilho do valor único , que nenhuma relação não oferece por si , mas pode se tornar um bom lugar para prática do dois , enquanto um terceiro que brota no amor de dois.

A questão é que quando o campo abre oferecendo possibilidades , temos grande chance de exaltar a pobreza do lugar comum , como contrapartida ao maior , um tipo de fobia à espaços maiores que supomos exigir o que não temos.

Assim temos as razões para desistir , as velhas desistências que nos empurraram para o sofrimento que queremos nos livrar. É como , depois de todo preparativo para o salto do trampolim , desistíssemos e optássemos por ficar como sempre , uma armadilha ardilosa com gosto de fracasso , verdadeiro laço que nos une à uma mesmice muda e vai selando o fracasso como destino .

É lamentável, que mesmo nossas psicologias não ajudem muito , e que a Psiquiatria acabe compactuando com sintomas , um modo onde as questões verdadeiras da criatura , fiquem presas nas penumbras de seu recuo.

Tem-se então a impressão que se vai ficando , abandonos silenciosos de sonhos mais ousados , entregas à fronteiras estreitas que sacrificam o dinamismo mental, insatisfações que cada vez mais tornam os nervos frenéticos , gerando impaciências , irritabilidades , intolerâncias e por fim um forte sentimento de impotência , que hoje , respondem pelas bi-polaridades psíquicas.

A cada recuo , é difícil se dar conta que o futuro esteja em jogo , pois o elo recusado tem em uma de suas interfaces , não só o passado , mas o devir , o que poderia ser , caso fosse .

Melancolias do futuro, que nos deixam com sentimentos de atrasos que não sabemos do que , é como se corressemos atrás cada vez mais , com a sensação que a maçã pendurada em nossa frente se afasta na medida que buscamos mordê-la . Com isso, nossa confusão só faz aumentar,pois nosso esforço começa parecer inútil , e nossa vida a ser tomada pela alma das obrigações e deveres  que aos poucos vão parecendo castigos , a tal ponto que , muitos autores, ainda vêm nisso a "queda do Éden" se repetindo em nossos infernos brandos e repetitivos.

O incurável é o que é assim e pronto , não vai mudar , não só por que não se quer , mas também como uma mostragem que nossa capacidade de reversão tem limite . Não podemos ser o que queremos , e nos resta reconhecer que temos que viver no que nos é possível, eis a nossa castração de todo dia.

Aceitar isto nos torna modestos , enquanto hérois de uma vida simples , mas pode ser também uma libertação das fantasias fálicas que sempre nos obrigam a debater com a vida o seu porque e sua ordenação , e admitir que falhamos . Falhamos em ser como o pai , como o avô , como machos comedores , como a mãe , avó , como super-mulher ou super-homem , e descobrimos que se não formos como somos e tomarmos nossa chance única, que só nossa singularidade nos oferece , nosso jeito , nosso estilo , seremos um tipo de doublê de nós mesmos , a estranha retórica que não nascemos para ser felizes.

Talvez o que queiramos curar, é justo, o que não tem cura , e o que passamos a vida recusando, seria então , o que poderia mudar o jogo a nosso favor.

Mas.............

 

 

 

 

 

 

 

22.10.12

Quando bate a hora , ultrapassagem e morte na estrada de si


 
Continuando então a reflexão postada no artigo anterior (que diga-se , não sei qual) partimos então do bater da hora , o momento intenso, profundo, que se instala como uma névoa , um tipo de embaçamento que vai se manifestando sem que possamos controlar .

Algo se altera à revelia, como um marco , um momento em que a ruptura se estabelece, e a partir dali , a corda se rompe e o barco desliza, sem que o dono possa imediatamente trazê-lo de volta , algo como “os dados estão lançados” , há de se viver os resultados.

A idéia de que nossa vida possa ser regida por algo adiante , não nos é tão familiar , já que nossas determinações parecem vir todas do passado , ou seja , do que temos registro , o que se inscreve na memória , nos dando um senso de continuidade , que para muitos estudiosos , é a nossa maior ilusão .

Com o passado temos um tipo de intimidade mnêmica , um tipo” juro que foi assim” , ou um grau de certeza , já que afirmamos que em tudo que já nos passou , estivemos lá.

Estivemos mesmo?

Eis uma estranha indagação, inconcebível para uma padrão mental que alicerçado em categorias de certezas, recusa enfaticamente à possibilidade de ações no plano psíquico que não tenham sido induzidas por um sujeito , mesmo que esse sujeito seja partido , ou inconsciente , como diz a Psicanálise .

No entanto , também seria equivocado , dizer que nossa vida seja apenas  a expressão dos nossos quereres, pois nem sempre se muda por que se quer , e sim porque já não temos como conter o que saiu do lugar , já que depois de tanto in-decidir , a corda ao se romper , já não nos deixa outra alternativa, senão largar para seguir.

A figuração de seguir  nos comove , seja na literatura ou no cinema , ficamos impressionados com os personagens errantes , aqueles que parecem nunca ter endereços definidos , ou mesmo de morarem em lugar nenhum.

É como se encontrássemos o que temos de fluido , um contra-ponto dos modos pesados que nossa solidez nos impõe , a vida que materializa suas regulações como ordens inconteste , nos dando a impressão que nosso script , é um tipo decoreba , uma cartilha de sinalizações que tem o mérito de nos levar aos mesmos lugares de forma mais econômica.

Mudar é suportar o atrito com o que se tem de mais rígido .

E nossa rigidez é a forma mais arcaica, do quanto nossa identidade primitiva ainda é indiferenciada , o quanto qualquer vivência nos faz sofrer em termos simbióticos , como se fossemos protagonistas de uma constante ameaça de destruição , ou seja, tudo que tenha o poder de nos desautorizar, tudo que torne nossa autoridade impotente em nos salvar.

Em nosso nível primário o que nos interessa é manter pra nos assegurar da continuidade , da perspectiva de que as sequências não nos decepcionarão , e de que nosso viver é o modo manifesto de nossa ilusão sequencial .

A neurose é uma ficção sequencial , um apelo tão forte às figurações lineares , que a milênios sofremos desse modo de doutrinação , postulados que ao mesmo tempo que nos oferece abrigo , nos deixa à deriva , quando temos viver rupturas atéias , aquelas que não se importam com as liturgias de nossas crendices particulares.

Uma vez que a hora bate , sacrifica-se as sequências habituais , e vive-se o medo do escuro , a opacidade do que chega , já que nos instiga e nos atemoriza , uma paranóia com gosto de que algo acabou, e que nos é extremamente doloroso te que largar.

Ir adiante, ao mesmo tempo, que parece o clamor de nossa liberdade , é também um tipo de sentença de morte,  em que sentimos o presságio de nosso fim , um certo desespero do que será de nós ,já que despossuídos de certezas e cheios de dúvidas por todos os cantos de nosso ser, tentamos nos agarrar a qualquer fiapo de certeza , lugar onde nos tornamos sensíveis a qualquer profeta que nos diga o que fazer.

No que a corda se rompe e o barco começa a se afastar , somos tomados pela re-visão feita pelas culpas e dívidas que carregamos com relação as nossas competências , isto é, onde nossa presença pode estar e se dizer , ou onde nos escondemos em nosso-faz-de-conta habitual e buscamos o emudecimento como refúgio .

Nossa simbiose implica em rever contratos de convívio , lugares onde depositamos omissões e cultivamos a surdez  como meio de não se inserir , único meio pelo qual a vida pode nos perdoar , já que mudar é buscar uma outra forma de inserção , uma redenção do que é restrito e exigente , e tomada das grandezas como “entrance” no que é maior e generoso .

Toda crise é um confronto com que é mesquinho e particular demais , um empuxo para um devir de maior abrangência e com-sideração , um aprender que não está nos livros e cujo professor é o valor da própria questão.

Aqui tudo precisa ser visceral , algo mais próximo das entranhas , lugar de onde se veio , a melhor forma de saber pra onde se vai , já que o fim e o início estão sempre , um término é também um recomeço .

A morte de si é um funeral narcísico , uma ruptura com todas as fantasias sobre si construídas ao longo da vida , um sistema de compensações e de exigências que fazem do amor o lugar de aberrações e de renegações de limites.

No que sou destituído , não há como não encolher , uma redução de tamanho que pode causar regressões literais , um sentimento de incapacidade de continuar , que nos faz questionar o quanto crescer é uma exigência , mais do que um desenvolvimento compassado de fases psíquicas.

18.9.12


A REVOLUÇÃO DO MÍNIMO

Habituados aos anseios pelo maior , seja lá o que isso queira dizer , esperamos por algo que venha a mais , que nos traga sensação de ganho , essa economia que o capitalismo só faz reificar e se valer , esse preenchimento quase compulsivo ... do nada.

Vida moldada por essa troca perene , entre o que sai e o que entra , vivemos aí, os ganhos e os prejuízos , que validamos por algum critério particular , que sequer conseguimos explicar pra gente mesmo , por exemplo , uma sensação de perda é o suficiente para comermos a mais , ou gastar não importa muito com o que , ensaio de uma reposição simbólica do que se foi .

Essa economia que nos torna contábil a todo tempo , rege nossas transações e dependendo, dão uma concretude desmesurada ao que buscamos , de tal forma que nos arvoramos nessa busca , dando a ela um estatuto quase vital.

Dependendo do valor que esteja em jogo , a própria vida entra na roleta , e pode ser a última moeda a se apostar , como se, ao não suportarmos perder , entregamos o perdedor , única alternativa de uma pretensiosa  fantasia de acabar com o jogo, acabando com quem joga.

Lacan diz do mais –gozar , ou seja , sempre queremos mais , pois o inconsciente é da ordem do capital , que sempre quer mais , por isso é capitalista . Esse a mais é o moto-perpétuo do desejo , esse insaciável que rege a economia de todo movimento .

Mas, inseridos nesse sistema somos consumidores de todo tipo de fetiche , seja na roupa , seja no sexo , no cigarro , enfim , no que for , lá estamos numa oralidade quase acrítica , que põe pra dentro tudo que é sugerido , sem nunca perguntar o quanto custa sair.

Diria mesmo, que criamos uma oralidade própria aos tempos modernos , tempo de consumo, dos insumos rápidos de pouca digestão , que afetam profundamente o aparelho gastro-intestinal , considerado o segundo cérebro do corpo .

Sem entrar em reflexões psicossomáticas , o fato é que , ou sofremos de desarranjos, ou de constirpações retentivas , expressão de distorções energéticas de nossos apegos ao impegável, ou de nossas expulsões rápidas , talvez traídos pelo que entrou sem merecer.

Sempre me pergunto se o quanto o ganho , ao se tornar elemento chave , pode nos fechar ao invés de nos abrir , o quanto nos tornamos sujeitos a velha fórmula de ganhar e não levar , agonia constante para nossas aflições possessivas.

Penso que a sensação de ganhar pode ser fictícia se não nos leva adiante , um passo a mais , uma amplitude diferenciada para melhores opções, pois afinal , o que significa ganhar e estar sempre no mesmo lugar?

Precisamos nos sentir melhor , uma justificativa para nossos investimentos , por vezes tão caros e sofridos que não deveríamos nos contentar com pouco , um a mais , mas com qualidade , uma estética mais apaixonante e desafiadora e não meros fetiches inúteis que só fazem nos engordar, e se sentir vazios depois de dois minutos.

Se o ganho for a palavra de ordem ,a celebração se sacrifica já que é contemplativa , pois nos dá um ganho que não pode se contabilizar nos registros usuais , é um ganho como a arte , um ganho de um sublime a ser deslumbrado e não possuído e guardado.

Esse ganho da celebração quando se abre na alma , nos coloca frente ao extra-ordinário , onde se ganha com o menos e não com o mais , um des-possuir-se  ao invés de possuir e conter, um largar para permanecer mais vazio ao invés de entupir-se e querer mais para se preencher.

É justo aí , que descobrimos todo valor do mínimo , o valor do que se tem e não só do que se quer , um louvor de gratidão aos invés dos protestos insaciáveis , a beleza nas mínimas manifestações que , em geral são despercebidas .

Num vídeo recente feito por um canal de televisão se não me engano , filmou-se a vida desde os embriões até seus corpos adultos , um trabalho de rara beleza e de silêncio fecundo onde nada atropelava nada , como se cada etapa soubesse seu lugar e hora , sem brigas desnecessárias , numa interdependência compassada de mesmo sentido e direção.

A filosofia moderna nos ensina que não temos natureza , que não temos essência , logo somos nada e podemos ser tudo , um laborioso trabalho de decisões e escolhas , embora curiosamente , algo me faça acreditar que estamos fadados ao Bem.

Se não temos a harmonia a nosso favor , podemos então , apreciar o valor do Bem em comum, esse gosto ético-estético e espiritual de estabelecer direções para nossa energia onde a vida se faça melhor pra todos.

Se há aí, algum tipo de queixa de ter sido deixados a sós pela natureza , que não nos dotou de instintos que nos dirija e nos mostre o caminho, por outro , nos deu o espírito da aventura , da graça de arriscar e descobrir , de ter o poder de discriminar o quanto o Bem nos eleva para uma plataforma de maior visada, onde o ganho mesmo , é o que pode ser um patrimônio comum.

A vida nos dá a cada dia e recebemos cheios de reconhecimento , algo que relegamos a uma religiosidade das religiões, mas que só nos coloca em mais-erro , ou seja, quanto mais aderidos, mais pegados e pesados , a vida como uma carroça para os sonhos , estranho contraste com a velocidade dos fetiches.

Nossa religiosidade é a celebração do que existe e nos é oferecido sempre ,uma metáfora de grandezas livres e desimpedidas  e por isso livres de medidas estabelecidas, sem pertencerem a um sistema específico de valor e reconhecimento.

É um patrimônio de todos, sem preço estipulado pelo homem , é o gozo não-material dos sensíveis, que vêm a beleza que desabrocha sem alarde, sem cobrar nada a quem quer que seja, a não ser que vivamos com olhos de ver , já que o homem morto é o que mais interessa, pois é uma presa mais fácil .

É o homem que não vê o aqui , pois é lá que o objeto está... mas lá onde?

Na sua fantasia de apropriação , no seu querer ser dono e mandar sempre , na mera revolta de não se deixar capturar pois é livre ... para ser escravo , o gozo que Nietsche abominava , pois era dos fracos e ressentidos.

O homem morto pede a sugestão pela recusa de ter que descobrir e decidir , e enquanto in-decide , pisa nas flores pelo caminho , não se emociona com as estrelas e não vê poesia ao seu redor , menos ainda quem lhe precisa.

 A revolução do mínimo é para poucos , os que buscam o gozo da qualidade sensível , cheios de recheios naturais , numa postura de quem vive a favor e que mesmo sofrendo do querer mais , que seja o melhor para todos.

Para isso revê suas medidas para o que lhe convém , um direito de ser-feliz , sabendo que não é o muito sua senha, e que seu pouco é sua leveza , já que seu desprendimento é o seu maior gesto de amor para consigo , não como uma indiferença , mas como uma paixão .

O mínimo nos dá intimidade , está nos cantos , nos prazeres intensos e gratuitos , seja no café , no banho, no papo , nos sortilégios do imprevisto , sempre na forma de uma gratuidade que provoca o espanto do custo dos prazeres vendidos.

 

19.8.12

Sem tristeza não se chega no fundo , no pró-fundo .




Escrito ao som de Adele , a triste que encanta o mundo


É curioso como nossas dores maiores parecem penetrar no mundo , tudo dói em tudo , a memória parece fazer uma cumplicidade com todos os ínfimos detalhes , até mesmo aqueles que nunca sequer nos importaram ,e agora tudo é ,uma opacidade, onde as paredes, por não conseguirem conter o clamor, o faz deslizar.

Deslize onde tudo se repassa sem piedade , como se merecessemos passar pelo que estamos passando , não exatamente por castigo , mas como abertura para outros estados, onde a alma enfrenta o profundo , uma tarefa que parece pertencer à sua vocação .

A principio , uma vocação maldita , que arrasa o bem-estar costumeiro , esse nirvana sintomático do cotidiano , onde descansamos nossas vidas e temos um senso de continuidade consigo mesmo, sem grandes saculejos ou empurrões desnecessários .

Nossas ficções de amor são caprichosamente trabalhada nesses lugares , pois não pensamos no amor como um furacão , mas como um vento-a-favor , uma reiteração melhorada do que já temos ou do que podemos acrescentar , mas sem grandes saculejos ou empurrões desnecessários.

Eis que numa conjunção ou disjunção cósmica qualquer algo se rompe , e sem nos consultar nos faz viver dores que não pedimos , nos dando o gosto terrível da impotência , o apagamento de todos objetos e fetiches da magia , onde o encanto acabou , simples assim .

Acostumados a sermos o centro do universo não-Copernicano , que veio nos chatear , fomos des-centrados , jogados para laterais ou para os barrancos que nos fazem rolar , machucados que ardem no ato e no tratamento .

Uma impressão profunda que perdemos , que não teremos mais , que misturada a idéia que talvez não tenhamos aproveitado tudo , só agrava nosso rasgo , um sulco no centro da alma que se parte, uma viagem ao fundo , que curiosamente nos arrasa , nos tira o raso.

Vazados , somos despossuídos , uma contra-mão de quem se preparou e foi preparado para possuir,a mão que mesmo contra, se abre para deixar de fato o que já não pode manter, uma sentença feita à fantasia de tentar salvar o que já não é possível.

Ah ! que dor , eis o nosso brado emudecido , de pouco alcance às palavras , somos empurrados com saculejos de todos afetos envolvidos , parece que nosso valor foi o maior blefe vivido , uma mentira que não resistiu aos ataques do que se foi .

O que se foi , foi levando em nós o que nos era mais caro , o que tinhamos de mais caprichado , e ele sim tem valor , o valor de nos fazer sentir uma merda , a vitória escatológica que nos arrebata como um guerreiro que lutou , lutou , mas não resistiu à dor do que lhe foi tirado.

Toda nossa rotina de si foi alterada , pois a vida já não acompanha nossas intenções, que mal sabemos quais são , até pensar em morrer faz parte, nosso senso de preservação se altera, pois , já não sabemos se queremos se manter , pois vem a cruel pergunta; se manter pra que?

Nossa alma parece ter ido embora , nos largou sózinhos e sem nenhuma inspiração maior , um corpo sem metafísica , um pensamento sem corpo , um monismo apagado e um dualismo sem ligação , ah! quanta tristeza!

Tudo parece se dirigir para o fundo , que tal como nos sonhos não tem base, e nos faz tremer com a idéia de continuar caindo sem parar , ou mesmo de ter que se agarrar aquele galhozinho magro na lateral e passarmos ali a vida inteira com medo de despencar.

Nesse momento, constatamos que nossa vida pertence à uma certa altura , que já galgamos muitas coisas e subimos vários degraus ,e cair ou despencar é contrário a tudo isso , somos anti-gravitacionais , não queremos ficar presos , sentimos falta radical de nossa cidadania nas alturas.

O tempo e nossa força de aceitação e elaboração vem a nosso favor , precisamos voltar a existir , desconfiamos que somos uma peça que fará falta no tabuleiro , que precisamos continuar , nos recuperar do golpe duro e dificil , juntar o que nos restou e aos poucos levantar .

Somos seres de desafios e mesmo combalidos , em algum nível , voltamos timidamente a nos querer de novo , reequacionamos o valor do que se foi , estimando se foi um ato do destino ou uma decisão pessoal , ou seja , se o que perdemos foi pela parte do destino ou se foi por decisão de alguém.

Esse modo de compreender tem fortes influencias em nossa forma de re-considerar e é decisivo na ordenação de nossas forças, e sem ter em conta casos mais graves , nos ajuda muito em transformar dor em aprendizado .

Mas para isso é preciso deixar a tristeza viver , entrar em seus estados d`alma , seus cenários e labirintos , até que aos poucos como uma bela mestra até então escondida , começamos a perceber o quanto estamos mudando e pensando o que tinhamos medo até de chegar perto.

Um novo fluxo vai se desvelando e atualizando nossa energia , nos dando uma nova consciencia das recusas , da surdez, das carencias , das submissões forçadas por medo de deixar ir, do nosso "eu" pequeno e arrogante , especializado em estratégias desde cedo e que com isso nos dificultou poder se ver , um pouco mais nú , um pouco mais crú.

Descobrimos que somos filhos das polaridades e negar isso é forçar uma filiação que não se mantém , somos dialéticos , um tanto assim como assado , tanto direitos como tortos , ternos e agressivos , nobres e plebeus , e descobrir isso sem mal-dizer, é uma experiência que nos deixa felizes, pois percebemos que lutamos muito para sermos aceitos.

Mudamos a relação com a alteridade , pois o outro não é mais dono , e eu não vou mais brincar de acordos que não ratifico , um surto de sinceridade que convoca toda coragem que jamais tive.

Vejo o quanto minhas tristezas me são necessárias como antídoto contra o superficialismo sem alma , essa cumplicidade coletiva que me obriga a ser personagem de textos que não me reconheço , ah " minha alma o quanto te preciso , o quanto é você o meu mistério , o eterno devir dos meus altos e baixos , a grande companheira de uma jornada dificil e longa, é com você que sigo , pois sei que eu e você , você e eu , nos precisamos .

Mesmo que eu caia , sei que você luta pra me levantar , que eu erre e você luta pra eu acertar , que eu sinta o fim e você me propõe o recomeço , que me soergue dos vales escuros e me conforta com um pouco de luz , que me salvaguarda das ilusões de superficie me dando a dor que me aprofunda , pois tenho aprendido que é lá que você mora.

Como não tenho imunidade , passarei pelas dores do mundo e espero com a maior dignidade possível , já que ouço os choros ao redor e me comove o coração apertado, mas vivo porque sei que só quem está vivo pode sofrer e levantar, afinal , estamos numa escola, dizem os sábios , e como aluno me resta aprender e bem o que me ensinam e por isso , não me recuso à tristeza , pois sei o valor de suas matérias.

6.7.12


O Hospital Psiquiátrico- O cemitério das conexões e da ressureição



Embora o título possa parecer fúnebre , não é bem esta idéia que me anima .

O que me instiga, é a possibilidade de pensar um certa idéia de campo onde um conjunto amplo de pessoas , têm as suas vidas ou o que resta delas se compartilhando habitualmente, sem que antes tenha havido entre elas qualquer familiaridade.

Se pra nós a familia é a matriz do convívio e se os amigos pertencem às escolhas que fizemos , o que se passa quando temos que conviver sem familiaridade ou sem escolhas?

Me parece que todas as tentativas feitas de mudanças na dinâmica ou de transformação do hospital psiquiátrico , obedeceram a duas pretensões : ou de favorecer vínculos e dinâmicas mais vivas na dimensão interna ou de tentar buscar espaços novos de inclusão do lado de fora.

Ou caímos nas propostas psicodinâmicas ou em lutas políticas relativas aos direitos de cidadania do doente .Em algum momento todas foram válidas , embora passem e fica a conta do que restou.

Agora mesmo temos aí a Reforma , que buscando um impacto de ruptura , chegou ao extremo de propor o fim dos hospitais psiquiátricos . Assim como Baságlia em Trieste , que num contexto próprio e amparado pelo partido comunista italiano sugeriu então que o paciente fosse de responsabilidade comunitária .Apêlo , diga-se , de teor fortemente humanitário , mas que só teve força de sustentação com o próprio Baságlia , já que após sua morte houve um reaparecimento ainda maior do hospital psiquiátrico.A doença mental parece pertencer a um universo próprio, um campo complexo de forças entrelaçadas , que mesmo que num momento histórico queiramos destacar uma, logo o campo se recompõe , desafiando os alcances de nossos saberes.

A apoteose em Kingsley Hall com Laing e Cooper, com a proposta de uma anti-psiquiatria , aproveitando os tempos de novas buscas para o estabelecido , em quase todas as áreas , assim como, a tentativa de Maxwel Jones, de dar ao hospital psiquiátrico um caráter comunitário , preservando a rede de convívio e de produção social , onde o cotidiano pudesse manter os rituais do fazer e da participação do mundo lá fora. Propunha uma certa concepção mais horizontal , menos hierárquica do tratamento psiquiátrico , uma comunidade que produzia seus viveres e relações.

Possivelmente foram experiências que ajudaram a modernizar o Hospital e marcar alguns valores, que foram incluídos no modo como o lugar do doente mental foi sendo des-demonizado ,e o hospital menos temido .

 Mas se tudo isto fez com que novas matérias trouxessem novas exigências estudiosas e alimentassem o debate , por outro , o avanço das medicações ,também possibilitou , um perfil mais ágil do tratamento em relação ao tempo e consequentemente um menor período de exclusão social.

Mas nosso estudo não visa exatamente um exame histórico dessas ações , embora de extremo interesse .

O que gostaria de recortar aqui se refere a um tipo de vazio, com feições de nada, que a meu ver tangencia um pouco o foco dessas iniciativas .

É um vazio que chamarei de vazio na alma que parece impreenchível , um tipo de esvaziamento das consistências , que configura uma aura de exílio , que chega a contagiar os que precisam de foco para trabalhar.

Acostumados a um modo de apreensão , um certo perfil do tempo e do espaço onde o olhar mais analítico busca conectar para poder ver , algo lábil que não se deixa pegar, comparece, e ao mesmo tempo , por parecer tão visível faz com que as estratégias do pensamento comecem a pontilhar . É como ver e não poder pegar , algo como um sopro que se desvencilha a revelia do desejo .

É um fenômeno incrível que têm registro energético no campo sensível , como se largar ou se afastar trouxesse certo alívio e ao mesmo tempo um tipo de frustração dos nexos do sentido, embotasse a significação .

Este tema embora teoricamente presente , mesmo que de forma oblíqua está presente na Psicanálise . Em Freud quase como desistência pois" o psicótico não sustenta relação transferencial ". Em Lacan com a questão do "Nome do Pai que não se inscreveu" , caminho teórico longo e de poucos efeitos clínicos e talvez no questionamento das condições de sentido em Wittegeisten .

O que se sustenta aqui, é o acesso ao simbólico como condição da palavra a que o psicótico não teve acesso , logo não pôde se inscrever na ordem da cultura , lugar conferido aos sócios , aqueles que se tornaram sujeitos sociais.

Mas nada disso satisfaz . O surpreendente é que algo vem e vai com mesma rapidez , um jogo sem regras de presença- ausência tão instantâneo , como se fosse um labirinto no éter, que a quase todo tempo , é difícil não se ter a impressão de universos paralelos.

Não se sustenta a conexão. Cai a conexão que parece tão frágil , cai a rede de sustentação da comunicação usual. Lá se vai , lá se foi.

Por isto que quando um pouco mais é possível os profissionais se alegram , pois têm a impressão que conseguiram desta vez pegar algo. É um trabalho árduo de paciência e humildade que não justifica vaidades , pois aqui nenhum diploma é mais hábil.

Sempre desconfio que os auxiliares de enfermagem têm formas de penetração neste labirinto que profissionais mais graduados, pode não ter .Justo por estarem mais expostos , mais ali junto , e nunca se sabe a hora que algo consiste. Não é algo que pode ser combinado previamente , talvez por isto muitas consultas pouco consigam.

Uma consulta não funciona como senha para consistência , embora sirva para se verificar o estado geral do paciente , seu desenvolvimento clínico , enfim , sua melhora ou piora.

Estas manifestações da consistência ou mesmo o momento da inconsistência só podem ser apreendidas de forma espontânea no habitat onde o paciente está .

Aqui sugiro uma ação mais de campo onde a vida está mais a vontade do que o modo artificial de gabinete . Prender o paciente no gabinete para escritas artificiais não permite chegar na sua alma e nem trazê-la.

Mas afinal o que é isto ?

O que é o sofrimento relativo às conexões?

Minha hipotése é que o paciente foi excluído das conexões que sustentam o mundo enquanto sentido, lesões nas proposições lógicas que regem e ordenam nosso sentido dominante da realidade e os torna seres dotados de um aquém ou um além, em que nossas teorias buscam penetrar , mas que talvez errem na premissa inicial.

Suponho que criaturas que habitam os limiares requisitam outras pontes de acesso e não ordenações que lhe domestiquem pura e simplesmente.

 Começando pela família ou antes ou depois de seu adoecer , foi se inscrevendo numa rede de exclusões que seu mundo pra cá ,seu mundo comum , foi-se estilhaçando ou não teve forças de estruturação.

A alma nossa de cada dia que precisa de reconhecimento e valorização , vai se fragilizando de tal forma , que seus modos de participação não consistem , e sem o calor que faz viver vão ficando frios e distantes. Com isto duas coisas acontecem:

Uma regressão aos modos infantis onde a demanda não permite novas simbolizações , pois o simbólico ficou cheio de fissuras e rasgos na expressão , possivelmente por distâncias e depreciações no convívio . Neste caso , a ligação só pode se dar numa esfera psíquica empobrecida , em geral , repetitiva e cansativa para quem se oferece.

Ou então , um exílio quase impenetrável que mais parece um des-lugar do que um lugar de qualquer coisa propriamente dito. Que difícil é ( e aqui abro estes parênteses para sugerir aos amigos trabalhadores da saúde que compartilhem mais as dificuldades que sentem , pois sem dúvida, esta seria uma linguagem comum e fácil de se entender, ao mesmo tempo que nos tornaria mais parceiros nesta empreitada enigmática).

É algo como tocar uma criatura humana e ao mesmo tempo não conseguir pegá-la , embora ela mesma possa se oferecer para tal.

No nível da regressão temos a impressão de algo deixou a desejar , não foi adiante .

O projeto humano foi abortado em algum nível . Tem -se a impressão que não era só isto.

Em alguns exercícios clínicos imagino como poderia ser tal paciente, se as condições fossem outras, que vivacidade teria , que homem ou mulher ali estaria .

Mas também penso no eterno retorno de Nietszche , onde tudo que passou , ali de novo passará . Como me faz bem pensar assim. Parece que estamos assistindo a um ensaio da própria vida consigo mesmo em níveis mais espetaculares do que supomos .

Entrar em contato verdadeiro em níveis mais profundos nos faria tremer , já que se há uma ordem subjacente na vida como dizia David Bohm , o que rege estes determinismos que escolhe uns e poupa outros?

Se pertencemos a uma alma coletiva inconsciente que nos é comum , como alega Bert Hellinger o criador das Constelações familiares em seus estudos renovadores , as anomalias nos pertencem , pois pertencemos ao mesmo tecido conjuntivo.

Pensar assim é intrigante , pois sem dúvida, embora possamos nos defender e nos defendemos claro , o sofrimento ou a dor do doente mental nos parece tão próxima que criamos de imediato uma fantasia de distância.

Propor, dinamizar , criar propostas de trabalho é bom e nos conforta , pois nos oferece a satisfação de estarmos fazendo nossa parte e isto é bom.

A doença mental é uma doença no tempo que requer muito amor e dedicação para pouco retorno, o que já é muito. Boas medicações , trabalhos de grupo , escutas individuais , oficinas de trabalhos manuais , comemorações que empuxam alegrias , música , dança , fazem parte dos jogos de animações da vida , enquanto prescrustamos o estranho labirinto da alma humana. Se lá está o Minotauro , que descubramos seu segredo para libertá-lo e nos libertarmos também. Caso haja, o que Hellinger chama de alma coletiva , então algo da nossa alma anima a chama do viver dos pacientes e vice-versa.Mas aí, o nível é mais profundo, pois a alma é profunda e sutil e aí não há dívidas . Muitas das nossas alegrias parecem estar em algum tipo de restituição que sentimos fazer, quando o tornarmos mais satisfeitos mesmo que momentaneamente . Já foram muito tomados , a vida já levou muito deles. E nós temos muito perante eles, inclusive uma vida própria .

É incrível a sensação que dá quando por trás dos escombros encontramos vida. Um gesto anímico qualquer de um vestígio humano , naqueles pacientes mais comprometidos .

Parece que somos caçadores de vida , embora a morte também faça parte.Mas é tão diferente incorporar a morte em vida através de determinadas serenidades espirituais que não temos , do que a morte enquanto um anonimato do perfil humano.E aí vem o cemitério.

Digo, cemitério, pois desconfio que haja muitas conexões enterradas ou por asfixia, ou anemia ou mesmo por violência . Talvez um pouco de cada.

Há um gosto de morte na doença mental , vejo pelo modo como os pacientes morrem e poucos se importam . Em algum nível suspeito que já eram "mortos' , pois só se vive por amor ,sem amor não há vida. Ocupam esses lugares anônimos a espera de que possamos chegar mais próximo.Mas acredito também que aonde for possível restabelecer ou recriar algumas conexões não tão enterradas , ficamos felizes e como ter uma família afim, faz diferença .Pelo menos que o Hospital seja uma casa de ressureição do possível , um lugar no universo onde os loucos possam se transmutar e re-encontrar sua integridade humana, por mais que demore.

A utopia não pode ser descartável , ao risco embotarmos nossas disposições amorosas e em se tratando do doente mental , o paciente de prazo longo , ou de prazos entrecortados , nada podemos garantir , pois como trabalhadores já vibramos muito em tirar o paciente de seus horrores enigmáticos . Talvez e suspeito disso , sejamos o espelho que o mantém enquanto uma identidade que luta para não naufragar no que tem de humano.

ACEITARIA DE BOM GRADO COMENTÁRIOS DOS AMIGOS.












Há ou não inveja do pênis?