ESCOLHAS
“Difícil não é fazer escolhas , difícil é conviver com elas “
Escolher não é exatamente saber , pois não é possível sabermos antes de tudo que vem depois, a incógnita é o frisson maior , algo que nos coloca em risco e que , se por um lado parece prometer um ganho , por outro, é certo que também vamos perder .
Mas sabemos desde Freud que perder é recusa do inconsciente , e que uma perda tem o estranho poder de convocar outras , como se no lugar que se perde , todas as perdas se encontram , uma re-animação de velhas dores latentes.
Mas não escolher é morrer , é o sair do jogo por medo de perder , coisa cujo preço pode ser fatal , pois sem o ânimo , este sopro do viver , vira-se carne , uma anatomia ambulante onde a seiva da vida não pode circular pelo sangue . Uma anemia dos propósitos , uma anorexia do gosto de viver .
Mas há um momento onde a vida nos induz a apostar , um tipo vai ou racha , como se o passado se rompesse como a corda do barco no cais e o presente se afunda como areia movediça, nos convidando a pular antes que seja tarde demais .
É como chegar ao limiar orgânico de toda escolha que possibilitou sequências ou consequências , tudo que torna qualquer movimento um recheio de pavores e rasgos de uma verdade , onde nossa vida jamais será a mesma.
Um limiar onde a verdade nos impõe o não-retorno e o pavor nos manda lutar para não perder, uma batalha onde vida e morte retiram toda piedade e ficamos crús , apelando para o lamento de ter nascido .
É como se o fato de vivermos até aqui , justo nesse ponto ,esta situação mortífera resumisse nossa vida a uma decisão , onde nos sentimos joguetes de um destino impessoal , que não levasse em conta nenhum mérito , lugar onde a dó de si parece a única companhia.
Ir adiante mais do que perder , significa nunca mais poder ser o mesmo , uma ruptura onde o Eu e a escolha divergem como estranhos , abrindo um fosso que percorre desde o pequeno dedinho esquecido do pé até o fronte de nossa cabeça , eis aí nossa sentença .
A ausência só nos serve de refúgio por pouco tempo , já que o que lamentamos é não poder se ausentar de vez , ou pelo sumiço ou pela morte , o insuportável de pôr a presença no âmago do crime e aguentar todas acusações , sem que a consciência possa jurar inocência .
É confessar contra si e se oferecer para o banquete do mundo , onde a justiça e a crueldade se acompanham , se alternando e alimentando o que toda segunda intenção parece querer , algum tipo de vingança , onde a lesão de hoje foi a dor de ontem .
Uma provação para raros , o banquete totêmico feito pela própria tribo onde a legislação uma vez aplicada , só faz destituir , ou seja, a criatura perde sua identidade tribal , é um mal-vindo , um desvio irrecuperável que compromete toda moral da comunidade , que por sua vez precisa se preservar , nem que seja produzindo cadáveres inúteis , que só poderão vagar sem endereço.
É também para os raros um momento de entrega profunda , onde a carne é oferecida para degustação, enquanto a alma se desprende de vez de sua minoridade , elo importante para qualquer vínculo coletivo , pois já não interessa mais , e também já não há como ficar.
Entregas tão profundas que chegam a doer em quem se encarrega de julgar , entregas tão silenciosas que as vozes se calam a intuir que algo muito maior está ali , muito além do que as sentenças possam dizer . É a sinceridade radical , que contém todo poder das palavras e todo poder do silêncio , é a entrega ao que não se pode viver coletivamente.
Um Mestre como Jesus, apresenta então seu silêncio onde as bocas queriam conversa , mas como conversar?
Não há o que dizer onde o tempo força sincronizar o que pertence a níveis diferentes , ou seja, tem palavras que por pertencerem ao futuro iriam se tornar inócuas, a surdez onde a ignorância e arrogância , só escutam o que lhe convém.
Vivemos em tempos diferentes , logo escolhas também servem como reparações , sulcos do passado e onde o presente encarna o que foi renegado nesse passado , o futuro põe a mesa para dores e alegrias porvir.
Eis a Lei silenciosa e precisa, que o mundo tenta a todo custo burlar , um arsenal de farsas e imposturas que nos condena à uma margem do rio , uma mutilação que aos poucos faz com que viver seja uma castigo comum.
Nossos sonhos procuram desesperadamente à outra margem , talvez para em algum momento, começarmos a enxergar a terceira , como diria Graciliano Ramos , como se estivéssemos procurando não só nosso paradeiro , bem como nossa integridade .
Escolher é uma matemática que não se efetiva nos limites do corpo , mesmo que superficialidades estejam em foco , pois o supérfluo enquanto apetite é insaciável , deslocamentos de borda , que evitam o coração , já que este, não escolhe tanto .
Quando uma significação se impõe e algo ou alguém se torna muito importante , é possível pensar o quanto ao escolhermos estamos sendo escolhidos , um truque espetacular onde descobrimos depois , que tudo que veio em nossa direção parecia saber o que não sabíamos sobre nós mesmos.
Daí a inevitabilidade , já que só podemos recusar o que não é tão importante , já que em relação ao que importa , só temos uma escolha, a saber : escolher.
E escolher é suportar à traição , já que colocamos em questão toda nossa crença de segurança, arriscamos nossos paraísos , e somos movidos pelo ímpeto de ser feliz , mesmo que por vezes em nossa avaliação, a desgraça pareça muito mais próxima.
Nossos arrependimentos simbolizam às apostas que acreditamos um dia , convictos de que estávamos fazendo o melhor , mesmo que pelo pior , já que mesmo que houvesse mapas , o gosto da vida não prescinde de vivermos , de sentir a experiência , essa magia que nos possue e que nos torna intensos , uma excitação forte contra o próprio embotamento .
Parece que preferimos o inferno se esse nos der mais vida à bonança do Céu, se a vida for sacrificada pelo enquadre , equívoco de muitos bonzinhos , cuja moderação repressiva esconde o medo da vida , principalmente do erro .
Se há um eterno retorno , provavelmente faremos às mesmas escolhas e caíremos nos mesmos buracos dos quais teremos dificuldades para sair , é como se testássemos nossa força pessoal em sua independência , mas ao mesmo tempo, é o aprofundamento que necessitamos para se libertar , principalmente quando descobrimos que escolher é um gesto solitário e que ninguém pode nos poupar dele.
Blog do Alex
4.6.13
25.4.13
A LÓGICA DO DEFUNTO
Se parece
haver um compromisso inadiável da vida consigo mesma , é a renovação .
É
impressionante como tudo obedece a uma Lei inexorável de se renovar , de ser
outro, um movimento incessante de mudança que causa profunda admiração aos
olhos de ver .
No que tange
ao reino natural , a força mesma da natureza numa dinâmica invisível e precisa
, faz com que a cada tempo , a cada estação , quando um ciclo se completa ,
haja um desencadear extraordinário de renovação que começa pela expansão ou
pelo recolhimento e um laboratório se abre trazendo combinatórias vivas,
reproduzindo a vida sobre novos prismas.
Dependendo
de onde seja , do terreno geográfico , um show começa e novos seres nascem com
cores exuberantes , enquanto outros morrem, como se o princípio da vida fosse
também seu próprio fim , uma petição de mistério que nos ofusca à compreensão ,
mas deixando seu fascínio exposto como uma interrogação eterna .
Observar um
pássaro na muda onde a plumagem inicial se esvai , fazendo surgir um ogro
depenado e feio , para depois devolvê-la ainda mais bela e com cores incríveis,
é um espetáculo privilegiado e comovente , como se o preço do viver e mudar
mostrasse seu domínio em todos escaninhos da vida .
Esta petição
misteriosa que já foi cultuada com grande reverência e que hoje é mais referida
como objeto de estudo das ciências , nos seres conscientes em escala mais
complexa , parece se revestir de feições enigmáticas e seu reconhecimento depende do modo como
conceitualmente é identificada.
Falar em
renovação nos homens, por exemplo, é uma tarefa que levanta de pronto objeções
, já que depende de entendermos o que é neste nível da escala esta renovação ,
e se não estamos tão sujeitos aos modos biologicamente determinantes , como nos
renovamos ?
É preciso
que haja algo mais do que as determinações que a natureza nos impõe ?
E neste caso
, o que será ?
Na nossa
espécie assistimos à mudança inexorável da matéria , suas mutações desde que
nascemos e acompanhamos de forma testemunhal como nosso metabolismo e nosso
corpo mudam , mas não relacionamos isto com nossa renovação propriamente dita .
Antes pelo contrário , parecemos não relacionar mudanças esperadas e determinadas
com algum vigor ou fôlego renovador .
O que muda
sem nossa participação direta parece nos deixar como observadores passivos e
não há aí correlações entre mudanças e evolução , correlacionando então que a
renovação possa ser um meio da própria evolução .
Diríamos
então que a renovação é o modo como a evolução se atualiza , fazendo com que
soframos de tudo que ao não se renovar, nos obrigue ao custo de sustentação de
formações que não atualizam à vida, tornando-a mais lenta e pesada , já que
seus processos carecem do vigor que só a atualização proporciona.
Mas é
difícil sustentar tal idéia sem ter em conta algum tipo de compromisso
não-natural, que nos permita ou nos convença, de que mudar é uma condição de
evolução , já que partimos da premissa de que por sermos não –naturais , não
temos nenhuma programática que nos obrigue a tal esforço.
Estamos aqui
enquanto um fenômeno biológico reconhecido , argumentam , mas não encontramos
em nossos determinismos , nada que se refira à renovação não-biológica em
nossas inscrições biológicas , de formas que nada nos impele à tal compromisso
de forma definida , a não ser como opção particular .
A cultura
neste caso , é que oferece de acordo com as visões de mundo reinante , os
apelos para darmos à vida algum sentido renovador , que pode ser pela ciência
ou pela religião , mas nunca como um compromisso que nos garanta o aforisma “
viver é renovar “ .
Garante-se
assim o princípio de não-ingerência no campo das significações maiores , e ao
mesmo tempo , subentende-se que a grande liberdade é que cada um faça e viva
como lhe convém , uma garantia de direitos jurídicos, que apenas delimita
fronteiras de proteção , mas não oferece a questão da renovação como pauta para
o viver .
Cada um viva
como queira , já que não entendemos outro compromisso com a vida que não seja
da ordem de nosso livre-arbítrio , inclusive se matar se assim for o desejo. Somos livres e sem destino definido ,e cada um
veja como faz , mesmo que nossa condição comum , seja um mal-estar
compartilhado, como diria Freud .
A moral como
mecanismo de regulação da vida, ou como regras para o como deve ser, parece ter
perdido a força de coesão e tem promovido tanta imoralidade em seu rastro, que nunca
estivemos tão perdidos , já que nossa direção é ditada pela lógica da sobrevivência
ou do gozo, nada que nos dê garantia de avanços .
O que parece
é que no reino do humano a renovação como meio da evolução é algo que realmente
depende de um esforço particular , ou seja , é preciso querer , um ato de
concordância e de reconhecimento de que é preciso conquistá-la e isto só é
possível com o aval da consciência .
Jung dizia
que o mito moderno é o da “evolução da consciência”, lugar privilegiado onde a
vida reúne esforços para seu aprimoramento , ou seja , a vida também se aperfeiçoa
buscando nos aperfeiçoar , como se nossa potência humana almejasse novos modos
de realização , pretensão que nos informa o quanto ainda somos esboços de
propostas maiores .
Em sendo
assim , o laboratório então seria de combinatórias entre forças retrógradas ,
aquelas que obedecem ao determinismo do já estabelecido e das que buscam
avançar para novas explorações , sempre insatisfeitas com qualquer tampo em
suas pretensões .
A beleza de
tal proposta é que seríamos então objetos e sujeitos da evolução ,sendo que a
renovação expressaria o valor da consciência na aquisição de novos alcances e
enquanto elo de um devir de maior de sua inclusão no mistério da vida .
Penso que
Freud ao conceituar a pulsão de morte tratava deste tema , embora tenha se
desvinculado de qualquer ordem de sentido , desembocando então na questão do
mal-estar comum , um tipo de lugar sem ida , um limiar do que foi possível ,
mas sem nenhuma transcendência para nenhum novo , ou de qualquer aprimoramento
, já que o tema da evolução não é um tema caro a Psicanálise.
Não se
renovar é a morte declarada ou indeclarada , um acuamento que nos embota em
insignificâncias e que aos poucos vai nos insensibilizando para qualquer coisa
maior , um tipo de estreitamento consentido que mata mas não permite morrer .
A pessoa
sonha com sua morte como fim de um pesadelo , mas não tem força para morrer e
com isso vive cheia de caricaturas que simulam a vida sem trazer nenhum
entusiasmo sincero, uma ausência pela indiferença , um tipo “não conte comigo
pois já não estou aqui”.
A tristeza é
que a falta de renovação responde pelas caducações , o que ficou rígido demais
, uma insolvência do que já não serve e por isto não pode invocar à vida como
inclusão e participação , o defunto que pela lógica da morte ataca qualquer
proposta , pois a vida se tornou uma denúncia do que já não consegue viver.
Nos
guardemos de tal moléstia , pois não é uma manifestação súbita, mas uma
construção laboriosa de muito tempo , talvez onde as contrariedades e desafios
resultaram em revoltas inconfessáveis , que aos poucos foram minando o desejo
de estar a favor ,e os antagonismos foram justificados pelo orgulho do que não
se pode ou não se quis aprender .
4.4.13
PERDIDOS
Sempre tive uma sensação dúbia em relação aos chamados
“perdidos” ,tipo alguém que perdeu o rumo , saiu da estrada e despencou ladeira
abaixo , e cujo destinação é se despedaçar todo , ou ficar tão imprestável para
vida, que não servirá mais pra nada.
Esta figuração, que não deixa de mostrar nossa impotência é,
via de regra , temida por todos e usada como exemplo do mau caminho, ou seja ,
o que pode acontecer quando se desvirtua , uma alma perdida que escolheu o
caminho auto-destrutivo.
Pedagogicamente , faz
parte das figuras horrendas, citadas como fracasso de quem não dá certo , dos
que não cumpriram os mandamentos , não ratificaram à tradição não honrando seus
compromissos , e deixando um vácuo de continuidade , um prejuízo à coletividade
, aos bons costumes e a moralidade pública e familiar.
A criatura , repudiada pelo convívio é sub-inscrita num
espaço invisível, onde aos poucos, ela mesma tende a desaparecer , pelo menos a
sair do campo da visão , um tipo de anonimato, onde todo mundo concorda sem
admitir , mas ajuda a esterilizar o mal-dito que ameaça a paz social.
Esses malditos são os que quebraram a tradição e não puseram
nada de valor em troca , usurparam os investimentos e não fizeram nenhuma
devolução , antes pelo contrário , só fizeram exibir o prejuízo e deram
mau-exemplo para posteridade.
Tenho a impressão que se houvesse algum meio mais fácil de
se livrar deles sem ferir muito o escrúpulo , tipo sem ninguém ver muito pra
não se comprometerem , isso seria feito , como já é , e colocado na conta de
alguma” impropriedade natural “ , algo como “ pau que nasce torto, morre torto , incurável, intratável, e outros
eufemismos mais de assepsia.
A questão para estes infortunados , é que quebrar a tradição
sem repor algo, é anunciar alguma vanguarda sem nenhum poder de convencimento ,
caso em que, a criatura terá de provar que o ato insolente não é somente uma
desobediência estéril , um descaso ao estabelecido , uma não-aderência que
proponha inutilidades que em nada colabore para construção da vida.
Se este anúncio for falso , se a vanguarda for infame e
inconsistente , a ousadia terá um preço alto e as chicotadas não tardarão ,
anunciando um destino fúnebre e triste , um lugar considerado de excessão no projeto de aperfeiçoamento da raça. A
criatura some , chora a família de dor ou de alívio , passa o tempo , ninguém
sente falta , e justifica-se pela retórica de mais um que não deu certo.
Ma s estes perdidos buscaram frequentar o limiar das
mudanças por revolta ou inadequação ,
mas ficaram aquém , de formas que sua improdutividade lhes tirou qualquer
mérito de anunciar uma boa nova , restringindo –a a um lugar de desencontros
narcísicos , ou de uma pretensão falida de quem não tem credenciais.
Mas e os que tem ? é diferente o processo?
A questão é como diz Bonder , em seu livro “ A alma imoral”
, é que o corpo tem como função preservar à vida e a tradição, lugar onde o
passado se eleva à condição de condutor ao indicar o que presta ou não a essa
preservação.
Quando se transgride , é preciso prometer algo que será
verificado , pois o passado tem sua legislação super-egóica , suas censuras nos
escaninhos da mente, que nos impele a sentir medo quando de frente para tal façanha.
Ficar perdido é uma condição de passagem , pois vive-se uma
ruptura onde o depois ainda não tem rosto definido , e nos obriga a saltar sem
que tenhamos claro onde se agarrar , vertigem cujo retrocesso ao diminuir a
tensão do vivo em sua pretensões
adiantes , nos fará se perder de si
mesmo , nos deixando como herança nossos automatismos empobrecidos e obedientes
.
Não há como não ficar perdido quando se quer mudar , pois
toda mudança implica em transgressão ao que é seguro, cujo aval é coletivo, enquanto
a mudança é uma requisição solitária da alma insatisfeita que busca um novo
“bom” pra si , mesmo que provisoriamente , tenha de ficar na contra-mão da
obediência tradicional.
Perdido neste caso , é o que quer mais, o que ficou
insatisfeito , que quer romper com cumplicidades econômicas que acomodam, mas
tiram o tesão do viver e só fazem repetir sem diferenciar. É o grito da alma que busca as opções
renegadas, por inspirarem medos e figurações destrutivas , placas que querem
fazer parar tudo que ameaça o conforto e ao bem-estar insosso da tradição.
Perde-se quase tudo de início , amigos, família , dinheiro ,
e principalmente a familiaridade com tudo e consigo mesmo e anda-se por passo ,
pois encurta-se o horizonte e o olhar perde sua extensão , teme-se não
conseguir e sofre-se a tentação de voltar o tempo todo .
Andar pra frente não faz parte da tradição ,e por isso é
preciso traí-la diz Bonder com acerto
encantador , mas não andar rumo à evolução onde a alma quer o que não tem, e
deseja a intensidade do que desconhece ao invés marasmo do conhecido , é morrer
, é oferecer o corpo para guardar a vida que já não existe.
A instabilidade é uma condição da mudança já que se passa
pra outro nível diferente , e não simplesmente troca-se um lugar pelo outro , o
que se busca é precário porque nasce quando se começa a chegar , não está
pronto esperando como um trunfo , uma opção escondida que faça vencer.
Perdido é aquele tomado da coragem de ir sem saber o endereço
, aquele que sabe que vai vagar , que
vai chorar , que sente a dor , que vai ouvir lamentos e críticas , que vão rezar
por sua alma , que por vezes vai lamentar ter nascido , que vai ser assaltado
por dúvidas , mas com tudo isso , mesmo titubeando , segue , pois já reconheceu
que sua vida saturou e deseja o desafio do desconhecido , o elixir de novas
emoções de vida ao preço que for.
O que está em jogo é a verdade de sua alma contra mentiras
do seu corpo , enraizado demais na tradição para sustentar rupturas e buscar
novos devires , criança boa deixa de ser aquela que descobre e espontaneamente
quer mais , mas aquela que se adapta sem reclamar , que não dá trabalho aos
outros , que promete fidelidades mesmo não sendo feliz.
Ser feliz incomoda , pois mostra quem não está mais vivo ,
quem já sucumbiu e não espera mais nada , um compactuar com a mesmice em troca
de não se ficar inseguro e perdido , daí o rechaço aos que discordam de tal
proposta assassina , pois preferem morrer para viver do que viver para ficar
morto .
Se navegar é preciso , viver nunca foi e nunca será , sem o
que a vida sucumbiria a falta de graça , caso em que se torna uma desgraça muda
e crônica , já que se perde o espírito da celebração , a festa da existência ,
a alegria do vivo que faz tudo interessante e curioso , à diferença da
desistência que nada tem a comemorar , a não ser o fato de sobreviver , herança
animal de quem acha que conseguiu se esconder do predador.
Mas isso, por si só é pouco , muito pouco, o que exige
compensações e compulsões são ativadas para compensar o que foi tirado , ou
seja , preenche-se para ocupar os espaços que estão vazios de presença ,
inanição por falta de opção , obesidade ou anorexias do corpo por trair a alma
.
Demonizar um “perdido” é supor que todos já se acharam e
sabem onde estão , recalque mentiroso , que depende de uma normose , casa onde
as maldições se tornam um patrimônio comum , através de um normalidade anêmica
e sem pretensões, a não ser de preservar , um tipo de esclerose , que aos
poucos toma a seiva da vida como inimiga e objeto de paranóia .
O triste é que ninguém parece muito feliz com isso , mas se
mover é um perigo a ser considerado , pois não havendo manual ou cartilha de
orientação , só nos resta ousar e suportar um caminho árduo , mas que se nutre
dos ínfimos detalhes do que a vida oferece , um gosto estético de um novo
aprendizado , um reencontro doloroso mas feliz, de quem buscou renascer sem
renegar a alma em seu profundo desejo de ser diferente.
Minha homenagem aos seres de mutação
24.3.13
MUTANTES E EXILADOS
O grande livro de Camus , um dos que lhe rendeu o prêmio Nobel chama-se “O
estrangeiro”, onde o protagonista chamado Meursalt , se mostra indiferente à
morte da mãe ,e por isto , julgado perigoso pelo juiz , mesmo tendo assassinado
um árabe.
Camus buscava retratar o “absurdo” da existênc ia e sua
questão fundamental era o suicídio , pois indagava sobre o sentido ou não da
existência , interrogação tirada da própria experiência de vida difícil que
teve e de sua participação política ativa na vida do pós –guerra.
O absurdo em Camus, parecia ter como substrato a própria
relação entre os homens , já que ele mesmo , de família pobre conheceu as
dificuldades e opressões que os homens submetem aos homens . Talvez no fundo,
nunca tenha achado o que justificasse tal opressões , e aliado as mazelas da
vida, perguntava-se se a existência não é regida pelo Absurdo .
Quando me deparei com este livro fiquei com o tema na cabeça
, sempre tendo em conta a indiferença emocional , a pouca significação mediante
fatos, que por suposto espera-se sempre envolvimento e afetação , um comover-se
pelos picos de dor do humano.
Mas com o tempo fui me dando conta que este estrangeiro de
Camus , embora me tenha aberto o tema e a quem agradeço muito , não atendia
algumas considerações que me pareciam preciosas
na questão do exílio existencial.
Tenho em conta que o viver, embora com forte apelo coletivo
e regulado por suas ordenações, não prescinde do modo como cada um se insere ,
de tal forma , que esta inserção, seja o que nos difere, é nossa particularidade
fundamental .
Mas observo também, que esta inserção ,reflete às tensões do
como nos sentimos mediante a tarefa do viver ,o quanto nos é caro ou barato
este grande exercício diário de ratificar em si, um investimento e um dispêndio
de energia que faz apelo constante ,e cuja justificativa é a significação de
prazer ou não, que cada um encontra para suas disposições .
Se por um lado, o corpo nos dá a forma, e esta nos dá uma
identidade de espécie enquanto um animal privilegiado , por outro , a
consciência e o modo simbólico como nos movemos , nos remete à outra viagem ,regida
pela tensão entre o estranho e o familiar .
O corpo, nosso eixo comum, nos iguala e nos engana , pois
permite um consenso fictício, em função da nossa forma de aparelhamento , algo
como um uniforme que nos veste e esconde além da anatomia ,nossa questão
solitária e intransferível de Sentido .
Somos familiares numa dimensão que nos faz comum, e estrangeiros na singularidade de nossas
marcações únicas, uma transgressão constante que não pode ser vivida sem uma
profunda angústia , já que aí , não se trata de uma métrica familiar , mas de
uma constatação inarredável , só se é quando se rompe .
Esta ruptura é um ato único , desobediente , que requer
coragem ,a coragem de Ser de Tillich, ao preço de exclusões dolorosas , já que
o excluído se torna algum tipo de renegado , aquela criatura condenada às
catacumbas , o exílio como castigo e alívio por não ser visto .
O estrangeiro em Camus, põe em xeque a ordem emocional do reconhecimento
, a devolução emocional e afetiva do que se recebe , portanto , não chorar no
enterro da mãe , além de ser ingrato , é uma suspeita patológica da alteridade
, o sentido e relevância do outro .
Mas o nosso exilado , chora e reconhece , sem poder ser reconhecido
, justo por ser portador de um vírus de estrangeirice , que não só não lhe
concede identidade tribal , como ameaça algo de muito valor . Mas o que pode
ser de valor assim ?
A própria mutação , diria eu, pois em geral, só se muda
alinhado com a prospecção do futuro , como um desdobramento que não coloque em
risco os pilares de ordenação da vida comunitária em seus mecanismos de
reprodução , forma consagrada de se perpetuar .
Ora, um exilado não se interessa por isso .Pois é justo esse
compromisso “aede eternum” que o perturba terrivelmente , formas-compromisso ,
contratos de antemão , que sufocam a dimensão experimental da liberdade, ao impor um roteiro que estabelece as molduras
do depois .
O exilado não consegue sobreviver a tamanha exigência sem
esforço ou sem romper com tal rigor , pois vive e respira o ar de sua
experimentação , às ordenações são concessões que faz para se compor e
participar do que é comum.
A vida no corpo lhe parece uma prisão domiciliar , onde
cumpre a pena por não ter alternativa, mas não lhe outorga nenhuma primazia , e não é
atoa que alguns acabam por dispensar de vez o corpo , lhe tirando a vida.
Viver no substrato do corpo , na materialidade da vida com
seus regulamentos , com seus rituais cheios de deveres e obrigações a cumprir ,
parecem tirar da vida o que tem de melhor , um assassinato a arte de viver , um
sequestro estúpido a dimensão cromática da existência .
Daí muitos exilados fora do foco de suas paixões se tornam
deprimidos , se arrastam , são entediados e pouco afeitos a vigília , no que
essa lhe subscreve o agendamento das obrigações, enquanto a noite é o fulgor ,
o cenário para liberdade experimental , onde o corpo só é , como agenciador do
gozo e dos prazeres , inclusive libertinos.
Propõem outra ordem para o viver , uma outra dimensão que
aos olhos comuns são ameaças a serem combatidas , pois ferem a tradição ,
código de reiteração do valor da segurança como primordial, em relação a
possível desordem da vida.
Encarnam invejas na conta de parecerem mais soltos e
descolados por uma lado , mas suas fragilidades na performance do dia-a-dia lhes
tornam alvos de críticas , o que faz doer , ainda mais quando vem de pessoas
significativas , ponto crucial de uma ferida narcísica, de quem vive na
vanguarda, ainda débito com a tradição .
O crescei e multiplicai-vos é a dimensão do corpo como
ensina Nilton Bonder em seu livro “ A alma imoral “,e transgredi-lo por recusa é
assinar uma dívida com a tradição, cuja
sentença dependerá da cabeça de cada um , onde o diferente precisará evitar se
sacrificar como pagamento a essa transgressão .
Se assim não for tudo poderá ficar insuportável demais , e o
sentido da exclusão atingir a própria razão de viver ,e a lógica do “ não caibo
mais aqui” se impõe então dolorosamente , caso em que assistimos “ acidentes “ de
overdoses ou outro tipo , despedidas contingenciais de quem já queria partir há
muito tempo.
Vejo que onde a vida se exercita em lugares de excessão ao
usual , algo importante parece querer se viabilizar , talvez porque nossa forma
de viver ainda não possa contemplar outras, mas que nem por isso deixam de
comparecer .
Penso o quanto devemos aqueles que ousaram tentar, e foram
sacrificados por nossa ignorância segura, de “ tem que ser assim”, mesmo que
nossa mesmice já esteja saturada por falta de opções .
Eis o que diz um mutante a respeito de outro , de forma
inteligente e sutil, que só os poetas parecem conseguir na arte do dizer “ Ele
é um bicho adoidado . Um gigante pelo avesso . Ele não tem início , nem fim .
Está sempre descomeçando. Ele não tem frente , nem fundos .Sua gira tem
trezentos e sessenta graus . Obrigado Chacal , um belo mutante , sem dúvida .
17.3.13
TAPEAÇÕES
Talvez o que chamamos de “realidade”, tentando conferir a
ela um certo mote de determinismo , onde o chavão “ a realidade é assim mesmo “,
parece nos impor alguma resignação nos convidando a se conformar , contenha
mais mistério e mais tapeação do que
sonha nossa vã filosofia.
Se olharmos atentamente pra nossa vida, o que vemos é um
consumo enorme de energia com tarefas , deveres , obrigações e promessas de
dias melhores , que impressionam pelo modo como são adiados . É como se vivêssemos
com gosto de lesados , assistindo uma série de falcatruas, onde os
favorecimentos dispensam qualquer senso de justiça social e considerações sobre
o prejuízo aos outros .
Pouco interessa estes outros se estamos assegurados por
nossos inter-pares, que não só participam de modo cúmplice , mas que também
levam o seu , numa rede de conluios e trapaças , cuja oneração , ou seja , a
conta , tem que ser paga por todos ,aqueles que sequer comeram do bolo.
O custo é incalculável e repercute em todas esferas da vida
, principalmente , onde os investimentos são necessários para melhorar a vida
coletiva em seus aspectos variados , como saúde , alimentação , transporte ,
lazer etc .
O cenário fica ainda mais agravado, quando nos damos conta,
que somente alguns poucos usufruem de tal regalias e que criam mecanismos de
reprodução e de defesas elaboradas , para não perderem o gozo dessa usurpação ,
bem como , colocam a si mesmos como representantes legítimos de tal aberração .
Obviamente ,e sabemos bem disso , nada disso é novo ,e
senhores e escravos, opressores e oprimidos , patrões e empregados , governos e
sociedades , sempre dialetizaram em torno de seus interesses políticos e
materiais , e nesse sentido a história parece se repetir .
No entanto , na medida em que evoluímos , seja pela retórica
da evolução biológica ou espiritual , onde a evolução da consciência parece ser
a chave do processo , vamos percebendo também que o mundo encarna às mazelas
que nos pertencem .
Correções que estabeleçam um correto que não seja morto ou
corrompido , dependem de uma certa suscetibilidade , que pode vir pelo viés
político, religioso , ou espontaneamente compassivo , onde o outro não pode ser
uma decoração sem voz , sem reconhecimento , sem um mínimo de sujeito que diga
, que aja , que faça jus ao que o humano tenha de dignidade.
O tal "olho grande" que atribuímos às crendices e superstições
, pelo contrário , parece um fato de grande relevância científica , pois é
grande por querer conter mais e mais , sustentando a lógica perversa , de que
uma vez podendo ter mais , porque não?
Justifica-se então que os outros são meramente invejosos
porque não tiveram oportunidade , e sendo assim , pega-se o quanto mais melhor
, pois qualquer um faria o mesmo nesse lugar , lógica fácil de entender, porque
determinados lugares uma vez alcançados , não se quer sair mais deles .
Premissa do próprio atraso e do sub-desenvolvimento
interesseiro , ou seja ,a ignorância como instrumento de dominação , renega-se
a idéia de uma teia própria da vida, onde todos tem o seu lugar e sua
importância em sua cadeia de produção , sendo que , acrescentando à Capra,
que nossa realização como espécie ,
depende de desenvolvermos a capacidade de amar .
É o amor que nos dá a chance de nos reconhecermos igualmente
perante nossas diferenças , e se hoje , a neurociência descobre que o Bem é
também mecanismo de produção de serotoninas e endorfinas , é ao humanizar o
outro em seu valor , que minha humanidade se realiza .
Depreciar o outro, condená-lo ao prejuízo, tornar a vida
mais difícil pra todos em nome de ganâncias , fere é a ordem que jogamos fora ,
para nos livrar dela e ficarmos mais a vontade com nossas trapaças , fazendo o
mundo depender somente de nossas inteligências e sofisticações culturais , isto
é, a ordem cósmica .
Reconhecer que pertencemos a uma Ordem maior pode nos
inferiorizar , nos fazer reviver
submissões opressivas de religiões autoritárias , e aguçar nossos traumas de
liberdade , mas tudo nos mostra que não há outro caminho , já que distorções
geram desequilíbrios caros e sofrimentos profundos demais .
Muita riqueza pra poucos faz sofrer a muitos , muita
ladroagem tira da vida à confiança , muitos assassinatos nos faz ter medo de
viver , à violência destrói nosso prazer de estar aqui e cria fobias estranhas
, o cinismo nos torna cínicos e prisioneiros de segundas intenções .
Adoecemos a olhos vistos com desequilíbrios mais variados no
campo mental , e se Freud se surpreendeu com a força da sexualidade , hoje sua
banalização gera esquizoidias nos afetos , no sentido da entrega , pois porque
se comprometer se se pode ter mais?
E mais ,e cada vez mais , uma compulsão perigosa que leva
consigo qualquer fundamento , onde tudo vale , já que é uma questão de
livre-arbítrio , e onde a ordem social perdeu seu fio condutor de dizer o que é bom ou
ruim , ou seja , somos livres como queríamos , e perdidos como nunca.
Nossas transgressões não geram de fato uma outra ordem ,
onde pudéssemos relaxar e compartilhar os ganhos , pelo contrário , mal
chegamos e logo saímos , já que nada serve muito , e por uma estranha compulsão
temos que seguir , embora , por favor , não perguntem pra onde .
Canalhices ferem o tecido social e forjam imagens perigosas
da vida como um campo de ninguém , nos ensinando que se formos canalhas estamos
matriculados , já que o sintoma da tapeação se tornou uma palavra de ordem da
sobrevivência .
Mas por outro lado , é incrível, que o que condenamos ,
também descobrimos em nós , e também somos objetos e sujeitos dessa perversão ,
não como agentes de coisas extremas mas talvez de pequenas lesões que também
nos interrogam em nossa coerência e o quanto fazemos da vida uma questão de
oportunidade .
Creonte , o grande Rei de Tebas , dizia que só se conhece um
homem depois que ele passa pelo poder , e sem dúvida , prova difícil do que
temos de incorruptível , como se fossemos afrontados com a tentação de “ que a ocasião faz o ladrão “.
É por vezes tão ruim ver governantes esbanjar cinismo em
proveito próprio , como é difícil ver o guardador de carro cheio de espertezas e intimidações ,
como é mais difícil ver um amigo lesando conscientemente alguém .
Mas o mais doloroso é ver que somos vacilantes, e que nossas
convicções também tem sua parte frouxa , que também nutrimos em muitas
ocasiões, a mesma retórica que tanto nos parece execrável nos outros .
A cura passa por aí , curar em si o que maldiz o outro ,
único meio de se libertar desse visgo, que com certeza , ainda teremos que
trabalhar e sofrer muito para transformá-lo numa compreensão cósmica , aquela
que nos ensina e nos lembra , que apesar de todos os tesouros, um dia que não
se sabe a hora , vamos morrer .
Será que haverá outro tipo de justiça a nos esperar ?
13.3.13
0 ANSCHAUUNGSGABE E O EINBILDUNGSKRAFT ... O QUE É ISSO ?
Acho o alemão um dos idiomas mais sábios pela riqueza
metafórica que contém , embora confesse que não sei nada do mesmo . Alguns
estudos em Psicanálise e com ajuda de amigos me deram “an passant” a idéia
dessa riqueza, já que muitos conceitos Freudianos ao serem traduzidos , se
deformavam como acontece com traduções apressadas .
Mas essas duas palavras são incríveis e não há
correspondente em português , ou melhor não que eu saiba , já que Anschauungsgabe
significa –“ o dom de olhar mais além “ e Einbildungskraft- “o poder de
construir sobre” .
Pensar nisso me levou a relação do ver com a linguagem ,e eu
na falta do que fazer resolvi deixar a imaginação me conduzir , tendo em conta
que de pronto logo me ocorreu , os níveis da linguagem , a saber ; o literal, o
metonímico e o metafórico , três tempos lógicos parodiando Lacan .
A literalidade, diria, que é o modo concreto de apreensão ,
um tipo quase sensorial de ser , onde o toque é decisivo como inferência da
constatação , ou seja , tudo só é se for tocado pelos sentidos , que diga-se ,
são enganadores .Do ponto de vista do conhecimento é um nível menos abstrato e
muito passível de acomodações , pois mesmo usando os sentidos , perde em
reflexão crítica .
É um tipo duro , algo como pom... pom , queijo... queijo ,
nada portanto de, é pau é pedra , a literalidade recusa isso , é mesa é mesa e
pronto , fica o inconcebível do avesso , a maravilha de Lewis Carol com Alice ,
sem variações de forma ou de tamanho, menos ainda pensar pelo avesso .
Nesse nível, a loucura não é de maneira alguma uma dimensão
do viver que permite o ultraje do convencionalismo chapado dos registros
conceituais , é doença mental e pronto , sem distinção , pondo no mesmo saco
gênios e doentes neurologicamente comprometidos , como se faltasse um
refinamento ou mesmo cartografia distintiva .
O simbólico aqui é um adereço a serviço das certezas , pois
raciocina-se o mundo pela busca ávida de conclusões , campo de disputas e
violências a toda prova, já que não se suporta duas verdades simultâneas ,
tipo, ou é ou não é , sem outros espaços combinatórios e alternativos.
A militância aqui ou é fruto da ignorância ou da arrogância
, já que os modos dialógicos supõem não só alternâncias entre as polaridades ,
bem como , a flexibilidade que isso requer , condição primordial para que haja
brechas ou pausas de onde o inusitado possa comparecer, e viabilizar algo não
previamente pensado .
Nesse caso, é possível pensar que a literalidade é
extremamente sonora e adora o barulho das assertivas , o que em alguns casos é
oportuno , mas não como palavra de ordem , onde quem fala é sempre Senhor e o
outro Escravo da obediência .
Vê-se aqui que o
Anschauungsgabe , “o dom de olhar mais adiante” fica comprometido , pois a
tendência é de se olhar sempre para o mesmo , conservadorismo , em geral,
autoritário e pouco afeito à mudanças , pois olhar adiante impõe certo
desprendimento necessário à levitação da mente .
A mente no que flutua um pouco que seja , ganha altura ,
passo imprescindível para ampliação dos horizontes e consequentemente da
ressignificação da mesmice estabelecida como lugar comum . Isso quer dizer que
ao alçar um pouco de vôo , tem-se a
chance de romper ou de reformulações importantes , principalmente , onde o
viver já vinha sendo sacrificado pelo recalque.
Algo como “ não se pode ser outro se o mesmo não deixa “, o
que implica em se refazer o nível de controle que se quer ter , pois a entrega
resultante desse processo , já é fruto do reconhecimento de que a altura pode
mais por oferecer mais.
Sócrates dizia que no campo do Amor só se larga quando se
visualiza algo melhor , veja em “ O Banquete “, e podemos aplicar aqui o valor
desse ensinamento , pois o vôo engendra à brisa que refresca à capacidade de
sonhar .
E o sonho é um antídoto poderoso em relação a literalidade ,
já que refunda o simbólico de forma mais geométrica , menos aritmética e linear
como propõe a literalidade .Trata-se de recuperar uma dimensão fundamental para
o despertar humano , o exercício de ver além , matéria prima da esperança e de
prospecção para o futuro , lugar onde nossas utopias nos esperam ansiosamente .
Já o Einbildunlskraft , “ o poder de construir sobre “ nesse
nível sofre muito da falta de desprendimento , já que a ênfase é na segurança ,
modo como a vida é primariamente credenciada , já que não pode haver
descontinuidade em relação ao próximo passo , ratificação da própria concepção
da vida como sequência única.
A contrapartida disso é o medo, já que a relação com o incognoscível
é de rechaço , ou seja , não se quer saber do que não se controla ou não se
submete . A relação do sujeito aqui é de Escravo já que o controle é o Senhor ,
uma subjugação de difícil reversão na neurose obsessiva, o esvaziamento
constante do que não se deixa pegar , sofrimento que gera superstições e
rituais pegajosos , fetiche contra desgraça do imprevisível.
Mas também é verdade que a vida sempre se constrói, e aqui não seria diferente , embora a
construção literal seja sempre de aderência , o que torna os scripts rígidos
com pouca mobilidade , paredes muito grossas com pretensões definitivas .Os
moldes uma vez estabelecidos querem se impor com exclusividade , o que a partir
de certo ponto o que era bom fica sufocante.
Sempre é importante considerar que a mente , embora um lugar
muito privilegiado da alma , também se submete ao conjunto de forças que regem
a vida e cujo fechamento é tolerado de forma provisória , já que a neurose é
justo aonde o relativismo toma o caráter do absoluto .
O que se constrói precisa levar isso em conta , ou seja, o
modo como tudo muda ou pode mudar , já que o tempo posterior , o que vem depois
precisa ter seu lugar , nem que seja como um lugar vazio , pois é esta fenda
que permite o elo com o devir , o que ainda vai chegar .
Negar isso ou fazer de conta que tudo já está, é forçar uma
completude impostora , em geral, mantida como norma ou regra inquestionável ,
configuração que aos poucos vai envelhecendo por falta de renovação .
O “poder construir sobre” e o olhar adiante” mantém uma
relação íntima e de interdependência , pois dependendo do como seja a concepção
da obra , seu terreno e sua arquitetura , pode-se ter mais ou menos facilidade
de articulação com o horizonte , mas principalmente o fluir do devir , o eterno
vigor de qualquer construção humana .
Sem isso ficamos presos e estanques , nossa ousadia passa a
ser nossa própria paranóia , isto é, passamos a ter medo de qualquer idéia de
vanguarda que nos obrigue a ir pra linha de frente , passamos a ser o segundo
ou terceiro por recusa de ser o primeiro
, na vã esperança de que alguém o faça por nós.
Olhar adiante é ir pra frente , um olhar que permite o
depois sem medo , uma intimidade não íntima com o desconhecido , uma reverência
ao espaço aberto , a tudo que nos traz o gosto do amanhã sem sacrifícios ao dia
de hoje .
CONTINUAREMOS COM O 2º NÍVEL
- O METONÍMICO NO PRÓXIMO ARTIGO .
Metonímia ou transnominação é uma figura
de linguagem que consiste
no emprego de um termo por outro, dada a relação de semelhança ou a
possibilidade de associação entre eles. Por exemplo, "Palácio
do Planalto" é usado
como um metônimo (uma instância de metonímia) para representar a presidência do
Brasil, por ser localizado lá o gabinete presidencial.
6.3.13
A Terra Brasilis , a Aurora de uma esperança
Sempre que penso em política me ocorre uma estranha sensação
, tanto física como mental , um estado difuso de ser um protagonista do que me afeta , ao mesmo tempo , em que me questiono o que isto tem haver comigo?
A cada dia, vejo uma imensa movimentação ocorrendo , muitos
dizeres , muitos pareceres , muitas decisões , muitas promessas , um universo
que percebo próximo , pois me coloca como depositário direto do que se passa (
a discussão sobre energia , por exemplo , se traduz pelo preço da conta a pagar
, do alimento ,a mesma coisa ), ou seja , é um universo não tão paralelo, mas
uma tanto alienígena à maioria de nós.
Este universo com suas leis oficiais e oficiosas nos
confude a tal ponto, que a maioria sequer se interessa por ele ,
mesmo sabendo ou não , que é de lá que parte as grandes decisões sobre a vida
material , que é a vida mais imediata , aquela que fala do pão , o mínimo
necessário para que o homem acredite em Deus , diria São Tomás de Aquino .
Estabelece-se desde sempre a relação do chamado Estado x Sociedade
, relação difícil , complicada , por muitas vezes ininteligível , até mesmo
para os mais experts , aquelas almas que não olham pra outra coisa , que buscam
conter o futuro em seus anseios de poder , seja financeiro ( outro universo
intraduzível ) ou político , uma febre delirante que nenhuma medicação consegue
baixar .
Sempre me pareceu e continua me parecendo , que por ser um
animal político ( Aristóteles ) , e diga-se , pólis ( povo) , a chamada
política seria por princípio, o modo pela qual se buscaria meios para que
determinados fins, pudessem ser alcançados para melhoria geral , já que , não há outro
propósito maior .
Somos obrigados por esta estranha e decisiva imanência, a
convivermos uns com outros e possibilitarmos através do trabalho , este elo
comum a espécie , uma condição que seja a melhor para todos , uma vez que temos
em conta , que nem só do pão viverá o homem .
Observa-se de pronto, que a maioria parece não ter vocação
para lugares de poder público , lideranças em relação quantitativa com o povo
são pouquíssimas e por isso , por falta de engajamento nessas esferas tendem a se repetir , pois uma
vez alcançadas articulações de projetos ou só mesmo de manutenção do status
quo, se eternizam com a espada do poder .
Assistimos decisões sobre nossas vidas diárias, como se
estes centros que decidem pertencessem a outro planeta , não conseguimos ver a
via de acesso onde pudéssemos nos fazer ouvir , e agravado pela percepção da
tendência que todo poder político parece ter , de se afastar para seus palácios
, uma vez conquistado .
As cúpulas alegam privacidade , o que sem dúvida é
necessário , mas não só , pois é fácil ver que medidas antipáticas , mesmo que
necessárias , são cercadas de cerceamentos de retorno , como que não interessa
mais o que se pensa , principalmente o que for contrário , condição básica,
para que aos poucos os autoritarismos passem à História por conta das melhores
intenções .
Ideologias, todas alegam ser o caminho do Homem , ignoram
que tiram a liberdade de poder se ver todos os lados , ou de se escutar o
oposto , e embora considerem na chamada democracia o lugar importante da
oposição , vemos que “ Quem não está conosco , está contra nós”, uma surdez
ditatorial , que só faz confirmar que “ democracia é a escuta da alteridade e da
diferença”.
Sendo um exercício espetacular de condução de destinos
sociais , precisaríamos ter com nossos governantes uma relação de profunda
solidariedade e amor , pois precisamos que acertem , que sejam iluminados em
suas decisões , que nos ajudem a avançar , tanto física como espiritualmente ,
que nos estimule o amor ao próximo , que nos libere de visões provincianas ,
que nos dê à confiança de estarmos não só apontando para o mesmo norte , mas
efetivando-o cada vez melhor em nosso dia-a-dia .
Creonte , o grande Rei de Tebas , afirma que “ só se conhece
um homem quando ele passa pelo poder “ , e aí eis a provação de todos nós ,
pois o poder é um capítulo especial em nossa evolução , não só pela subversão
que faz à ralação do ganha pão ( já que traz todos os fetiches à satisfação
oral sem as interdições da realidade), mas pelos atavismos que suscita como
poder de mando , volta-se ao anacronismo do velho passado com seu estilo
imperial .
Observando-se construções da nobreza , é fácil perceber que
o povo , a plebe com seus tormentos sempre acabam sendo consideradas incômodas
, e logo, levanta-se muros enormes e intransponíveis e bem guardadas pelas suas
guardas , pleonasmo perfeitamente adequado para o caso .
Distâncias se estabelecem hoje em muros mais invisíveis ,
burocracias que desestimulam ações que buscam proximidade , alega-se falta de
tempo para o contato , o mesmo que em épocas de eleições toma outra feição
demagógica , pois precisa-se do voto , instrumento ainda precário por si só, já
que sem a consciência mais esclarecida( a lá Habermas), o voto é sugestão
hipnótica, que os chamados coronéis aprenderam na prática , sem formação
acadêmica nenhuma.
Até hoje nosso ranço materialista é um grave impedimento ,
pois falamos do pão e não da alma , como se fossemos reduzidos a um único
sistema orgânico , o gastro-intestinal , como se nosso esclarecimento para um
melhor viver e deciframento do mundo , fosse secundário .
A alma quer sua luz , que começa justo na educação , uma
condição da sua autonomia como sujeito , talvez temida pelos governos
obscurantistas como diria Henry Toureau , em seu livro clássico “ Desobediência
Civil “, condição de quem se esclarece para melhor poder sonhar , um pouco mais
de alívio em relação à opressão do cotidiano, que só faz se repetir em suas
mazelas .
Os ricos são invejados pois parecem ter uma vida cheia de
variações , de novidades , de paredes finas ou inexistentes , de que podem
fazer o que quiserem ou terem o que quiserem , fantasia de que o dinheiro nos
devolve a relação mágica com o seio materno , embora desenvolva o controle
chamado anancástico , segundo Freud , o poder de reter às fezes .
Dinheiro e sujeira , aqui nesse país conhecemos bem desde
sempre , pois somos filhos de uma Corte falida e fugidia , mais uma imposição
da vida e de Napoleão do que uma escolha propriamente dita , um imaginário de
fim de mundo por falta de opção e de certeza que Napoleão jamais iria se
aventurar a vir aqui pessoalmente , já que até hoje muita gente não sabe onde
fica o Brasil , nem no mapa .
Embora se faça justo dizer também, o quanto de desenvolvimento devemos ao nosso
Regente Imperial e sua troup fugidia , trapalhadas interessantíssimas por um
lado, e feitos que nos tiraram da província e do chamado “ quinto dos infernos”.
Nossos políticos adoram esta nossa condição meio degredada e
ignorante , pois eles mesmos não passariam no teste de qualidade , criaturas
que sequer sabem falar direito , mal informados, falta de cultura geral ,e
resultado de um fisiologismo podre que insistem em manter para não
desaparecerem de vez .
A visão do homem em Paidéia , pedagogia da formação das virtudes ensinada
pelos gregos, passa longe , pois a muito se perdeu o sentido de direção ,
metonímia que nos faz rodar com sensação de que não se sai do lugar , afetação
que atinge o sentido do próprio viver , onde a verdade e a mentira se acolhem
de forma prática de acordo com os interesses imediatos .
Perde-se qualquer critério e estabelece-se uma ideologia
prática , o que interessa é o que tem urgência , desespero que abre brecha para
todas falcatruas , pois argumenta-se que importante é por o asfalto , mesmo que
dure pouco , alto custo pago por imposição da demagogia dos que dizem nos
representar.
O “Homem” a quem se busca perdeu seu endereço num mundo
confuso e arrogante , nos falta um verdadeiro ideal , seja o ideal de Eu de
Freud , a utopia de Tomás More ou o Homem Divino das tradições espirituais , um
Homem que valha realmente a pena , um Homem que apesar das nossas diferenças,
seja reconhecido como melhor , um exemplo da raça como Nietzsche buscou
formular , em seu Zaratrusta .
Melhoremos nós e dispensemos a quem queira nos representar
sem credenciais , uma vez que a política está em nós mas não o exercício
político do poder , façamos esforço para que nossos obscurantismos particulares
não seja nossa escolha ao decidir sobre nossos destinos social ,
principalmente, tendo-se em conta que viver olhando para o que não presta pode
nos contaminar , mas não olhar pode nos alienar .
Trabalhemos pela vida que acreditamos , mesmo que sua raízes
ainda estejam incipientes , mas por que não ? É assim que tudo começa , pois
uma nova disposição mental não pode começar com muitos , o processo é ir se
despertando aos poucos , encarnemos então este novo sopro , pois ninguém é dono
do que a vida nos oferece de melhor e o que de melhor nos identifica , a
liberdade.
Esse artigo seria bem maior , parei para que se adaptasse ao
estilo do blog , que já se queixam o que compreendo , embora tenha assuntos que
pareçam inesgotáveis . Agradeço a paciência e o tempo que me dedicam . VALEU.
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